“ A vida nada mais
é do que uma
sombra que passa
; um pobre comediante que se pavoneia e
se agita no breve instante que lhe
reserva a
cena e , depois , nada
mais se ouve dele
. É uma
história contada por um
idiota , cheia de fúria
e tumulto , nada significando.”
William
Shakespeare
A fala de “Macbeth” na cena V
do ato V da tragédia que leva seu nome está impregnada de um pessimismo
perturbador. A repercussão dessa peça teatral no mundo inteiro durante os quase quatro séculos que se seguiram à sua
publicação dá testemunho de que o texto escrito por Shakespeare mexe com a
psique humana. Ao reconhecer o brilho estético da obra do grande
dramaturgo Inglês, cremos oportunas algumas considerações paralelas que
destacam um olhar positivo sobre a vida.
O otimismo e o pessimismo são modos
de encarar a realidade que interferem na conduta das pessoas. Ninguém pode
negar que o otimismo e o pessimismo exagerados podem levar, respectivamente, à
negligência leviana e à inação depressiva. Por isso é oportuna a intervenção da
crítica na orientação prática da conduta pessoal tanto dos que se inclinam ao
otimismo, como dos que são mais propensos ao pessimismo. Esta intervenção dá
lugar ao que poderíamos chamar de otimismo e pessimismo críticos, pois, não
obstante a disposição de espírito subjacente em cada caso, o sujeito consciente
pode sempre fazer uso da liberdade pessoal para escolher um comportamento
diferente. No processo evolutivo do qual participamos cabe ao homem refletir livre e responsavelmente antes de fazer suas
escolhas.
Distinto dos demais seres vivos, o homem é
reflexivamente consciente da própria finitude e capaz de avaliar tanto o acerto
como o desacerto do seu comportamento. A consciência reflexiva e o livre
arbítrio, aptidões inéditas no universo pré-humano permitem ao homem escolher e
deliberar sobre o próprio comportamento. Essa capacidade torna possível a dimensão ética inerente à
condição humana. Independente de sua
inclinação otimista ou pessimista, o homem ético está sempre predisposto a
escolher dentre as várias alternativas comportamentais que se apresentam cada
momento, uma que satisfaça os valores assumidos.
Senhor do seu vir a ser o homem pode mudar
o rumo dos acontecimentos e cumpre fazê-lo em favor da própria Evolução. No
desempenho desse papel contextualiza-se com autenticidade num projeto que o
transcende, empenhando na realização dessa escolha seus dons superiores
racionais, afetivos e volitivos. Neste projeto, o referencial histórico que dá
sentido ao devir peculiar do homem e que o dignifica é a disposição de
construir a comunidade de todos os homens. Solidária, centrada na verdade e na
justiça, a organização comunitária é indispensável à sobrevivência da espécie Homo
Sapiens sapiens. Agindo dessa forma o homem escapa da “idiotia” e colabora para
dar seguimento à Evolução, dignificando o vir a ser pelo qual se torna
responsável. Nesse ritual de dedicação aos valores humanísticos éticos, o fator
decisivo do sucesso é a vivência genuína de solidariedade que cada um,
idealmente, é capaz de experimentar na convivência social. A fidelidade a esse
vínculo recíproco de pessoas dignifica o
modo de ser pessoal de cada um. Fora desse contexto a vida efêmera do homem
realmente “nada mais é do
que uma sombra que passa ”. Esquivando-se de sua missão no processo
evolutivo o homem parecerá sem dúvida “um
pobre comediante que se pavoneia e se agita no
breve instante
que lhe reserva a cena
e , depois , nada mais se
ouve dele.”
Com prazo marcado para realizar sua missão temporal, o homem precisa
estar atento às oportunidades de realização dos projetos construtivos que se
lhe oferecem. Ao priorizá-los, sem perder o foco comunitário cada um poderá desfrutar
coerentemente o prazer dos sentidos e as alegrias espirituais, ancorado no
exercício do autoconhecimento e da disciplina emocional.
A inquietação perdura, a consciência da finitude e as incertezas
inerentes continuam estimulando o desejo humano, impossível, de eternidade e de
segurança total. Para os que têm fé, a superação desse desassossego é reforçada
pela expectativa de integração transtemporal num absoluto unitário (Deus) no
qual se desfazem todas as contradições. Essa
esperança se alimenta da confiança num clímax representado pela integração pessoal
num todo significativo absoluto que, do ponto de vista estritamente racional é
tão impossível provar, como negar. Todavia, o cientificismo ao qual estamos
condicionados dispõe que “os métodos científicos podem e devem ser estendidos a
todos os domínios do conhecimento”. Ora, isso implica na dificuldade racional de
justificar a existência do cosmo e da vida. A matéria, por ser contingente, não
se autoproduziu nem apareceu por geração espontânea. Tudo que existe no tempo e
no espaço é finito e teve um começo, vem de algo anterior, tem uma causa; portanto
retrocedendo no tempo até um primeiro momento impõe-se concluir que um absoluto criador[1]
precedeu o universo conhecido ou lhe é concomitante. Esse é o argumento milenar
da necessidade de uma primeira causa não causada, o motor imóvel proposto por
Aristóteles, que não pode ser objetivado num experimento cientifico.
Provisoriamente confirmada em 14 de março
de 2013, o Boson de Higgs partícula
elementar que, teoricamente,
surgiu logo após o Big Bang validaria o modelo padrão atual de partículas, e representaria
a chave para explicar a constituição da massa das outras partículas elementares.
Por isso, foi cognominada impropriamente a partícula de Deus. Denominação
inadequada porque esta partícula não pode prescindir de um Absoluto criador,
uma vez que sendo uma contingência por si só ela não existiria. Resta-nos, então,
a proposta intuitiva do Poeta[2] que na sua obra “A velhice do Padre Eterno” nos diz: “Um
dia, a humanidade inteira, numa só aspiração reunida há de fazer da razão e da
fé os dois olhos da alma; da verdade e da crença os dois polos do mundo”!
Mas permanecendo no terreno da razão, apoiados em especulações metafísicas, concebemos
ser racionalmente defensável o objeto de fé que completa as lacunas do conhecimento
objetivo da realidade.
Especulativamente ganha corpo a ideia de uma consciência universal que
antecede e determina a ordem evolutiva desde a matéria primitiva até a
organização comunitária da coletividade humana. Mas esta organização histórica,
temporal, só se consumaria, à perfeição, prolongando-se na comunidade
transtemporal de todas as consciências numa unidade absoluta. Um absoluto cuja
transcendentalidade só pode ser vivida, como crença, mediante um ato de fé. Todavia, com ou sem fé a vida humana só ganha
significado quando preenche seu papel na Evolução Universal, promovendo a
organização social comunitária da humanidade. Seguindo este roteiro
comportamental, a vida do homem já não seria “...uma
história contada por um idiota, cheia de fúria
e tumulto, nada significando” . O comportamento
individual dignificado pela prática da solidariedade comunitária torna a vida
humana uma consagração pessoal aos ideais de Verdade, de Beleza e Justiça que
transcendem a contingência temporal, promovendo a plenitude da existência.
Everaldo Lopes