sábado, 3 de fevereiro de 2018

Como vejo o mundo



Numa perspectiva criacionista, monista espiritualista, a realidade visível é fundamentalmente espiritual.  Poder-se-ia compará-la com a produção de uma bolha temporal no seio da eternidade, resultante da coordenação das dimensões espacial e temporal em cada um dos seres criados. O Espírito  Eterno representado pela inteligência e consciência universais personificadas num absoluto criador preexiste, pois, ao big bang (primeira manifestação do tempo e do espaço) e permanecerá após o fim dos tempos. Nesse contexto o ser humano se identifica subjetivamente por um eu histórico que se evidencia a cada indivíduo como ressonância do Espírito Eterno.
A consciência universal é, portanto, uma transcendência que ultrapassa os limites da razão humana  predisposta a lidar exclusivamente com grandezas temporais e espaciais.
Pegando carona no conceito básico da Física quântica pode-se conceber a realidade aparente expressa no processo histórico como o encontro das infinitas possibilidades da transcendência (consciência universal) com a consciência localizada implícita no equilíbrio dinâmico de cada uma das criaturas; finalmente, tudo converge para a harmonia global entre os diferentes níveis de complexidade que integram a unidade absoluta. No ser humano esse equilíbrio se torna pessoal, consciente, reflexivo, manifestado em cada indivíduo através da complementaridade das funções superiores do Sistema Nervoso Central (razão, sentimento e vontade).
A consciência localizada filtra misteriosamente os projetos contidos na consciência universal, reproduzindo estruturas de complexidade crescente; e o que é recapturado pela consciência pessoal resulta na realidade objetiva reconhecida como reflexo do mundo visível captado subjetivamente por cada um dos homens. Assim, a tese criacionista monista espiritualista  fundamenta a  realidade aparente no encontro indescritível da transcendência absoluta com a imanência limitada representada pelos diferentes níveis de complexidade que totalizam o absoluto unitário. Nessa interdependência misteriosa a consciência pessoal se plenifica em cada homem integrando-se na consciência universal (absoluta) e nela encontrando o seu sentido mediante uma experiência mística.
O grande problema existencial é que a dimensão temporal do homem implica em perdas pessoais inerentes ao tempo vivido, que o indivíduo confronta com a intuição da sua dimensão atemporal latente na expectativa de vida eterna. Com esta visão intuitiva, vivendo no tempo, o homem, para não deprimir, precisa superar o sentimento trágico implícito na consciência do determinismo de sua finitude temporal manifestada no envelhecimento e na morte. Dessa forma cada um precisa conservar a força moral necessária para viver as perdas temporais, conservando a autoestima através do aproveitamento inteligente das habilidades remanescentes, entre estas a de participação na unidade absoluta.
Os argumentos articulados pelo exercício da razão, por mais consistentes que sejam, jamais serão capazes de  anular a ansiedade do ser consciente  diante do próprio vir a ser incerto. Qualquer esforço intelectual para urdir teses filosóficas e metafísicas tendo em vista apaziguar a angústia inspirada pela ideia da proximidade da morte resulta geralmente em fracasso. Por sua inevitabilidade a morte é na vida de cada um uma presença virtual desagradável que só é superada mediante uma atitude mística.
            Encontramos na melhor hipótese alguma serenidade ao conseguirmos aconchegar-nos sob o manto protetor da misericórdia divina, invadidos por uma onda de cálido agradecimento ao Deus que nos criou e nos sustenta compassivamente, juntamente com todo o Universo. Nessa vivência mística experimentamos a maior proximidade com o próprio Criador.
 Sendo o espírito uma entidade que transcende a matéria não o experimentamos plenamente enquanto não vencemos literalmente a barreira do tempo; antes disso apenas lhe atribuímos um caráter indescritível no âmbito do nosso vir a ser histórico.
            Para aliviar a percepção do estresse de vivenciar a finitude, e mitigar a angústia existencial decorrente desta percepção, nos valemos de comportamentos que nos projetam numa realidade sempre maior e mais abrangente- até a mais alta aspiração estética, intelectual afetiva ou de ordem prática, corporificada numa coletividade universal solidária por exemplo. Nesse sentido esperamos realizar-nos até mesmo num ponto fora da curva do tempo. Na esteira deste esforço buscamos apreender algo mais de nós mesmos, que ultrapasse as dimensões espacial e temporal, o que nos remete a uma experiência mística. O esforço de transcender estimula o hipocampo que é a área cerebral da criatividade e da memória. Mantê-lo (o hipocampo) estimulado  com atividades criativas diminui o estresse da vivência de finitude, embora não o anule. Podemos ainda buscar uma ajuda natural mediante alimentação sadia, sono reparador e uma perspectiva otimista da existência, tomando consciência do quanto de pressão psíquica é autogerada por nossos cacoetes psíquicos afetivos. No combate prático à ansiedade não se pode esquecer uma rotina de  exercícios físicos que reduzem o estresse, pela produção das endorfinas antálgicas e euforizantes.
 A capacidade humana de fixar novos hábitos nos permite esperar que possamos um dia  habituar-nos à prática salutar da solidariedade como uma extensão do nosso vir a ser existencial, projetando o centro do interesse pessoal para além do próprio umbigo. Dessa forma, deixando-nos absorver no interesse de um todo universal, desviamos a atenção para além de nós mesmos, anulando,  momentaneamente, a consciência da ameaça permanente de saber-nos finitos.
           
