sábado, 2 de fevereiro de 2013

Vivência romântica



A vivência romântica resulta da resposta amorosa a um estímulo que comove sobremodo a sensibilidade afetiva e a imaginação. Geralmente envolve a estética, reflexo do belo universal revelado num detalhe da realidade que nos cerca. A experiência romântica é despertada, entre outros estímulos, ora pela harmonia de uma composição musical, ora pelo jogo de cores de uma tela, ora pela plástica do perfil humano, ora pela delicadeza do comportamento cortês. Característica da comoção romântica é a purificação da libido pelo encantamento diante das formas perfeitas que povoam o mundo sensível. Tomemos como exemplo emblemático da vivência romântica a que suscita a beleza plástica e sincronia coreográfica de um par de bailarinos movendo-se com a leveza de uma pluma, ao som de acordes inspirados!
A vivência romântica da intuição do belo absoluto é como um “transe” que não implica a excitação erótica, nem exclui o erotismo delicado equivalente a um beijo inocente. É uma experiência juvenil, vibrante, porém nada agressiva. Algo assim como um sonho bom que se gostaria de prolongar e dar-se-ia a vida para eternizá-lo, mas sabe-se que é passageiro como a própria vida. Poder-se-ia viver esta experiência durante toda uma vida sem jamais esgotar suas nuances emocionais ao mesmo tempo sensuais e virginais. Mas esta vivência pode exaurir-se num instante fugaz quando submetida aos tropeços da relação de casais.
Um elemento constante na experiência romântica é a sedução do eterno feminino, a essência do feminino simbolizando toda beleza que a Natureza pode exprimir com inesperada sutileza, provocando um deslumbramento que teme revelar-se para não poluir-se, tão delicado que não resistiria à rudeza de uma aproximação física lúbrica, nem mesmo a um pensamento erótico explícito! Tão puro quanto a vivência que evoca num adolescente a imagem angelical da jovem que inspirou seu primeiro amor.
De forma surpreendente constatamos que não há um ícone do eterno masculino porque a beleza do masculino é virtual, uma realidade configurada em nuances originais porém efêmeras. A mulher encanta por seu “ser” integral; o homem seduz por atributos ornamentais. Não obstante essas diferenças, a experiência romântica que enriquece o par humano é Igualmente pura para ambos, em qualquer idade, enquanto  pulsa no espírito o ideal de perfeição. Todavia para o homem esta experiência é uma empolgação cavalheiresca criativa; e para a mulher representa mais uma curiosidade receptiva cuja emoção envolvente implica, sem roubar-lhe a pureza sentimental, junto com o afeto e a receptividade também ressonâncias emocionais equivalentes à expectativa de um “predador” diante da aproximação de sua presa.
Privilegiando a sensibilidade e a imaginação, para o homem a postura romântica é uma rendição da razão; e para a mulher uma exaltação do devaneio e da possessividade, predicados que lhe são próprios, lapidados culturalmente ao lado de sentimentos nobres. Contudo em ambos os casos, por explorar a sensibilidade e a imaginação a experiência romântica é mais calorosa e emocionalmente expressiva do que o prazer intelectual da descoberta estritamente racional. Por isso a experiência racional é mais solitária e menos inclusiva! Por sua natureza poética a vivência romântica ameniza a rigidez racional e predispõe a maior flexibilidade crítica diante das imperfeições humanas. O indivíduo envolvido numa experiência romântica fica mais propenso a compreender e a perdoar, valorizando menos o caráter racional do enfoque lógico critico e condenatório na abordagem da realidade objetiva.   
Lamentavelmente, a prática social poluída pelo egoísmo expõe a benevolência do romântico ao assédio dos inescrupulosos. Todavia a credulidade do romântico diz respeito ao objeto de uma experiência especifica. Sua credulidade não exclui a lucidez que fica embaçada na vigência da paixão. Do que se conclui que nem todo romântico é apaixonado, e o apaixonado pode estar muito longe de ser romântico.
Everaldo Lopes

