segunda-feira, 21 de março de 2011

O mistério do cosmo e da consciência


Big-bang, matéria e anti-matéria, bilhões de galáxias somando trilhões de estrelas com seus sistemas solares (planetas e luas), a matéria escura, a energia escura, quasares e buracos negros, Universo em expansão... Eis alguns dos fenômenos espetaculares do cosmo misterioso. Finalmente, a previsão de um fim catastrófico daqui a bilhões de anos, seguido pela criação de novos Universos. Este é o quadro estonteante da realidade que os Astrônomos e Astrofísicos nos revelam.
Nesta turbulência cósmica, o planeta Terra gira com relativa tranqüilidade, orbitando uma estrela de 5ª grandeza, na Via Láctea, uma entre bilhões de galáxias espalhadas no Universo. O astro que habitamos faz parte do sistema solar e nele ocupa espaço insignificante do cosmo, mas reúne as condições necessárias à emergência da vida que, no curso de uma Evolução caprichosa, produziu um servomecanismo biológico[1] capaz de manifestar a consciência reflexiva. Todos esses acontecimentos só foram possíveis porque dentre infinitas “possibilidades”, a Terra estava no lugar certo, no tempo certo, dentro do esquema gravitacional da nossa galáxia!... Nada impede que entre os trilhões de estrelas dos bilhões de galáxias que povoam o Universo, outros planetas tenham reproduzido as mesmas condições físico-químicas e ecológicas da Terra, podendo abrigar, também, vida inteligente. Mas no cosmo imenso, o nosso Planeta é, até agora, o único exemplo conhecido, não obstante a procura incansável dos Cientistas, munidos de poderosos telescópios e sondas espaciais programadas para o reconhecimento da existência dos nossos irmãos cósmicos. O extremo avançado da complexidade a que chegou a matéria é o servomecanismo biopsíquico que tornou possível a manifestação da inteligência consciente... um fenômeno cuja natureza transcendental[2] não se esgota, inteiramente, na organização biológica. Pela consciência reflexiva o Universo se dá conta de si mesmo como um “todo” que reúne o infinitamente grande, o infinitamente pequeno e o infinitamente complexo. Transitando entre estes infinitos, a consciência pressente a grandeza de um Todo Absoluto... Absurdo racional que abre espaço para a especulação intuitiva de um Dinamismo Absoluto (permanentemente criativo) inscrito no mundo, e na vida.
Utilizando os recursos mais sofisticados da tecnologia, a Ciência cria ambientes artificiais que reproduzem as condições geológicas do momento em que surgiu a matéria e a vida, tentando desvendar os segredos que se escondem no mundo. Mas apenas consegue arranhar a superfície da ordem por vezes incompreensível que preside a caminhada espetacular desde a matéria primitiva (desordenada), até a eclosão da consciência que exige uma organização biológica de máxima complexidade. Já não podemos dar as costas para esta saga protagonizada pela matéria no roteiro de uma “complexificação crescente”[3] que no extremo avançado da Evolução permite a manifestação da consciência reflexiva. Desta estória nos tornamos testemunhas, ou melhor seus principais atores. Quando despertamos como seres conscientes, racionais, afetivos e querentes, estamos projetando no cosmo uma epifania[4] difícil de contestar, mas impermeável à compreensão racional. Pela contingência biológica somos imanência[5], e pela consciência reflexiva somos transcendência[6]. Nada descreve melhor o que vivenciamos diante de tal realidade estonteante, do que o “sentimento do sagrado” que o Teólogo Rudolph Otto cognominou “numinoso”[7]. É este sentimento que inunda o ser consciente diante do escândalo racional de um Dinamismo Absoluto que faz surgir de sua própria imaterialidade, o “nada”(?), a matéria primitiva, atuando na sua intimidade, moldando-a até o ponto de tornar-se nela manifesto através da alma humana, “...estado divino da matéria”[8]. Um cometimento que desafia a perspicácia da razão. O homem experimenta a consciência reflexiva, porém não sabe explicá-la...
É ingênuo perguntar: por que tudo isso? A trajetória foi longa e prodigiosa, desde a matéria primitiva feita de ondas energéticas e partículas subatômicas, caoticamente desorganizadas, até a complexidade da organização biológica e a emergência, no homem, da vida inteligente e consciente... Afinal, aqui estamos e somos uma prova inconteste desta Evolução!
Diante da grandiosidade do Cosmo – do big-bang ao fim catastrófico, seguido da origem de novos Universos – todo e qualquer projeto temporal vivido pessoalmente tem a efemeridade de uma bolha de sabão que se rompe sem deixar marcas... Mas fazendo um zoom na história do homem cada “pessoa” é uma realidade ímpar, elo misterioso entre Universos diferentes...
Cercada de incertezas, racionalmente incapaz de explicar o mundo e a consciência, a alma humana assume o monólogo hipotético do próprio cosmo, personificando-o, como se, identificando-se com ele, mitigasse suas próprias dúvidas, deixando-o falar por si mesmo.
“Sinto o calor da matéria nova
ávida de ser, voluntariosa,
cinzelada à bigorna do tempo.
Ouço crepitar as partículas
Da  ígnea nebulosa original,
na lida caótica, medonha.

