terça-feira, 5 de abril de 2011

Uma palavra de estímulo



            O sofrimento dos “excluídos”[1] numa sociedade injusta  suscita desolação e um sentimento incômodo de impotência. Não se avistam indicadores que justifiquem a expectativa da solução cabal dos problemas que afligem grandes massas humanas famintas, doentes, analfabetas, sem teto, sem emprego, sem renda. Enquanto prevalece a corrupção política despudorada, e a competição aética no mundo dos negócios com prejuízo para uma maioria de consumidores mal assistidos e explorados. É escandalosa a diferença do padrão de vida entre os que têm muito e os que nada têm. Qualquer ser humano com um mínimo de sensibilidade ficará indignado diante do panorama deprimente no qual se desenham as injustiças e os crimes praticados contra a pessoa... e, ao mesmo tempo, sentir-se-á esmagado pela pergunta angustiante sobre como conduzir-se com brio como agente transformador deste quadro dantesco... O grande problema é: o que fazer? O primeiro impacto face à urgência de responder à pergunta perturbadora é de atordoamento e desamparo. Mas, contextualizando historicamente o fenômeno humano e seus desdobramentos sócio-culturais, o observador atento adverte-se de que os ricos e poderosos sempre tripudiaram e, certamente, hão de continuar pisando sobre os pobres e os fracos. Esse comportamento desumano é uma secreção produzida pelo egoísmo, que corrói a solidariedade das relações humanas... não se modificará enquanto houver ricos poderosos e pobres fragilizados. Tendo em vista a magnitude do problema torna-se claro que para reparar os danos inerentes aos equívocos político-sociais e econômicos, insistentemente, reproduzidos geração após geração é necessário mobilizar todas as forças que tecem a malha social. Daí porque as iniciativas que visam a promover o comportamento solidário são difíceis de implementar... As campanhas organizadas com esse propósito se exaurem em pouco tempo por não estarem culturalmente sedimentadas em hábitos de vida, limitando-se a esforços isolados, ligados a movimentos pontuais que pretendem estimular o ideal comunitário. De qualquer modo o melhor resultado depende de mudanças pessoais. “Não se iluda, que nada muda se você não mudar.”[2]
            Obviamente, a desigualdade social milenar não será resolvida pelo esforço isolado de uma pessoa ou de um grupo. O débito social das classes favorecidas em relação aos excluídos só poderá ser resgatado pela sociedade toda num mutirão, envolvendo políticos, empresários, educadores, enfim,  todos os cidadãos válidos, unidos numa corrente de solidariedade.           Mas isto é utopia, dirão! Sem dúvida, sim. Mas utopia na qual acreditaram todos os grandes líderes espirituais da humanidade e nós próprios aspiramos a tornar realidade. O que todos precisamos saber é que crer não é simplesmente acreditar, mas, sobretudo é criar as condições para que aconteça aquilo no que acreditamos. De outra forma o nosso ideal nunca se fará realidade.             Nessa perspectiva, que cada um faça o que puder para tornar visível a solidariedade nas suas relações sociais... Como político, empresário, educador, profissional liberal, cidadão comum, cada um pode fazer muito em prol deste ideal. Basta que ao agir permaneça focado no respeito à dignidade humana, comprometido com a verdade e a justiça. Façamos, pois, o que pudermos, com objetividade e determinação. Poupemo-nos da violência de impor-nos uma responsabilidade que ultrapassa os limites pessoais, sem esquecer que “a união faz a força”.          Não adianta descabelar-se por não poder solucionar de vez e para sempre os problemas humano-sociais. Demos nossa colaboração mediante ações efetivas, sem lamentações ou registros depressivos. Em vez disso mantenhamos a mente lúcida para o passo seguinte e o façamos confiantes... “Toda caminhada começa com um primeiro passo”... Daí a importância de não retardá-lo. Nada se constrói com lamentações e explicações medrosas... É preciso agir com determinação para fazer o que se pode agora, já, na área em que militamos profissionalmente, e socialmente, sem descurar das responsabilidades de cidadão. Mas é preciso que o façamos com a confiança de quem acredita na possibilidade da vitória final. Sobrevirão momentos de fraqueza em que o desânimo ameaçará a disposição e firmeza de propósitos. Afinal estamos todos sujeitos à tentação da preguiça, da luxúria, da soberba, da ira, da avareza que desviam o foco do agente social, para os seus interesses individuais imediatos... Para superar as crises a que estamos existencialmente expostos é necessário