            A invasão do espírito por ansiedade e medos incômodos pode ser controlada antes que estas elaborações psíquicas se alinhem num comportamento neurótico. Reagindo com abordagens racionais ao mergulho na insanidade, podemos alcançar um mínimo de conforto psicológico compatível com uma conduta construtiva, otimista. Mas a eficiência desta intervenção racional fica a depender de sua assimilação emocional.
            Afinal, no fundo, o medo e a ansiedade são despertados pelo confronto subjetivo com probabilidades ameaçadoras que se exacerbam à medida em que estamos mais centrados em nós mesmos. Ora, o que se teme e gera ansiedade enquanto vivemos pode acontecer ou não em determinado momento; aliás, na verdade raramente acontece enquanto não chega o instante fatal. Mas quando estamos preocupados com o próprio destino ficamos à mercê dos maus presságios. E até distanciar-se  de vez  das possibilidades alternativas temidas instante a instante, o protagonista das fantasias em questão  já terá sofrido muito, desnecessariamente. Esta realidade deve estar bem presente  no espírito de quem vive em permanente introspecção. O ansioso pode reduzir sua tensão intrapsíquica ao perceber o pseudoproblema implícito na expectativa criada pelo medo ilusório de possibilidades que só acontecerão na hora própria, se vierem a tornar-se realidade. Dessa forma o ansioso crônico pode tirar proveito de seus próprios recursos intelectuais ao reavaliar objetivamente o problema cuja vivência é responsável por estados psíquicos desagradáveis. Assim, deixamos de ser movidos pelo medo ilusório e passamos a conviver de forma objetiva com as probabilidades do acontecer indesejado, como o da velhice e da própria morte.

            Fundamentalmente, gostaríamos de ser senhores do tempo, todavia,  faz parte da nossa condição de criaturas finitas permanecermos sujeitos aos percalços da impermanência implícitos em mudanças que não são  totalmente controláveis no curso do tempo. Nada se pode fazer para evitar que fiquemos cada dia mais velhos e vulneráveis aos azares da idade, mais próximos do fim reservado ao  ser biológico.  Não adianta bater o pé contra a caminhada inexorável do ser temporal no qual vida e morte estão de braços dados. Como seres biológicos, para viver é preciso morrer os instantes em que vivemos, portanto é ridículo assumir postura existencial contrária  à inexorabilidade do tempo. Podemos, sim, aproveitar cada segundo para consumar uma postura a mais confortável possível diante de um desfecho indesejável, mas inevitável. Nesse sentido é indispensável que aprendamos a não confundir probabilidades com possibilidades, deixando-nos envolver cada vez mais por interesses comunitários e pela expectativa de um desfecho apoteótico da existência.
            Surpreendo-me preocupado ao imaginar o que me pode acontecer no momento seguinte; chego mesmo a ficar intimidado por acontecimentos que só existem na minha imaginação. Os traços remanescentes do caráter obsessivo da personalidade torna essa tendência mais problemática. Momentaneamente, uma onda de pessimismo pode atropelar a expectativa de saúde, paz e vida longa. No meio dessas cogitações o angustiado se dá conta de que está sadio, vivenciando no presente uma realidade diferente dos presságios que lhe afligem a imaginação descontrolada. E percebendo o disparate sente uma fisgada no seu amor próprio por ceder aos temores fantasiosos e aos medos infantis nos quais se sente envolvido. O termômetro para medir o que lhe resta de sanidade mental é a capacidade de contrapor os recursos racionais disponíveis ao turbilhão de expectativas fantasiosas, e em analisando-as, desmistificá-las, confinando-as aos limites do real concreto; dessa forma é possível reduzir o impacto de devaneios desastrosos construídos na subjetividade impregnada de pessimismo. Com esse objetivo tenho desenvolvido ao longo dos anos, com relativo sucesso, a análise racional das minhas preocupações e temores. Mesmo assim, os traços obsessivos do caráter de cada um são uma pedra no caminho desta análise, limitando o resultado  otimista a ser conquistado pela pacificação do espírito ansioso.

Everaldo Lopes

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