Os
filósofos nos legaram lições de sabedoria. Todas elas objetivam elaborar uma “visão
de mundo”[1]
para contextualizar a existência[2],
ensejando a plena realização das potencialidade
humanas. O exemplo de Epicuro (342aC - 271aC) é emblemático. Ele filosofava
exercitando-se para aumentar a autoestima em busca da felicidade serena,
transformando em alegria o medo profundo diante de um devir incerto. Desde
então, o pensamento evoluiu através de Escolas Filosóficas que buscaram
entender a realidade cósmica e como nela se contextualiza o fenômeno humano. A
partir de uma intuição fundamental, cada Pensador tem contribuído para o
patrimônio cultural da Humanidade com mundividências diferentes.
Platão (470a.C-399a.C) defendeu o primado das
essências. Acreditava na existência das formas puras (essências), abstratas,
das quais os objetos materiais são cópias imperfeitas. Para ele conhecer a
essência das coisas é o propósito mais belo do homem, embora as essências sejam
inalcançáveis. Todavia o pensador pode delas se aproximar pelo conhecimento sem
nunca alcança-las. No exercício da consciência responsável, a essência da
felicidade estaria vinculada à realização intelectual e afetiva do ser
consciente, à luz de critérios éticos. Orientação específica do modo de ser
próprio do homem.
Aristóteles (384a.C-322aC) inventou a lógica, instrumento
intelectual indispensável para a orientação da resposta coerente ao problema existencial
cuja compreensão está sujeita a erros do pensamento crítico. É muito nítida a
relação entre a atitude intelectual diante da realidade e as ações empreendidas
pelos seres conscientes. Daí a importância da Lógica no desenvolvimento da
existência de cada um. Nesta perspectiva a especulação metafísica realiza o
coroamento do pensamento filosófico, construindo uma mundividência logicamente coerente
e significativa na qual se contextualiza a “existência”[3].
Montaigne (1533-1692) filosofava auscultando os
próprios pensamentos. Entendia a Filosofia como uma forma de cultura[4],
e não uma ginástica intelectual acadêmica que tenta encher os vazios da vida
com pensamentos abstratos. Para ele, filosofar é a arte de viver corretamente.
Montaigne queria fazer um auto retrato do seu pensamento para evidenciar os
meandros existenciais, entende-los e corrigi-los quando necessário. Seus
Ensaios demonstram que qualquer movimento do espírito, e toda e qualquer
mudança física pode ganhar cor na tela da consciência. Os sentimentos encarados
sem censura, mas com respeito e inteligência são os grandes companheiros do
homem sincero, autêntico, capaz de enfrentar a solidão. Como ele mesmo dizia:
“Acho que não posso proporcionar nada melhor ao meu espírito do que permitir
que ele dialogue consigo mesmo de modo centrado, em plena tranquilidade”...
desta forma encontrará a coerência e a paz existencial.
Séculos depois John Locke (1632-1704), representante
maior do Empirismo[5]
distinguia conceitualmente informação e reflexão. Entendendo que a informação é
adquirida pelos sentidos, e que a reflexão é o tratamento especulativo da
informação colhida pela introspecção, através de processos mentais como pensar,
acreditar, imaginar, querer. A informação adquirida através dos sentidos poderá
ser comprovada na prática, levando a conclusões objetivas. Mas a reflexão é da
ordem do subjetivo e não pode ser comprovada objetivamente. Estas incursões
filosóficas estabeleceram a distinção entre o conhecimento teórico e o prático,
conferindo ênfase especial ao pensamento objetivo, empírico, experimental.
Os Racionalistas vieram depois, liderados por Imannuel
Kant (1724-1804). Para estes a razão, e não a experiência é o giz que escreve nas
páginas em branco do cérebro. A reflexão ganhou força pondo o indivíduo no
centro do processo social e político; diferentemente do teocentrismo dos
primeiros séculos da idade Média. Com esta orientação ocorreu uma exaltação da
razão pura. A razão prática ficou encrustada na razão crítica, na medida em que
esta define princípios gerais que delimitam o comportamento humano conferindo
coerência à prática existencial.
Realçando a afetividade, como uma reação ao
racionalismo, quase ao mesmo tempo, Rousseau (1712-1770) e Hegel (1770-1831) inauguraram
o Romantismo. Esta visão alimentou o nacionalismo que consolidou os Estados
europeus. Neste mesmo contexto histórico, Jeremy Bentham (1748-1832) pregava
que o objetivo do homem é promover “a maior felicidade para o maior número de
pessoas”. Este Pensador inaugurou a Filosofia Utilitarista segundo a qual o
conhecimento (pensamentos) e as ações humanas (práticas) valeriam pelo quanto
pudessem melhorar a qualidade de vida da maioria das pessoas.
Na sequência, Arthur Schopenhauer (1788-1860),
denuncia o otimismo das pessoas. Dizia ele: “Este otimismo é um escárnio ante o
indescritível sofrimento da humanidade”. Assim como a criança teme a escuridão,
“estamos sempre tentando dissipar a obscura perspectiva do nada” que ameaça a
existência de instante para instante. Como? Apostando em formas de pensar que
não passam de invenção articulada, aleatória, com alguma probabilidade de
acerto. Situação que é ao mesmo tempo patética e ridícula para pessoas que se
querem sérias. Mas que, assumida e realizada com entusiasmo o que seria
“invenção articulada” passa a ser a verdade de cada um.
