Na perspectiva de uma
visão monística espiritual da realidade, será válido admitir que as leis que
regem o Universo são as mesmas que regem o pensamento. Aliás, dado que o espírito
é eterno e a matéria efêmera, será melhor inverter a ordem desta sequência: as
leis eternas do pensamento (espírito) regem, por extensão, o Universo, e ganham
com isso uma expressão fenomenológica, pois o Universo reproduz o pensamento de
Deus materializado. Essas Leis são a expressão formal do Espírito cifrado na
natureza. Universo entendido como uma espacialização virtual do Espírito, que
desde o primeiro momento ( o ¨Fiat¨) deu início à contagem regressiva (tempo
cósmico) de volta ao princípio de tudo (espírito eterno - ,absoluto), fonte
permanente da criação, onde tudo começa e termina. Na abordagem racional da
realidade cósmica aplica-se com proveito a lógica matemática e linguística do
pensamento, inerente à ordem do espírito, que tem no simbolismo dos números a
sua representação mais radical, capaz de resumir numa fórmula a realidade do
Universo (E=mc2, fórmula com a qual /Einstein representou o
universo). Visto assim, como uma manifestação do espírito, o cosmo – “estado
temporal de Deus” – revela-O na e pela consciência pessoal.
Através de “complexificações” crescentes, o cosmo,
finalmente, produziu o homem, porta voz do Espírito Eterno, através da fluidez
etérea do pensamento - subjetividade. Irrompe, assim, a consciência, pedra de
toque da existência (prática da consciência responsável) fechando a “gestalt” do
caos original ao “big bang”, da imensa simplicidade da nebulosa inicial à
harmonia unitária do universo ilimitado. Depois de ganhar dimensão, o Espírito
(cifrado no cosmo) se reconhece a si mesmo como dissemos, na e pela consciência
pessoal. Tudo isso, na verdade, encerra um grande mistério que apenas se
entremostra à intuição da completa noção de um mesmo ser em todos os seres
incompletos que fazem a aparência fenomênica do mundo.
E a vida? A
vida e o mundo flutuam como sombras passageiras sobre o fundo misterioso da
única realidade, inexplicada e inexplicável: o Espírito. Sobre este abismo a
consciência se desdobra em pensamentos, ideias, vivências, lembranças,
fragmentos da vida inconsciente, de experiências de prazer, de tristeza, de
medo, de ansiedade, de angústia que perfazem a fenomenologia da subjetividade.
Nesta brecha (a consciência) que se abre na estrutura monolítica do Universo,
fundem-se o eterno e o temporal no bojo do presente (portal da eternidade), na
busca permanente do amor e da sabedoria, à sombra da liberdade. O tique-taque
do tempo histórico marca o compasso desta busca, através de caminhos tortuosos
que se multiplicam em veredas, impondo ao homem fazer opções responsáveis em
cada encruzilhada. Neste plano, a concepção sistêmica do “eu”, referencial da
vida consciente, inclui a valorização de um perfil pessoal que atende à uma demanda
histórica, cultural e social. Para
conservar o perfil idealizado, o ser consciente pode barganhar, mentir,
distanciando-se da sua realidade mais profunda - o próprio Espírito incriado
que é o substrato ontológico de tudo. Inutilmente preocupado com a
instabilidade da sua dimensão temporal, o ser consciente tenta construir defesas
que nunca chegam a tranquilizá-lo inteiramente, apenas aquietam momentaneamente
a sua ansiedade. Condenado a existir (em liberdade), o ser consciente se dá
conta da sua fragilidade e afana-se na construção de uma armadura de segurança.
Todavia, a expectativa de insucesso gera mais ansiedade, angústia, e a
consciência da finitude dá lugar ao pavor da morte e muito sofrimento moral. Se
nos detivermos para analisar o dinamismo desse processo, descobriremos a
natureza fantasmagórica das ameaças imaginadas que só subsistem enquanto são
infladas pela forja do próprio medo. O medo que se tem do insucesso remonta ao
temor do desfiguramento da autoimagem idealizada de competência e autonomia, o
medo da fugacidade da vida. Teme-se dar testemunho de incompetência e de
dependência, teme-se a morte. No rastro desses medos, a fantasia constrói na
imaginação, situações grotescas de desmoralização e de brutal vassalagem à
crítica alheia que, de tão valorizada tem poder arrasador sobre o “eu” faltoso.
