O mundo objetivo é feito de espaço-tempo. Está
sujeito a constantes transformações mensuráveis que obedecem a regras
conhecidas como Leis da Natureza. Leis que ao longo do tempo têm se mostrado capazes
de construir uma ordem cósmica. Nos milionésimos de segundo seguintes à grande
explosão (o “Big Bang” que deu nome à célebre teoria da origem do Universo), a matéria
primitiva era constituída por uma nuvem de partículas que foram se organizando
paulatinamente... das subatômicas ao
átomo, do átomo às moléculas, e às substâncias simples que formaram compostos
cada vez mais complexos. Sob certas circunstâncias físicas, propriedades
especiais de algumas estruturas químicas deram início à vida, num mundo até
então rigorosamente mineral. Sabe-se que a vida começou sob a forma de geleia
informe capaz de auto reproduzir-se, nos mares tépidos do Arqueano[1] há
3.800 bilhões de anos. Os seres monocelulares evoluíram para os pluricelulares
que se multiplicaram em miríade de espécies. Dos protótipos desses organismos destacaram-se
12 linhagens denominadas filos[2]. Destes,
os “cordatos” que protegem seu sistema nervoso com uma carapaça calcária
tomaram a dianteira na evolução da vida, através de espécimens cada vez mais
independentes e autônomos. Pode-se alinhá-los numa sequência: peixes, répteis,
aves, mamíferos, macacos, antropóides, hominídeos e finalmente o homem tal como
o conhecemos hoje. Nesta sucessão, a característica preponderante é o
desenvolvimento progressivo do Sistema Nervoso.
A “grande explosão”[3]
marca o início da realidade percebida pelos sentidos, objeto de conhecimento. Nada pode ser objetivamente
conhecido antes do grande evento cósmico. Qualquer investigação sobre o que
precedeu o marco zero da matéria é meramente especulativa. Mas tudo que veio
depois obedeceu a uma Complexificação
Crescente[4] que
permeia a Evolução desde a matéria cósmica elementar até a complexidade dos
seres vivos, e a vida consciente.
Durante a Evolução,
os determinismos físico-químicos, e depois, com o advento da vida, os feedbacks biológicos sustentaram,
respectivamente, o equilíbrio instável
da matéria e da vida em suas múltiplas manifestações. Mas estes mecanismos se
mostraram insuficientes quando, no homem, o organismo vivo alcançou um grau
inexcedível de organização biológica e para assegurar a continuidade do
processo, a Evolução teria que redirecionar o seu sentido, do individual para o
social. Impunha-se dotar os homens de atributos que os permitissem organizarem-se
socialmente de forma flexível, diferentemente das sociedades rigidamente
administradas pelo instinto como é o caso das abelhas e das formigas. A partir
do homem, então, a liberdade e a consciência seriam os instrumentos
necessários para suprir a necessidade evolutiva de redirecionamento. A
consciência responsável inerente à prática de decisões livres deveria propiciar
condições para estabelecer relações interindividuais baseadas na cooperação solidária.
Esta aquisição recente no processo evolutivo permite aos indivíduos organizarem-se livremente em sociedade, tendo
em vista a construção da comunidade humana, condição sine qua non para a
sobrevivência da espécie. Nesta etapa
crucial da Evolução o máximo que se pode dizer do ponto de vista biológico é
que se criaram no Sistema Nervoso Central conexões sinápticas, entre os núcleos
cerebrais profundos com funções específicas, estabelecendo circuitos internos
supostamente indispensáveis a um servomecanismo neuropsíquico compatível com a
auto identificação - a consciência reflexiva. Este servossistema biológico ainda
não garante, porém, ser a consciência apenas um epifenômeno da matéria! O sistema
neuropsíquico especializado, com seus milhões de sinapses não bastaria para
explicar as funções psíquicas superiores[5]...
