sábado, 24 de novembro de 2012

Evolução, referencial significativo da realidade universal



 O mundo objetivo é feito de espaço-tempo. Está sujeito a constantes transformações mensuráveis que obedecem a regras conhecidas como Leis da Natureza. Leis que ao longo do tempo têm se mostrado capazes de construir uma ordem cósmica. Nos milionésimos de segundo seguintes à grande explosão (o “Big Bang” que deu nome à célebre teoria da origem do Universo), a matéria primitiva era constituída por uma nuvem de partículas que foram se organizando paulatinamente...  das subatômicas ao átomo, do átomo às moléculas, e às substâncias simples que formaram compostos cada vez mais complexos. Sob certas circunstâncias físicas, propriedades especiais de algumas estruturas químicas deram início à vida, num mundo até então rigorosamente mineral. Sabe-se que a vida começou sob a forma de geleia informe capaz de auto reproduzir-se, nos mares tépidos do Arqueano[1] há 3.800 bilhões de anos. Os seres monocelulares evoluíram para os pluricelulares que se multiplicaram em miríade de espécies. Dos protótipos desses organismos destacaram-se 12 linhagens denominadas filos[2]. Destes, os “cordatos” que protegem seu sistema nervoso com uma carapaça calcária tomaram a dianteira na evolução da vida, através de espécimens cada vez mais independentes e autônomos. Pode-se alinhá-los numa sequência: peixes, répteis, aves, mamíferos, macacos, antropóides, hominídeos e finalmente o homem tal como o conhecemos hoje. Nesta sucessão, a característica preponderante é o desenvolvimento progressivo do Sistema Nervoso.
A “grande explosão”[3] marca o início da realidade percebida pelos sentidos, objeto de  conhecimento. Nada pode ser objetivamente conhecido antes do grande evento cósmico. Qualquer investigação sobre o que precedeu o marco zero da matéria é meramente especulativa. Mas tudo que veio depois obedeceu a uma Complexificação Crescente[4] que permeia a Evolução desde a matéria cósmica elementar até a complexidade dos seres vivos, e a vida consciente.
Durante a Evolução, os determinismos físico-químicos, e depois, com  o advento da vida, os feedbacks biológicos sustentaram, respectivamente,  o equilíbrio instável da matéria e da vida em suas múltiplas manifestações. Mas estes mecanismos se mostraram insuficientes quando, no homem, o organismo vivo alcançou um grau inexcedível de organização biológica e para assegurar a continuidade do processo, a Evolução teria que redirecionar o seu sentido, do individual para o social. Impunha-se dotar os homens de atributos que os permitissem organizarem-se socialmente de forma flexível, diferentemente das sociedades rigidamente administradas pelo instinto como é o caso das abelhas e das formigas. A partir do homem, então, a liberdade e a consciência seriam os instrumentos necessários para suprir a necessidade evolutiva de redirecionamento. A consciência responsável inerente à prática de decisões livres deveria propiciar condições para estabelecer relações interindividuais baseadas na cooperação solidária. Esta aquisição recente no processo evolutivo permite aos indivíduos organizarem-se livremente em sociedade, tendo em vista a construção da comunidade humana, condição sine qua non para a sobrevivência da espécie. Nesta etapa crucial da Evolução o máximo que se pode dizer do ponto de vista biológico é que se criaram no Sistema Nervoso Central conexões sinápticas, entre os núcleos cerebrais profundos com funções específicas, estabelecendo circuitos internos supostamente indispensáveis a um servomecanismo neuropsíquico compatível com a auto identificação - a consciência reflexiva. Este servossistema biológico ainda não garante, porém, ser a consciência apenas um epifenômeno da matéria! O sistema neuropsíquico especializado, com seus milhões de sinapses não bastaria para explicar as funções psíquicas superiores[5]... Os espiritualistas entre os quais me incluo admitem que o mecanismo neuropsíquico de controle automático apenas permite a manifestação de uma realidade imaterial, o Espírito[6], que preexiste ao Big-bang, e reúne no seu dinamismo absoluto eternamente criativo o potencial da energia cósmica, indissociável das próprias leis do Universo. Algo que escapa a qualquer objetivação e, portanto, é