Numa perspectiva criacionista, monista espiritualista, a realidade
visível é fundamentalmente espiritual. Poder-se-ia
compará-la com a produção de uma bolha temporal no seio da eternidade, resultante
da coordenação das dimensões espacial e temporal em cada um dos seres criados. O
Espírito Eterno representado pela inteligência
e consciência universais personificadas num absoluto criador preexiste, pois,
ao big bang (primeira manifestação do tempo e do espaço) e permanecerá após o
fim dos tempos. Nesse contexto o ser humano se identifica subjetivamente por um
eu histórico que se evidencia a cada indivíduo como ressonância do Espírito
Eterno.
A consciência universal é, portanto, uma transcendência que ultrapassa
os limites da razão humana predisposta a
lidar exclusivamente com grandezas temporais e espaciais.
Pegando carona no conceito básico da Física quântica pode-se conceber a
realidade aparente expressa no processo histórico como o encontro das infinitas
possibilidades da transcendência (consciência universal) com a consciência
localizada implícita no equilíbrio dinâmico de cada uma das criaturas;
finalmente, tudo converge para a harmonia global entre os diferentes níveis de complexidade
que integram a unidade absoluta. No ser humano esse equilíbrio se torna pessoal,
consciente, reflexivo, manifestado em cada indivíduo através da
complementaridade das funções superiores do Sistema Nervoso Central (razão,
sentimento e vontade).
A consciência localizada filtra misteriosamente os projetos contidos na
consciência universal, reproduzindo estruturas de complexidade crescente; e o
que é recapturado pela consciência pessoal resulta na realidade objetiva
reconhecida como reflexo do mundo visível captado subjetivamente por cada um
dos homens. Assim, a tese criacionista monista espiritualista fundamenta a realidade aparente no encontro indescritível da
transcendência absoluta com a imanência limitada representada pelos diferentes
níveis de complexidade que totalizam o absoluto unitário. Nessa
interdependência misteriosa a consciência pessoal se plenifica em cada homem integrando-se
na consciência universal (absoluta) e nela encontrando o seu sentido mediante uma
experiência mística.
O grande problema existencial é que a dimensão temporal do homem
implica em perdas pessoais inerentes ao tempo vivido, que o indivíduo confronta
com a intuição da sua dimensão atemporal latente na expectativa de vida eterna.
Com esta visão intuitiva, vivendo no tempo, o homem, para não deprimir, precisa
superar o sentimento trágico implícito na consciência do determinismo de sua
finitude temporal manifestada no envelhecimento e na morte. Dessa forma cada um
precisa conservar a força moral necessária para viver as perdas temporais,
conservando a autoestima através do aproveitamento inteligente das habilidades
remanescentes, entre estas a de participação na unidade absoluta.
Os argumentos articulados pelo exercício da razão, por mais
consistentes que sejam, jamais serão capazes de
anular a ansiedade do ser consciente
diante do próprio vir a ser incerto. Qualquer esforço intelectual para
urdir teses filosóficas e metafísicas tendo em vista apaziguar a angústia
inspirada pela ideia da proximidade da morte resulta geralmente em fracasso. Por
sua inevitabilidade a morte é na vida de cada um uma presença virtual desagradável
que só é superada mediante uma atitude mística.
Encontramos na melhor hipótese alguma
serenidade ao conseguirmos aconchegar-nos sob o manto protetor da misericórdia
divina, invadidos por uma onda de cálido agradecimento ao Deus que nos criou e
nos sustenta compassivamente, juntamente com todo o Universo. Nessa vivência
mística experimentamos a maior proximidade com o próprio Criador.
Sendo o espírito uma entidade
que transcende a matéria não o experimentamos plenamente enquanto não vencemos
literalmente a barreira do tempo; antes disso apenas lhe atribuímos um caráter
indescritível no âmbito do nosso vir a ser histórico.
Para aliviar a percepção do estresse de
vivenciar a finitude, e mitigar a angústia existencial decorrente desta
percepção, nos valemos de comportamentos que nos projetam numa realidade sempre
maior e mais abrangente- até a mais alta aspiração estética, intelectual afetiva
ou de ordem prática, corporificada numa coletividade universal solidária por
exemplo. Nesse sentido esperamos realizar-nos até mesmo num ponto fora da curva
do tempo. Na esteira deste esforço buscamos apreender algo mais de nós mesmos, que
ultrapasse as dimensões espacial e temporal, o que nos remete a uma experiência
mística. O esforço de transcender estimula o hipocampo que é a área cerebral da
criatividade e da memória. Mantê-lo (o hipocampo) estimulado com atividades criativas diminui o estresse da
vivência de finitude, embora não o anule. Podemos ainda buscar uma ajuda
natural mediante alimentação sadia, sono reparador e uma perspectiva otimista
da existência, tomando consciência do quanto de pressão psíquica é autogerada
por nossos cacoetes psíquicos afetivos. No combate prático à ansiedade não se
pode esquecer uma rotina de exercícios
físicos que reduzem o estresse, pela produção das endorfinas antálgicas e
euforizantes.
