sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Limite do conhecimento



Num diálogo de Hamlet com Horátio, Shakespeare diz textualmente: “Há  mais coisas no céu e na Terra, do que foram sonhadas na Filosofia.”  
Esta afirmação continua atual, cinco séculos depois. Não obstante o avanço do conhecimento entre os astrofísicos, nada se pode dizer sobre a realidade desconhecível de antes do big-bang. Só a partir desta grande explosão que deu origem ao cosmo surgiu a matéria conhecível. O desconhecível foi confinado inicialmente em explicações míticas, mas a ciência sempre se esforçou para compreender objetivamente o conhecível, ou seja, o que é espacial e temporal. Por sua vez, as  religiões transformaram em crenças místicas o que a ciência não sabe explicar, diferençando o misticismo sustentado pela fé e o conhecimento cientifico suportado pela razão. Desejamos recordar outra abordagem, menos lembrada, que dilui este antagonismo. Refiro-me à especulação sobre a análise da Evolução da matéria desde a sua forma primitiva logo após o big-bang, até o homem. A complexificação crescente demonstrada pela investigação desta evolução leva a ponderações razoáveis sobre o desconhecível.
O que existia ou aconteceu antes do big-bang, obviamente, faz parte de uma realidade atemporal, algo que não se pode provar  e cuja afirmação passa a ser objeto de crença. Todavia a pré-existência dessa realidade misteriosa fundamenta-se num raciocínio elementar. A matéria não poderia criar-se a si mesma do nada, porém começou a existir a partir de uma explosão fantástica já referida linhas atrás, sem que se possa falar objetivamente sobre o que a antecedeu, exceto levantar a suposição razoável de que neste nível a realidade carece de tempo e espaço, portanto, é imaterial. Antes do big bang, o que não é conhecível pela observação direta, não sendo suscetível a uma abordagem objetiva, pode, no entanto ser inferido a partir de especulações sobre o mundo conhecido.
Da mencionada explosão resultaram partículas de matéria e de antimatéria. Se ambos os tipos de partículas fossem numericamente iguais nada sobraria depois que cada partícula de antimatéria anulasse uma de matéria. Portanto a constatação do Universo tal qual o vemos hoje nos obriga a admitir que as partículas de matéria predominaram perfazendo uma massa que mesmo ínfima, possibilitou a existência, hoje, dos milhões de galáxias e bilhões de estrelas em expansão permanente no espaço infinito. Os astrofísicos ainda não sabem explicar o porquê da diferença numérica inicial das referidas partículas. Mas é inegável que tudo que existe hoje resultou dessa desigualdade.
Por outro lado, recordando o caminho da Evolução desde a matéria primitiva até o homem, é evidente que houve uma complexificação crescente da organização da matéria inicialmente caótica. Nos primeiros segundos após o big bang as partículas subatômicas movimentavam-se a uma imensa velocidade. A instabilidade resultante não dava chance à formação de um simples átomo de hidrogênio. Mas da organização subsequente destas mesmas partículas através de bilhões de anos resultaram, por fim, estruturas atômicas, moleculares e organismos biológicos de máxima complexidade compatíveis até com a manifestação de funções psíquicas superiores. Ora, se podemos constatar que houve uma ordem progressiva cada vez mais complexa que culminou no homem com a emergência da consciência, é de supor, necessariamente, uma intenção por trás das transformações no processo evolutivo. Não há organização sem intenção. E se toda intenção encerra sempre um propósito que é inerente à dimensão da consciência, somos logicamente forçados a admitir uma consciência universal cuja natureza imaterial  impede sua objetivação científica. São João, utilizando uma linguagem mística fala desta realidade, no seu evangelho, de forma simples e definitiva: “No princípio era o verbo[1] e o verbo era Deus.”
As especulações pertinentes à análise retrospectiva da evolução da matéria levam o pensador a perceber a necessidade lógica de um absoluto[2] criador. Estas especulações dão respaldo lógico à proposta mística da origem do cosmo e do homem, embora o começo de tudo continue sendo matéria de fé, uma vez que não há como objetivar cientificamente um ser imaterial absoluto, criador. Não obstante, apoiado nestas mesmas especulações o pensador pode aceitar mais confortavelmente a existência deste Absoluto. Nesse contexto está inscrita a ideia de ser a matéria suportada intrinsecamente por uma realidade imaterial assimilável ao que se poderia imaginar como o espírito eterno do qual nada se pode dizer objetivamente. Essa mesma linha de especulações é que levou Aristóteles a propor um primeiro motor imóvel para justificar o movimento de todos os corpos no mundo visível. Se tudo se move na natureza como resultado da ação de um movente preexistente, o  primeiro movimento foi acionado, necessariamente, por um movente não movido - um absoluto - responsável pelo movimento inicial. A limpidez lógica desse raciocínio encerra uma realidade evidente por si mesma que, como tal, dispensa comprovação. Mas, sendo o absoluto um conceito limite esta realidade permanece no plano da pura abstração. Para que ela venha a se transformar em verdade substantiva na vida do homem, deverá ser absorvida pela  subjetividade de cada um, mediante um ato de fé.
Portanto, especulações filosóficas baseadas  na evolução da matéria  marcada pela complexidade crescente levam  o pensador a admitir uma consciência universal inteligente e criativa. Ou seja, um logos[3] que se confunde com o Absoluto criador. Mas só a fé plenamente vivenciada neste absoluto garante a integração do homem na unidade da consciência universal que encerra o cosmo e o próprio homem.
Everaldo Lopes


[1] Verbo- Sabedoria eterna
[2] Absoluto- conceito-limite que satisfaz a tendência totalizante e unificante do pensamento; conceito de um ser, ideal ou material, que se definiria como o princípio constitutivo e explicativo de toda a realidade.

[3]Logos-  princípio cósmico da Verdade e da Beleza.