Por baixo de tudo isso reina o descrédito das virtualidades pessoais originais do
“eu” que teme e treme diante do desconhecido antecipado pela imaginação. Estas
veredas íngremes desviam a subjetividade da sua caminhada empós o verdadeiro
amor e a sabedoria. É preciso silenciar os conflitos da subjetividade para
escutar a voz de Deus (sabedoria).
A discussão desses
problemas é tão antiga quanto o texto bíblico. Lá já se falava, no estilo
cultural da época, sobre o conflito vivido pelo ser consciente entre o tempo e
a eternidade, no limite da liberdade contingente. Desde a mais remota
antiguidade, sábios, santos e gurus de todos os credos têm discutido a regra de
ouro da existência equilibrada, objetiva e tranquila, liberta de temores e
ansiedades. Todos chegaram à mesma conclusão: “A cada dia basta a sua pena”.
Esta sentença remete à suprema sabedoria
implícita na simplicidade ingênua de uma orientação existencial baseada na
entrega consciente à vontade do Criador. Mas os fantasmas que cruzam,
erráticos, a nossa mente, embaçam as lentes da razão, enfraquecem o equilíbrio
psicofísico, sobrecarregando nossos dias com preocupações inúteis,
desestabilizando a vida interior. Urge destruir, metodicamente, as visões
fantasmagóricas.
Na busca da paz interior parece-me elucidativa e até
apropriada, a analogia que se pode estabelecer entre a dinâmica dos fenômenos
físicos e dos psicodinâmicos. Por exemplo, da mesma forma que cargas elétricas
contrárias se anulam, catexes (energias psíquicas aplicadas) opostas também se
anulam. Daí poder-se esperar, por um mecanismo análogo, a anulação intrínseca e
imediata de sentimentos e emoções contrários postos nos confrontos subjetivos,
seguindo-se a dissipação das vivências desagradáveis decorrentes de eventuais
conflitos. Já registrei na minha própria experiência interior o desaparecimento
instantâneo de medos, ansiedades, angústias, a partir do confronto analítico
dos elementos psíquicos contraditórios implícitos numa situação traumática, no
caso, desencadeante de vivência indesejável. Os estados interiores são construídos
por emoções, sentimentos, e ideias cujas polaridades se ajustam a situações
específicas. De qualquer forma, em cada situação há sempre uma polaridade
discernível dos elementos psíquicos implicados (emoções, sentimentos, Ideias).
Descrevendo a situação, expondo a polaridade das catexes envolvidas, sem
qualquer preocupação de julgar ou condenar, ensejamos a oportunidade do colapso
em que catexes opostas se anulam. Isto tem sido descrito como terapia de
colapso.