Nessa experiência telúrica,
sofro  mil mortes, cada segundo,
e mil renascimentos, também.
Borbulhante, a matéria incipiente
busca  sem saber, mas resoluta,
formas  diferentes de acontecer...
E sob esse tumulto, fermenta
o mistério das transformações!
Nessa forja, o princípio de tudo...

Ondas, partículas e átomos,
moléculas, macromoléculas,
tudo foi se arrumando ao seu tempo.
Num prolongamento desse arranjo
Inexplicável e caprichoso,
circulavam nos mares primitivos
complexidades inesperadas...

Deu-se, então, o salto imprevisto...
Súbito a vida irrompe viçosa,
na noite mineral penumbrosa!

Afinal, criação ou anti acaso?
Qual a distinção metafísica?

Ouço a explosão da consciência
a reboar no espaço infinito,
quebrando o silêncio atro abismal.
Ouço o verbo, finalmente, audível,                                         
bradando a liberdade insólita
no coração dos determinismos.

Sofro na carne o apelo sensual
da matéria ingênua, exigente.
Sofro n’alma o apelo do “sentido”,
despertado pela intuição
da unidade de tudo que existe.

Fecho os olhos e sinto sem querer...
A dor de ser alma, e de existir
à  sombra da contradição fatal,
vivendo a morte, na impermanência
inevitável da contingência.


Fecho os olhos e sinto abismado...
o equacionamento dos contrastes,
invisível aos olhos da razão,
sobreposto a todos os colóquios
na intimidade holística, una.

Fecho os olhos e sinto, no entanto,
cada vez mais e sempre, ameaçada
pela fugacidade de tudo...
a vida perplexa e desprotegida,
ancorada apenas na esperança...
na expectativa de um amanhã.

Abre-se a cortina e vejo afinal:
a  perplexidade embaraçosa,
a esperança desfeita em dúvidas,
o eu patético, e contraditório,
submisso ao império dos sentidos,
postulando, pretensiosamente,
ideais éticos ilibados!

Dói-me essa fatal incompetência
de abraçar, com amor, a finitude...
Sabe-me humilhante derrota
a espera passiva da morte!

Fecho os olhos e “intuo” atônito...
A verdade racional não basta
para preencher os desvãos da alma
sequiosa de amor e segurança...

Afinal, coerente, descubro...
Na gestalt pessoal convergem
a verdade, a beleza e a bondade,
prolongando o Princípio supremo
nos talentos criativos do homem.
Simples assim, e misterioso!...

Compreendo então a pura verdade!
Para transformar este mistério
Numa simples vivência intuitiva,
bastará que a razão, genuflexa,
renda-se ao absoluto intangível,
princípio e fim de tudo que existe,
que pulsa no tempo feito vida.
            Essa humildade liberta a alma dos equívocos maniqueístas integrando-a, com todas as consciências individuais, na unidade da Consciência Universal. Fascinado pelo mistério do Cosmo e da consciência, deponho a ousadia intelectual e me rendo à intuição singela de uma verdade de fé – um “Princípio absoluto” – origem meio e fim de tudo quanto existe. Ou isso ou o mergulho no estoicismo niilista, num sono eterno, sem sonhos. Fico mais à vontade aderindo à primeira opção.
           
  Everaldo Lopes


[1] Sistema Nervoso Central, sobretudo o córtex cerebral.
[2] Para observar-se e criticar-se, o ser consciente precisa sair de si (ultrapassar-se) sem desgarrar-se do seu núcleo pensante.
[3] Teilhard de Chardin – “O Fenômeno Humano”
[4]Aparecimento ou manifestação reveladora de qualquer divindade. Dic. De Houaiss
[5] Atributo do que é inerente ao mundo concreto e material, à natureza
[6] A capacidade de ultrapassar o real concreto ( imanência)  é a natureza íntima da consciência.
[7]  Segundo Rudolf Otto (1869-1927), teólogo e filósofo alemão, o sentimento único vivido na experiência religiosa, a experiência do sagrado, em que se confundem a fascinação, o terror e o aniquilamento.  Aurélio Sec. XXI.
[8] Raul de Leoni  do poema “De um fantasma”