O
Filósofo propõe-se conhecer a realidade, desenvolvendo a razão dialética em
busca da Verdade, da Justiça, e da Beleza nas relações humanas ambientais e
sociais. O autoconhecimento profundo dos seres humanos acaba mobilizando um
sentimento de aproximação entre eles. Aliás, este é o caminho a ser trilhado por
todos os homens. A Maior virtude do
Filósofo é a disposição de refletir, isenta de preconceitos, sobre a realidade
mais íntima do sujeito pensante tendo em vista alcançar uma maneira funcional e
apropriada de lidar com as dificuldades do vir a ser existencial. Na sua origem
a Filosofia constituiu-se num conhecimento para ser aplicado na experiência humana
quotidiana. Sua aplicação na vida prática precede, pois, a institucionalização
como disciplina acadêmica. Reforçando a vocação original da Filosofia, o
Aconselhamento Filosófico destina-se a ajudar as pessoas a encontrar um estilo
de vida que lhe garanta a melhor realização pessoal e paz interior. Isto implica
no bom uso das funções psíquicas superiores[1].
A missão do Conselheiro Filosófico (CF) é ajudar o cliente a compreender melhor
a natureza humana. Neste sentido é fundamental induzi-lo a pensar por si mesmo,
ajudando-o a identificar sua própria visão de mundo[2].
Aprendendo a distanciar-se subjetivamente do seu
problema, o cliente consegue analisa-lo com objetividade. Este olhar filosófico
permite-lhe definir as situações aflitivas com realismo e serenidade; oportunidade
de aprender que “a vida é tensa e complicada, mas não é inevitável que o leve à
angústia e à confusão”. O CF leva o cliente a reconhecer a analogia do seu
problema com temas já explorados intelectualmente pelos Filósofos. Repassando-lhe
as doutrinas destes Pensadores sobre as questões inerentes ao valor, ao
significado e à ética, o Conselheiro ajudá-lo-á a encontrar uma resposta
pessoal para seus conflitos.
Iniciado por Gerd Achenbach na Alemanha, nos anos
oitenta do último século, a prática do “Aconselhamento Filosófico” migrou para
a América do Norte na década seguinte, granjeando ampla aceitação. O livro de
Lou Marinoff intitulado “Mais Platão, menos Prosac” foi meu primeiro contato
com esta aplicação da Filosofia. A partir da leitura que fiz deste livro tentarei
resumir neste e nos próximos textos os aspectos mais importantes do tema em
questão.
Para o
Conselheiro Filosófico deve estar bastante claro que o foco do aconselhamento é
o “agora”; e o diálogo, a troca de ideias é que é terapêutica. Lembrando sempre
que se o problema tem uma causa conhecida, suprimi-la quando possível é a
primeira providência. No caso de ser
difícil remover o motivo do desconforto psíquico, ajudará muito discutir as
razões que dificultam a remoção do obstáculo à paz interior do consulente.
O CF assume
a premissa que o ser consciente é responsável, em boa medida, pelo próprio
devir, e as anormalidades de conduta frequentemente são forjadas pela impropriedade
ou desarticulação do seu pensar, querer e agir. Estes desvios estão ligados a
desejos e necessidades mal dimensionados, e à desorientação das funções psíquicas
superiores. O Aconselhamento Filosófico aposta na possibilidade de o próprio
indivíduo reorientá-las, na medida em que entende o funcionamento do seu
psiquismo.
Todos
estamos mais ou menos condicionados aos pacotes culturais que encerram soluções
formais, destinadas a resolver os problemas corriqueiros de convivência. A
inércia cultural exclui, ou pelo menos retarda as mudanças comportamentais que
se fazem necessárias em razão do fluxo evolutivo humano e social. Adotar uma
postura nova implica sempre um risco, e isto assusta as pessoas prejudicando,
muitas vezes, sua determinação voluntária heroica para empreender a mudança
desejada.