objeto de fé. Mas, sem apelar para especulações metafísicas, tomemos o processo evolutivo como referencial para validar a tese de um “Projeto” que se tornou conspícuo no curso da complexificação crescente, desde a poeira cósmica até a vida consciente. Na fase avançada do Projeto que vivemos hoje, a Evolução depende, agora, do exercício coerente da consciência e da liberdade. Sob a coordenação da consciência, a razão, a sensibilidade intelectual e afetiva inscrita no respeito à dignidade do outro, a suscetibilidade política em relação às demandas coletivas e aos valores éticos universais permitem imprimir novos rumos no processo evolutivo, orientando-o para a construção consciente de um organismo social harmonioso. A Evolução abandona assim, o estágio inconsciente, e passa a depender das decisões livres, que para serem socialmente responsáveis deverão disciplinar as tendências atávicas representadas no homem por vícios comportamentais[7] que ameaçam o equilíbrio social. Ao comprometer as instituições, estes desregramentos comportamentais condenam a convivência humana a grave crise. Exemplo disso é o que ocorre no nosso mundo capitalista globalizado. A doutrina econômica prevalente institucionalizou a competição ambiciosa e a concentração avara de bens, acentuando a deplorável divisão da sociedade em ricos e pobres. Nunca é demais repetir este chavão para lembrar a responsabilidade que nos cabe de pensar esta chaga da humanidade. O desrespeito à dignidade de cada homem, acobertado por leis sociais injustas está minando a manifestação plena do fenômeno humano. A morte de milhares de crianças e adultos nos países pobres, sacrificados pela fome, desnutrição e doenças curáveis, são crimes hediondos que escandalizam as consciências sensíveis. Não é menos hediondo o terrorismo, uma maneira desarrazoada de afrontar o imperialismo capitalista.  Todos esses descaminhos decorrem da prática de uma filosofia desenvolvimentista que sufoca o homem, em favor do capital. Basta refletir um pouco para perceber o disparate desta orientação. A mesma liberdade que conferiu aos homens a possibilidade de construir uma sociedade justa e igualitária os expõe ao risco de desunirem-se. Desta forma acumularam-se erros históricos que desviaram o homem de sua missão no processo evolutivo[8]. Diante desta perspectiva desagregante, a coerência pessoal responsável exige de cada um que reordene suas práticas políticas econômicas e sociais no sentido de uma “economia solidária”. Não basta um estatuto legal. É preciso que cada cidadão escolha livremente ser solidário nas suas relações coletivas. É imperioso que o homem assuma decisões políticas sociocêntricas, caracterizadas pela cooperação e pela partilha. Estas conclusões resultam da lógica de um processo cosmogônico cujo caráter evolutivo se tornou evidente no curso verificável de uma complexificação crescente da matéria no mundo em que vivemos. Processo que permeia o cosmo, do infinitamente pequeno, ao infinitamente grande e ao infinitamente complexo.
            Com os olhos postos no objetivo supremo da Evolução que no seu próprio curso demonstra visar a construção da unidade comunitária dos homens, os percalços do momento presente são um desafio à capacidade humana de praticar a liberdade responsável.  Desafio que implica no exercício consciente da verdade, da justiça e da solidariedade, nas escolhas que fazemos na convivência familiar, profissional e social. Sem ser espetaculoso, não é demais afirmar com base na análise dos fatos, que vencer este desafio é a garantia única de sobrevivência da Humanidade!
Everaldo Lopes


[1] Período geológico
[2] Categoria taxonômica que agrupa classes relacionadas filogeneticamente, distinguíveis das outras por diferenças marcantes.

[3] Big-bang
[4] Teilhar de Chardin – “Lei da centro complexificação crescente”
[5] Consciência reflexiva, a intuição criativa, a vontade, o amor a capacidade de escolher( livre arbítrio).
[6] Suposta entidade superior, absoluta, inteligente, que transcende  a matéria e lhe é inerente necessariamente de vez que, sem autonomia, a matéria não subsistiria por si mesma.
[7] Avareza, preguiça, inveja, vaidade, gula. ira e luxúria
[8] Dar continuidade à espécie mediante a organização comunitária da Humanidade.