No plano psicanalítico o eu se sente tanto mais seguro quanto
mais se visualiza próximo da sua imagem idealizada, e se compraz de ser assim
reconhecido pelos circunstantes. Os desencontros interiores geram voos
libertários da consciência, mas deixados à sua própria sorte podem também
perpetuar equívocos e conflitos. Neste contexto, para dissimular demandas
sensuais interditas, ou o indivíduo consegue integrá-las no quadro dos valores
inerentes à autoimagem idealizada, revisando sua visão de mundo, ou sentir-se-á
culpado. Então, instalam-se conflitos, sentimentos de culpa, pudores dolorosos
que ferem a autoestima e criam turbulências na subjetividade. Uma simples
mudança de perspectiva na mirada interior pode alterar, radicalmente, o
resultado da experiência subjetiva. Por exemplo, sem descer a detalhes
práticos, o abandono da rigidez moralista, em favor do comportamento flexível,
objetivo, honesto, mas tolerante, consciente da contingência humana
necessariamente imperfeita, favoreceria, e muito, uma “gestalt” integrativa,
suavizando conflitos e sentimentos negativos. Para quebrar a rigidez e iniciar
a renovação, basta que o “eu” culpado se pergunte e tente responder: por que
esta submissão a uma autoimagem idealizada? Existem razões significativas para
defendê-la? Quais são elas? Por que atrelar o vir a ser existencial a uma
expectativa de riscos fantasmagóricos temidos como se fossem reais? A mudança
de perspectiva, mensageira da paz, pode ocorrer espontaneamente em função dos
mecanismos de remanejamento automático das energias psíquicas. Mas, haverá uma maneira de induzir esta
alteração de forma consciente e deliberada? Sim, libertando o “eu” sufocado
pela vivência de estar à mercê de uma situação irremediável, permitindo-o
assumir o seu próprio controle, tendo em vista que tudo é provisório, nada é
definitivo. Para isso basta objetivar o núcleo do conflito e assumir a postura
de um observador atento, empenhado em descrever, detalhadamente, todos os
elementos do problema (da situação) sem qualquer preocupação ética de condenar
ou aprovar. Dessa forma o eu “vê” e “delimita” o problema desencadeante da
ansiedade ou medo e, descrevendo-o, em detalhes, vai alinhando as
características (elementos) positivas e negativas da situação problemática. Não
raro a vivência desagradável se desvanece como por encanto. Com este movimento
interior estabelece-se uma distância entre o “eu” e o problema subjetivo, abrindo
espaço para o exercício da crítica objetiva diante da escolha a ser feita. O
“eu” transcende a relação consciência/mundo, e, liberto, reconhecendo a
parceria surreal do seu “self” com o Espírito incriado, pode escolher o caminho
que mais lhe convier. Mas, para manter o equilíbrio interior, é necessário que
o “eu” consciente tenha a humildade para vivenciar sua fragilidade sem desabar.
É preciso ser humilde para aceitar as próprias fraquezas e, ainda assim,
continuar segurando a mão de Deus. Toda vez que falo Deus, tenho-me diante de
uma PRESENÇA que dá suporte à minha própria existência e a do Universo, não de
um simples conceito limite. É oportuno salientar aqui que sem atentar para a
misericórdia infinita de Deus, ter-se-á sempre uma visão antropomórfica do amor
divino. E ao reconhecer um Deus infinitamente misericordioso nós, suas
criaturas, nos sentimos confiantes, numa relação mútua assimétrica na qual o
Criador se faz nosso cúmplice por sua misericórdia. Deus é tão grande que seria
presunçoso querer negociar com Ele um suposto merecimento alcançado mediante
ações virtuosas. Nossas ações são uma extensão dos valores universais que nos
propomos praticar através de opções pessoais marcadas pela Verdade (fidelidade a
Deus e à sua Criação); não devem ser vinculadas à expectativa de ganhos
pessoais. Todavia, tudo de bom podemos esperar da misericórdia divina.
O psicodinamismo da alma humana resume o reencontro do
Espírito consigo mesmo, mediante relações interpessoais entrelaçadas, por um
ato de fé, na unidade divina das três pessoas distintas anunciadas no dogma da
trindade divina. A humanidade se engaja nessa trindade, identificando-se ao
Deus Filho e cultivando o amor entre Pai e filho. A “gestalt” que envolve o
cosmo e a consciência se confunde com um absoluto inominado; não tem expressão
verbal ou numérica, revela-se, porém, na experiência mística do UNO.
Ao final dessas considerações, reconheço o quanto elas foram
importantes para me aproximar de Deus, ao estilo do filho pródigo, confiante,
unicamente, na misericórdia divina. Aconchegado nas dobras desse manto de
misericórdia, permito-me conversar com Deus, expondo-Lhe minhas ansiedades,
meus temores, minhas necessidades, mas reconhecendo, antecipadamente, a minha
condição de criatura, pelo que devo repetir indefinidamente: seja feita a Tua
Vontade.