segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma razão para viver...


Viver por viver, ou viver os prazeres que a sensualidade proporciona, sem a participação do sujeito consciente centrado em valores morais é um desperdício das potencialidades humanas. Alguém já disse do homem que a verdadeira coragem de ser é caminhar para a morte, lutando pela vida. Concordo com esta afirmação, mas numa perspectiva de vida apaixonada pela conquista de um ideal que atenda aos anseios legítimos do ser humano, empós de soluções criativas para as contradições da existência[1]. A partir desta visão convenhamos, para que sua vida tenha sentido e valha a pena é essencial que o homem alimente a esperança da construção de uma existência coerente em relação ao ideal comunitário universal.  Todavia, ao eleger a “paixão” de suas vidas muitas pessoas se perdem em projetos equivocados. Deparamos um cenário no mínimo curioso ao olhar retrospectivamente os antecedentes pessoais dos que sentem a proximidade do fim, e buscam socorro nas emergências médicas. Com a esperança de vencer a parca impiedosa, os intensivistas prestam socorro médico valiosíssimo aos enfermos ameaçados de morte iminente. A ideia predominante destes enfermos é viver, viver mais. O desejo de viver não desanima sequer diante da impossibilidade de vencer a morte, finalmente, inevitável. Arrisca-se tudo para retardar a “partida”. Não há nada condenável no desejo de prolongar a vida, ao contrário é normal e desejável que assim seja. Todavia chama atenção a imprevidência reinante, pois excluídas as emergências decorrentes estritamente da violência urbana e das más condições sanitárias ambientais, a história pregressa dos pacientes graves que enchem as UTIs revela que eles são vítimas dos próprios excessos. As doenças (dis)metabólicas e degenerativas longamente precedidas por maus hábitos alimentares, sedentarismo e distúrbios psicossomáticos crônicos são as que matam mais. As vítimas desses males desgastaram-se por longo tempo com alimentação desregrada, pouca ou nenhuma atividade física, bebidas alcoólicas, drogas ansiolíticas, antidepressivas e até euforizantes. Estressaram-se na busca de alvos levianos, meteram-se em aventuras ousadas desafiando riscos quase suicidas. E agora padecem as consequências dos seus desmandos. Sob ameaça de morte, apavorados, buscam adiar o desfecho a todo custo. Continuam sedentos de mais vida. Porém, comumente, salvos do risco imediato voltam para suas rotinas morbígenas, sem jamais alcançarem a almejada felicidade fátua projetada no prazer sensível, no fascínio do poder e na “adrenalina” de uma aventura emocionante, mas inconsequente. Muitos desses pacientes não saberão o que fazer das suas vidas depois da alta hospitalar, senão dar seguimento à rotina de uma existência pautada pelos padrões culturais vigentes sem qualquer originalidade. Todos aspiram a viver mais, embora ignorem como dar vida aos anos conquistados.
Certamente, ganhar a plenitude a que aspiramos é obra nossa... Portanto, é oportuno o conselho do Poeta, “Interpreta a existência com a medida / do teu Ser! (a verdade é uma obra tua!) / porque em cada alma o Mundo se insinua, / como uma nova Ilusão desconhecida.”[2] Obviamente, para pôr em prática este sábio conselho é preciso acreditar num ideal de plenitude vinculado à atualização da proposta existencial de um vir a ser autêntico, liberto da tirania dos condicionamentos culturais. É preciso confiar na força criativa subjacente à existência, que permite ao homem ousar o improvável e tentar, sempre, a realização de uma existência significativa. Dada a sua fragilidade contingente, para superar os obstáculos existenciais o homem precisa exercitar a coragem que arrisca tudo a fim de forjar no agora um comportamento que não amesquinhe sua existência.
Exercitar o equilíbrio existencial nas relações humanas e na interação com o mundo custa muita disciplina, paciência, e persistência quase missionária. Este é o preço pago para injetar mais vida nos dias em que vamos.
 Pode parecer até estranho insistir em viver mais, quando falta entusiasmo por um ideal, e a angústia, a ansiedade, o medo dispersam as potencialidades infinitas do ser humano. Porém é trágico malversar estas potencialidades em busca do prazer sensual que se esgota em si mesmo, do poder fugaz, e de uma segurança ilusória. A cura da angústia humana, dor muda que fustiga as entranhas da existência se encontra na sublimação da libido em realizações criativas, amoráveis e solidárias. Esta elaboração consiste no projeto heroico do ser consciente voltado para o equacionamento das antinomias existenciais perturbadoras, que se prolonga na organização solidária da sociedade.
Contra a opressão depressiva é necessário opor o “sustento íntimo” que ampara o homem nas suas fraquezas, com a força da esperança. Na perspectiva humanística evolutiva, esta força interior é fundamental para alimentar o “sonho” de construir uma comunidade solidária, onde os problemas existenciais partilhados se resolveriam já, aqui mesmo na Terra, numa epopeia de paz e serenidade. São muitos os obstáculos à prática da solidariedade, mas esta é a única saída para a espécie (Homo Sapiens sapiens)!... Pode-se imaginar que num clima coletivo solidário, as virtualidades humanas se expandirão sem atrito, e florescerão, ensejando a atualização de projetos existenciais plenos de sentido. Só assim acrescenta-se valor à vida, e prolongá-la será uma verdadeira conquista.
Everaldo Lopes


[1] Aspiração à vida x a certeza da morte; desejo de poder ilimitado  x a impotência de criatura finita; ambição de conhecer tudo x as limitações inerentes ao saber humano.
[2] Raul de Leoni no soneto “ Egocentrismo”