Num diálogo de Hamlet com Horátio, Shakespeare diz textualmente: “Há mais coisas no céu e na Terra, do que foram
sonhadas na Filosofia.”
Esta afirmação continua atual, cinco séculos depois. Não obstante o
avanço do conhecimento entre os astrofísicos, nada se pode dizer sobre a
realidade desconhecível de antes do big-bang. Só a partir desta grande explosão
que deu origem ao cosmo surgiu a matéria conhecível. O desconhecível foi
confinado inicialmente em explicações míticas, mas a ciência sempre se esforçou
para compreender objetivamente o conhecível, ou seja, o que é espacial e
temporal. Por sua vez, as religiões transformaram
em crenças místicas o que a ciência não sabe explicar, diferençando o misticismo
sustentado pela fé e o conhecimento cientifico suportado pela razão. Desejamos recordar
outra abordagem, menos lembrada, que dilui este antagonismo. Refiro-me à
especulação sobre a análise da Evolução da matéria desde a sua forma primitiva
logo após o big-bang, até o homem. A complexificação crescente demonstrada pela
investigação desta evolução leva a ponderações razoáveis sobre o desconhecível.
O que existia ou aconteceu antes do big-bang, obviamente, faz parte de
uma realidade atemporal, algo que não se pode provar e cuja afirmação passa a ser objeto de crença.
Todavia a pré-existência dessa realidade misteriosa fundamenta-se num
raciocínio elementar. A matéria não poderia criar-se a si mesma do nada, porém
começou a existir a partir de uma explosão fantástica já referida linhas atrás,
sem que se possa falar objetivamente sobre o que a antecedeu, exceto levantar a
suposição razoável de que neste nível a realidade carece de tempo e espaço,
portanto, é imaterial. Antes do big bang, o que não é conhecível pela observação
direta, não sendo suscetível a uma abordagem objetiva, pode, no entanto ser
inferido a partir de especulações sobre o mundo conhecido.
Da mencionada explosão resultaram partículas de matéria e de antimatéria.
Se ambos os tipos de partículas fossem numericamente iguais nada sobraria
depois que cada partícula de antimatéria anulasse uma de matéria. Portanto a constatação
do Universo tal qual o vemos hoje nos obriga a admitir que as partículas de
matéria predominaram perfazendo uma massa que mesmo ínfima, possibilitou a
existência, hoje, dos milhões de galáxias e bilhões de estrelas em expansão
permanente no espaço infinito. Os astrofísicos ainda não sabem explicar o
porquê da diferença numérica inicial das referidas partículas. Mas é inegável
que tudo que existe hoje resultou dessa desigualdade.
Por outro lado, recordando o caminho da Evolução desde a matéria
primitiva até o homem, é evidente que houve uma complexificação crescente da
organização da matéria inicialmente caótica. Nos primeiros segundos após o big
bang as partículas subatômicas movimentavam-se a uma imensa velocidade. A
instabilidade resultante não dava chance à formação de um simples átomo de
hidrogênio. Mas da organização subsequente destas mesmas partículas através de
bilhões de anos resultaram, por fim, estruturas atômicas, moleculares e
organismos biológicos de máxima complexidade compatíveis até com a manifestação
de funções psíquicas superiores. Ora, se podemos constatar que houve uma ordem
progressiva cada vez mais complexa que culminou no homem com a emergência da
consciência, é de supor, necessariamente, uma intenção por trás das
transformações no processo evolutivo. Não há organização sem intenção. E se toda
intenção encerra sempre um propósito que é inerente à dimensão da consciência,
somos logicamente forçados a admitir uma consciência universal cuja natureza
imaterial impede sua objetivação científica. São João, utilizando uma linguagem
mística fala desta realidade, no seu evangelho, de forma simples e definitiva: “No princípio era o verbo[1]
e o verbo era Deus.”
As especulações pertinentes à análise retrospectiva da evolução da
matéria levam o pensador a perceber a necessidade lógica de um absoluto[2]
criador. Estas especulações dão respaldo lógico à proposta mística da origem do
cosmo e do homem, embora o começo de tudo continue sendo matéria de fé, uma vez
que não há como objetivar cientificamente um ser imaterial absoluto, criador. Não
obstante, apoiado nestas mesmas especulações o pensador pode aceitar mais
confortavelmente a existência deste Absoluto. Nesse contexto está inscrita a
ideia de ser a matéria suportada intrinsecamente por uma realidade imaterial
assimilável ao que se poderia imaginar como o espírito eterno do qual nada se
pode dizer objetivamente. Essa mesma linha de especulações é que levou
Aristóteles a propor um primeiro motor imóvel para justificar o movimento de
todos os corpos no mundo visível. Se tudo se move na natureza como resultado da
ação de um movente preexistente, o primeiro
movimento foi acionado, necessariamente, por um movente não movido - um
absoluto - responsável pelo movimento inicial. A limpidez lógica desse
raciocínio encerra uma realidade evidente por si mesma que, como tal, dispensa
comprovação. Mas, sendo o absoluto um conceito limite esta realidade permanece
no plano da pura abstração. Para que ela venha a se transformar em verdade substantiva
na vida do homem, deverá ser absorvida pela
subjetividade de cada um, mediante um ato de fé.
Portanto, especulações filosóficas baseadas na evolução da matéria marcada pela complexidade crescente levam o pensador a admitir uma consciência universal
inteligente e criativa. Ou seja, um logos[3]
que se confunde com o Absoluto criador. Mas só a fé plenamente vivenciada neste
absoluto garante a integração do homem na unidade da consciência universal que
encerra o cosmo e o próprio homem.
Everaldo Lopes