O sentido
da vida é viver, disso a Natureza dá conta. Porém o sentido da existência deve
ser escolhido por cada um no seu vir a ser, mediante opções livres e
responsáveis. Não há respostas naturais para os problemas existenciais, nem
satisfaz ao ser consciente simplesmente obedecer à padronização das respostas
culturalmente cultivadas. No processo de individuação[3]
é preciso que cada um seja suficientemente crítico em relação à moldagem social
que a pretexto de salvaguardar a ordem coletiva pode asfixiar a capacidade
individual de escolher. Para ser legítimo, o sentido da existência deve evoluir
de forma socialmente estruturada e estruturante coerente com o ser pessoal integrado
num contexto solidário universal. Obviamente, isto não significa anular o
indivíduo, e sim induzi-lo a desenvolver-se como pessoa – membro de uma
comunidade. Portanto, é necessário que a socialização do indivíduo respeite o
compromisso de uma proposta pessoal compatível com o ideal comunitário. Orientação
que exige flexibilidade comportamental responsável. Desta forma consegue-se
escapar de um roteiro estandardizado que já não responde às necessidades
presentes, criando nova maneira de conviver que garanta a ordem coletiva e seja
dignificante para os indivíduos. Ao fazer a própria hora, sabiamente, cada um caminha
deliberadamente no sentido da satisfação equilibrada dos seus anseios compatibilizando-os
com uma organização social que vise à inclusão igualitária de todos os homens.
Fiéis a esta orientação o indivíduo assediado muitas vezes por conflitos entre a
razão e o sentimento responde na sua prática à pergunta que todos se fazem a
cada momento sobre o sentido da existência. Para manter o equilíbrio
existencial faz-se necessário esforço criativo dentro de uma visão de mundo
integrada. Nesta mobilização de forças intelectuais e morais o homem esculpe a
si mesmo mediante escolhas e decisões pessoais consentâneas com a harmonia
solidária alicerçada em valores universais. É preciso usar a força que sustenta
a dignidade pessoal para assumir voluntariamente a responsabilidade de uma
mudança necessária, mas dolorosa. Toda mudança envolve algum risco, mas é
mandatório investir na escolha consciente e responsável, amparada na
compreensão do valor da opção de hoje sobre o que acontecerá amanhã. O que de
bom ou de mau acontece hoje não é mero acaso, reflete a influência maior ou
menor das escolhas de ontem. É claro que, contextualizando as decisões assumidas
percebe-se que elas trazem a marca de determinismos limitantes da capacidade pessoal
de escolher. Estes determinismos são a facticidade[4]
inextrincável da contingência da criatura humana. É preciso que cada um
compreenda sua facticidade para sobre ela e apesar dela implementar voluntariamente
as escolhas ainda possíveis. Obviamente as opções precisam passar pelo crivo de
uma crítica racional que poderá ser enriquecida pela sabedoria dos Filósofos.
Neste ponto o Aconselhamento Filosófico é uma ferramenta útil para facilitar a
escolha de orientações construtivas. A compreensão da dinâmica psicossocial
leva o indivíduo a parar de culpar os outros por seus problemas, e a assumir a
responsabilidade que lhe toca. Agir com responsabilidade implica
necessariamente em incorporar interdições e criar novas formas de convivência.
É necessário eliminar os papéis culturalmente sedimentados que já não satisfazem
as necessidades do momento, e criar novos que atendam o ideal comunitário.
É normal ter problemas. E a aflição emocional
imediata inerente aos mesmos não é doença. Esta começa com a tendência de alimentar
a aflição recusando a realidade, em vez de solucionar o problema ou, quando este
for irrevogável, aprender a conviver com ele. E isto implica em contextualizar a existência numa mundividência coerente.
(Continua no próximo texto)
Everaldo
Lopes
ativa, pensamento abstrato, raciocínio
dedutivo, capacidade de planejamento etc.
conjunto mais ou menos integrado de
representações e que deve determinar, em última instância, a
vontade e os atos do seu portador
(Dic. De Aurélio).
[3] Processo através do qual uma pessoa se torna consciente de sua individualidade.(Jung)
[3] Processo através do qual uma pessoa se torna consciente de sua individualidade.(Jung)