cultivar a disciplina e a autoconfiança. São tantas as armadilhas do egoísmo humano que ameaçam, permanentemente, os ideais comunitários! Por isso é indispensável que façamos todo dia uma profissão de fé na capacidade humana de conversão à prática honesta da cooperação e da partilha. Até porque de outra forma não haverá salvação para a humanidade. Diante do risco de tornar a espécie Homo sapiens sapiens inviável, o comportamento solidário já não é apenas a virtude que enriquece um currículo de “santidade”, mas o ingrediente social indispensável para a sobrevivência do homem. Não se trata de atender a uma evocação mística, mas de responder, objetivamente, a uma constatação lógica. Esta exigência coerente com o processo evolutivo exige uma escolha, já... a prática solidária caracterizada pela cooperação e pela partilha. Se nos ativermos à análise econômica, política e social da conjuntura histórica atual, certamente, vamos deparar detalhes sórdidos que destoam dessa orientação e confundem o ativista democrático. Pior quando técnicos e administradores estão envolvidos nas falcatruas... evidencia-se, então, um impasse estrutural sem saída...são situações refratárias às soluções democráticas! Felizmente casos dessa natureza são pontuais. Afortunadamente, tanto entre os detentores do poder político, como no meio empresarial há homens honrados que procedem corretamente... Eles são o sustentáculo da ordem pública...
            O apoio nas urnas aos Políticos que têm espírito público é a forma mais radical de resolver os problemas inerentes à conquista de um Estado democrático de fato. Mas a escolha eleitoral politicamente correta envolve, necessariamente, o conhecimento dos candidatos, da sua competência e honorabilidade. Na dificuldade inerente ao acesso direto a dados biográficos confiáveis dos candidatos, os eleitores se valem das informações oferecidas pela mídia que assume, então, um papel relevante no processo de formação dos nossos quadros de legisladores e executivos públicos.
Quem estiver atento a este relato não me surpreenderá se levantar a questão da interatividade entre os políticos carreiristas, e parcelas não confiáveis do empresariado e do eleitorado. Com tristeza constata-se que esta interação se faz mais frequentemente no sentido da perpetuação da falta de decoro político social, mediante acordos de cafajestes entre as forças envolvidas no processo eleitoral. Para ganhar o apoio dos poderes constituídos e garantir vantagens econômicas, a mídia faz o jogo dos políticos vivaldinos e dos empresários desvairados pelo lucro. Os políticos cedem à pressão do lobby do poder econômico que lhes garante o financiamento da compra dos votos de eleitores venais. Nesse compasso dançam todos, ao ritmo satânico da cobiça... organizam-se, priorizando o egoísmo comum aos vários segmentos envolvidos, resumindo-se tudo a um comércio espúrio de interesses privados. No fim acabam levando vantagem o político desonesto e o empresário cobiçoso, aético... Enquanto isso, quase sempre, os eleitores conscientes ficam a ver navios, votando em candidatos desonestos, insistentemente, badalados pela mídia que usa de expedientes, simulando seriedade. Este é o ciclo vicioso das influências nefastas que subvertem o processo democrático, emperrando o verdadeiro desenvolvimento humano. O circuito destas influências fica facilitado pela ignorância e pobreza em que vivem muitos eleitores predispostos a vender o voto a um mau político por um emprego, e até por recompensas materiais desprezíveis. No conjunto, esses descalabros lesivos à Democracia criam uma situação de fato que o tempo vai sedimentando até transformar num bloco sólido monolítico de fatos concretos consumados. É difícil quebrá-lo, depois que por assim dizer se “institucionaliza” o comportamento cínico. A realidade socioeconômica vista através desta análise sucinta é tão mais trágica quanto mais resistente às tentativas de mudança. Porém, sabe-se que a rocha mais compacta, depois de muitas marretadas, acaba desmoronando a uma última, não mais vigorosa do que as anteriores. Se valer a analogia, esperamos que assim também acontecerá com o bloco aparentemente sólido da conjuntura político-social e econômica que vimos de descrever. Não será ingenuidade, portanto, insistir em ações cidadãs que visam a mudar a realidade atual no sentido da construção, contra todas as expectativas, de uma verdadeira democracia.            


[1] Indivíduos que foram deixados de fora dos recursos materiais e das conquistas sociais.
[2] Da Música “Companheiros” - Marcelo Barra, Naire e Tibério Gaspar