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Uma intuição comentada



           Há muitos anos, indagando o que seria mais importante para alcançar o equilíbrio existencial, a resposta emergiu como uma intuição: “desenvolver a capacidade de viver sob o signo do amoroso desapego à vida”. Obviamente, este objetivo se desdobra em outros menos ambiciosos, porém não menos exigentes, no dia a dia de cada um. O desapego[1] à vida, basicamente, é o desapego aos bens materiais, ao conforto, aos prazeres legítimos, ao prestígio social, ao poder econômico. O que não significa renegar estas situações privilegiadas, mas estar apto a lidar com a falta delas; enfim, é apenas o reconhecimento de que elas não são essenciais. Esta disposição torna o indivíduo mais autônomo e capaz de desfrutar com maturidade as vantagens conquistadas por mérito.  Para ilustrar o significado da afirmação anterior dir-se-ia: ninguém em sã consciência alimenta o ideal de viver só, mas é preciso aprender a viver só para melhor valorizar o companheirismo e ser uma boa companhia. O/a companheiro/a carente desenvolverá, salvo raras exceções, uma relação de dependência; e a falta de autonomia e liberdade a que leva a carência de um dos parceiros sufoca a pureza do amor entre ambos.
           Na caminhada existencial é relevante estar consciente do que significa “ser-responsável-no-mundo”. Nesta perspectiva o amor à vida implica desejar degustá-la com prazer e sabedoria. Ou seja, aprender a fruir os prazeres dos sentidos, definindo-lhes, os limites críticos, aquém e além dos quais a humanidade se desfigura, respectivamente, seja pela autoagressão que acontece na ruptura da sobriedade, seja pela heteroagressão que ocorre no desrespeito ao «outro». Estes limites se definem nos processos simultâneos de individuação e socialização que marcam a história de cada um. Tendo em vista alcançar o equilíbrio ideal da existência é preciso modular a vida com a sensibilidade do poeta e a liberdade do sábio, numa experiência comunitária. Neste patamar existencial é evidente a predisposição do indivíduo de encarnar com autenticidade a dimensão solidária do seu  vir-a-ser no mundo. Este é o primeiro passo  de uma caminhada longa, longa, interminável... o caminho único, aberto para a humanização integral. Perlustrá-lo, significa abrir mão do narcisismo básico e de tudo que ele representa: egoísmo, orgulhosa ostentação do ego projetado na autoimagem valorizada, dificuldade em fazer empatia. Estas mazelas psicológicas têm sido responsáveis por grandes tragédias e por todas as ambiguidades que enfermam o convívio social humano.
           O equilíbrio entre a fruição dos desejos individuais e a colaboração espontânea em atividades coletivas representa o climax da sabedoria de “ser-consciente-no-mundo”. Sabedoria que transborda no sentimento de estar o indivíduo de bem consigo mesmo, aceitando os próprios limites e os alheios, sem abandonar o esforço permanente de transcender as fronteiras virtuosas alcançadas. Um jeito de ser que depende, fundamentalmente, do exercício da humildade e da criatividade, virtudes básicas do homem universal. O amor excessivo a si mesmo é inquestionavelmente negativo no âmbito das relações humanas; por ser excludente, afasta o indivíduo do grupo. Quando alguém ama a vida como oportunidade para integrar-se num todo significativo transcende-se porque este amor se prolonga no fervor com que aspira a realizar o ideal atemporal de solidariedade que o empolga. O desapego está implícito neste ato de amor a um ideal que se esquiva de todo egoísmo. O obstáculo maior para a conquista do equilíbrio existencial é que o homem não é apenas razão, mas também sentimento, forças psíquicas poderosas que na hora da escolha podem competir na subjetividade.  Na constituição do homem, o conhecimento racional é um patamar importante, mas o amoroso desapego à vida escapa ao controle da razão e só se realiza na experiência existencial que incorpora numa resposta global, conhecimento, sentimento e vontade. Neste contexto, o amor à vida se prolonga no ideal comunitário, rechaçando o egoísmo sempre carente, ambicioso, e temeroso da fragilidade individual.
Ao compreender a natureza da existência torna-se evidente que o “amoroso desapego da vida” é um processo dinâmico que exige o empenho inteligente emocional e volitivo no trato com as questões práticas do dia a dia. Se não for uma vocação absorvente, este desapego deverá ser uma decisão consciente, retomada de instante para instante, com a determinação de cumprir com dignidade o destino humano no processo evolutivo. Neste ponto, o comportamento solidário se impõe como “dever” pela necessidade de coerência existencial; e mais do que um comportamento ético, constitui-se na manifestação amorosa de uma verdade pessoal na qual damos testemunho da dignidade da condição humana. Determinação que demanda conhecimento, responsabilidade, respeito e estima, componentes fundamentais do amor. Portanto, o generoso desapego à vida vem a ser uma manifestação de amor.
                                                                                                                                                         Everaldo Lopes


[1] Entenda-se por desapego a desnecessidade de agarrar-se, prender-se buscando amparo.