Os espiritualistas entre os quais me incluo admitem que o mecanismo
neuropsíquico de controle automático apenas permite a manifestação de uma
realidade imaterial, o Espírito[6], que
preexiste ao Big-bang, e reúne no seu dinamismo absoluto eternamente criativo o
potencial da energia cósmica, indissociável das próprias leis do Universo. Algo
que escapa a qualquer objetivação e, portanto, é objeto de fé. Mas, sem apelar
para especulações metafísicas, tomemos o processo evolutivo como referencial
para validar a tese de um “Projeto” que se tornou conspícuo no curso da
complexificação crescente, desde a poeira cósmica até a vida consciente. Na
fase avançada do Projeto que vivemos hoje, a Evolução depende, agora, do
exercício coerente da consciência e da
liberdade. Sob a coordenação da
consciência, a razão, a sensibilidade intelectual e afetiva inscrita no
respeito à dignidade do outro, a suscetibilidade política em relação às
demandas coletivas e aos valores éticos universais permitem imprimir novos
rumos no processo evolutivo, orientando-o para a construção consciente de um
organismo social harmonioso. A Evolução abandona assim, o estágio inconsciente,
e passa a depender das decisões livres, que para serem socialmente responsáveis
deverão disciplinar as tendências atávicas representadas no homem por vícios
comportamentais[7]
que ameaçam o equilíbrio social. Ao
comprometer as instituições, estes desregramentos comportamentais condenam a convivência
humana a grave crise. Exemplo disso é o que ocorre no nosso mundo capitalista
globalizado. A doutrina econômica prevalente institucionalizou a competição
ambiciosa e a concentração avara de bens, acentuando a deplorável divisão da
sociedade em ricos e pobres. Nunca é demais repetir este chavão para lembrar a
responsabilidade que nos cabe de pensar esta chaga da humanidade. O desrespeito
à dignidade de cada homem, acobertado por leis sociais injustas está minando a
manifestação plena do fenômeno humano. A morte de milhares de crianças e
adultos nos países pobres, sacrificados pela fome, desnutrição e doenças
curáveis, são crimes hediondos que escandalizam as consciências sensíveis. Não
é menos hediondo o terrorismo, uma maneira desarrazoada de afrontar o
imperialismo capitalista. Todos esses
descaminhos decorrem da prática de uma filosofia desenvolvimentista que sufoca o
homem, em favor do capital. Basta refletir um pouco para perceber o disparate
desta orientação. A mesma liberdade que conferiu aos homens a possibilidade de construir
uma sociedade justa e igualitária os expõe ao risco de desunirem-se. Desta
forma acumularam-se erros históricos que desviaram o homem de sua missão no
processo evolutivo[8].
Diante desta perspectiva desagregante, a coerência pessoal responsável exige de
cada um que reordene suas práticas políticas econômicas e sociais no sentido de
uma “economia solidária”. Não basta um estatuto legal. É preciso que cada
cidadão escolha livremente ser solidário nas suas relações coletivas. É
imperioso que o homem assuma decisões políticas sociocêntricas, caracterizadas
pela cooperação e pela partilha. Estas conclusões resultam da lógica de um
processo cosmogônico cujo caráter evolutivo se tornou evidente no curso verificável
de uma complexificação crescente da matéria no mundo em que vivemos. Processo
que permeia o cosmo, do infinitamente pequeno, ao infinitamente grande e ao
infinitamente complexo.
Com os olhos postos no objetivo
supremo da Evolução que no seu próprio curso demonstra visar a construção da unidade
comunitária dos homens, os percalços do momento presente são um desafio à
capacidade humana de praticar a liberdade responsável. Desafio que implica no exercício consciente da
verdade, da justiça e da solidariedade, nas escolhas que fazemos na convivência
familiar, profissional e social. Sem ser espetaculoso, não é demais afirmar com
base na análise dos fatos, que vencer este desafio é a garantia única de
sobrevivência da Humanidade!
Everaldo Lopes
[1] Período
geológico
[2] Categoria taxonômica que agrupa classes relacionadas
filogeneticamente, distinguíveis das outras por diferenças marcantes.
[3] Big-bang
[4] Teilhar
de Chardin – “Lei da centro complexificação crescente”
[5]
Consciência reflexiva, a intuição criativa, a vontade, o amor a capacidade de
escolher( livre arbítrio).
[6]
Suposta entidade superior, absoluta, inteligente, que transcende a matéria e lhe é inerente necessariamente de
vez que, sem autonomia, a matéria não subsistiria por si mesma.
[7] Avareza,
preguiça, inveja, vaidade, gula. ira e luxúria
[8] Dar
continuidade à espécie mediante a organização comunitária da Humanidade.