A capacidade humana de fixar
novos hábitos nos permite esperar que possamos um dia habituar-nos à prática salutar da
solidariedade como uma extensão do nosso vir a ser existencial, projetando o
centro do interesse pessoal para além do próprio umbigo. Dessa forma, deixando-nos
absorver no interesse de um todo universal, desviamos a atenção para além de
nós mesmos, anulando, momentaneamente, a
consciência da ameaça permanente de saber-nos finitos.
A invasão do espírito por ansiedade
e medos incômodos pode ser controlada antes que estas elaborações psíquicas se
alinhem num comportamento neurótico. Reagindo com abordagens racionais ao
mergulho na insanidade, podemos alcançar um mínimo de conforto psicológico
compatível com uma conduta construtiva, otimista. Mas a eficiência desta
intervenção racional fica a depender de sua assimilação emocional.
Afinal, no fundo, o medo e a
ansiedade são despertados pelo confronto subjetivo com probabilidades
ameaçadoras que se exacerbam à medida em que estamos mais centrados em nós
mesmos. Ora, o que se teme e gera ansiedade enquanto vivemos pode acontecer ou
não em determinado momento; aliás, na verdade raramente acontece enquanto não
chega o instante fatal. Mas quando estamos preocupados com o próprio destino
ficamos à mercê dos maus presságios. E até distanciar-se de vez
das possibilidades alternativas temidas instante a instante, o protagonista
das fantasias em questão já terá sofrido
muito, desnecessariamente. Esta realidade deve estar bem presente no espírito de quem vive em permanente
introspecção. O ansioso pode reduzir sua tensão intrapsíquica ao perceber o
pseudoproblema implícito na expectativa criada pelo medo ilusório de
possibilidades que só acontecerão na hora própria, se vierem a tornar-se realidade.
Dessa forma o ansioso crônico pode tirar proveito de seus próprios recursos
intelectuais ao reavaliar objetivamente o problema cuja vivência é responsável
por estados psíquicos desagradáveis. Assim, deixamos de ser movidos pelo medo
ilusório e passamos a conviver de forma objetiva com as probabilidades do
acontecer indesejado, como o da velhice e da própria morte.
Fundamentalmente, gostaríamos de ser
senhores do tempo, todavia, faz parte da
nossa condição de criaturas finitas permanecermos sujeitos aos percalços da
impermanência implícitos em mudanças que não são totalmente controláveis no curso do tempo.
Nada se pode fazer para evitar que fiquemos cada dia mais velhos e vulneráveis
aos azares da idade, mais próximos do fim reservado ao ser biológico. Não adianta bater o pé contra a caminhada
inexorável do ser temporal no qual vida e morte estão de braços dados. Como
seres biológicos, para viver é preciso morrer os instantes em que vivemos,
portanto é ridículo assumir postura existencial contrária à inexorabilidade do tempo. Podemos, sim,
aproveitar cada segundo para consumar uma postura a mais confortável possível
diante de um desfecho indesejável, mas inevitável. Nesse sentido é
indispensável que aprendamos a não confundir probabilidades com possibilidades,
deixando-nos envolver cada vez mais por interesses comunitários e pela
expectativa de um desfecho apoteótico da existência.
Surpreendo-me preocupado ao imaginar
o que me pode acontecer no momento seguinte; chego mesmo a ficar intimidado por
acontecimentos que só existem na minha imaginação. Os traços remanescentes do
caráter obsessivo da personalidade torna essa tendência mais problemática.
Momentaneamente, uma onda de pessimismo pode atropelar a expectativa de saúde,
paz e vida longa. No meio dessas cogitações o angustiado se dá conta de que está
sadio, vivenciando no presente uma realidade diferente dos presságios que lhe afligem
a imaginação descontrolada. E percebendo o disparate sente uma fisgada no seu
amor próprio por ceder aos temores fantasiosos e aos medos infantis nos quais se
sente envolvido. O termômetro para medir o que lhe resta de sanidade mental é a
capacidade de contrapor os recursos racionais disponíveis ao turbilhão de expectativas
fantasiosas, e em analisando-as, desmistificá-las, confinando-as aos limites do
real concreto; dessa forma é possível reduzir o impacto de devaneios desastrosos
construídos na subjetividade impregnada de pessimismo. Com esse objetivo tenho
desenvolvido ao longo dos anos, com relativo sucesso, a análise racional das
minhas preocupações e temores. Mesmo assim, os traços obsessivos do caráter de
cada um são uma pedra no caminho desta análise, limitando o resultado otimista a ser conquistado pela pacificação do
espírito ansioso.
Everaldo Lopes
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