Posteriormente, William James (1842-1910) e John Dewey
(1859-1952) propuseram o Pragmatismo, a única Escola Filosófica moderna exclusivamente americana como uma reação à
presunção do Racionalismo e à ingenuidade do Romantismo. O pensamento
pragmático assim se resume: “a verdade de uma teoria, a justeza de uma ação, e o
valor de uma atividade são demonstrados pelo proveito imediato”. Orientação que
abriu espaço para o desenvolvimento do Capitalismo.
No século XIX a descoberta das consequências da
teoria da Relatividade, as formulações do princípio de indeterminação de
Heisemberg e da Teoria Quântica coincidiram com a derrocada do iluminismo[6].
Ficou demonstrado que não há verdade absoluta, tudo muda em relação a tudo,
dependendo da posição do observador. Essa perspectiva contrasta com a
expectativa de que as Ciências pudessem resolver todos os problemas humanos. Os
Existencialistas surgiram então nesta lacuna cultural. Rejeitaram o “Essencialismo”
platônico; admitiram não existir nenhuma essência inicial, somente o ser
fenomênico, pelo menos em relação ao homem. E no rastro deste posicionamento
veio o questionamento inevitável. Se não há nenhuma essência somos todos ocos.
Bradou, então, Nietzsche (1844-1900): “Deus está morto e nós o matamos.” O
Universo é imprevisível e indiferente (que desespero!). Por que então levantar
amanhã? Esse desespero foi pavor para Kierkegaard (1813-1855) Teólogo
Dinamarquês, náusea para Sartre (1905-1980), absurdo para Cumus (1913-1960). Fundamentalmente,
o existencialismo estava empenhado na busca de uma moral para fazer a coisa
certa sem Deus. Fazer a coisa certa pelo próprio Bem e não por medo de punição
ou por vantagens (ganho secundário). Isto demonstra que o existencialismo conta com um núcleo de
esperança e bondade encoberto na retórica depressiva. Os existencialistas
descobriram de fato a moralidade na dignidade de ser consciente e livre.
Kierkegaard acentuou a dificuldade de encarar a existência pura, sem essência,
sem significado, sem propósito. O Teólogo
transcendeu este impasse consolidando o conceito do nível “ético religioso” da existência.
E assim, nesta mesma linha existencialista, ao
longo do tempo, o fenômeno humano (existencial) foi examinado e associado a diferentes
maneiras de pensar. Há existencialistas materialistas e os há espiritualistas
convictos vinculados a uma orientação religiosa. Kierkegaard é considerado por
muitos como existencialista cristão e Gabriel Marcel (1889-1973) como o
representante católico desta corrente do pensamento.
Martim Buber (1878-1965) demonstrando que
o “eu” se constitui existencialmente no confronto com um “tu”, descobriu o
homem na sua relação identitária com o outro. Dessa forma, a busca assumida de
alguém com quem se possa partilhar a experiência de existir assume importância
renovada. A concepção buberiana da relação “eu-tu” pode ser considerada como a
base psicossocial da solidariedade.
Bérgson (1859-1941) ao pregar a
originalidade do homem argumentou: “Que tipo de mundo existiria se a
mecanização dos espíritos, imbuídos de uma tecnologia absorvente, avassalasse a
raça humana levando os povos e as pessoas à uniformidade das coisas?” Este
questionamento sugere que as diferenças estão inscritas no conceito amplo de
Humanidade e devem ser superadas pelo efetivo exercício da consciência livre e
responsável.
Como sempre os Filósofos nos põem diante de
verdades que eles experimentaram ao longo de profundas meditações, mas
discordam em muitos pontos. Com essa autoridade Pitágoras nos afirma: Nenhum homem é livre se não puder comandar a
si mesmo. Para Hobbes, sem um poder que todos reverenciem, os homens
guerreiam, inevitavelmente. O que
contraria os que confiamos na possibilidade de evolução deste estado de beligerância
para uma convivência comunitária através da prática solidária, encampada
espontaneamente pelo próprio homem.
O Aconselhamento
Filosófico (A.F.) vale-se das lições de sabedoria que os Filósofos deixaram,
para ajudar o homem na difícil tarefa de “existir” enfrentando problemas novos
a serem absorvidos pelo vir a ser existencial. Desta forma o Aconselhamento Filosófico
ampliou o significado da Filosofia Prática já utilizada pela Ética Aplicada. E
está ajudando as pessoas a levarem uma vida examinada como preconizava Sócrates,
fazendo uma ponte entre milênios de sabedoria e a necessidade de enfrentar os
desafios atuais.
A verdade é que há intransigente
necessidade humana de contato social. O próprio Nietzsche, enfatizando o
caráter social do homem disse que para
viver só, ou se é um animal ou um Deus! Neste contexto, apresenta-se o vazio já
denunciado por Schoupenhauer quando anunciou que o dinamismo da existência está
montado em cima de uma “falta”. A assimetria no vir a ser existencial é que
gera o dinamismo de atualização da condição humana e o preenchimento desta
falta ou vazio representa um valor ancorado na razão ou na fé. Valor que
confere significado aos comportamentos pessoais. Para Sartre o homem é aquilo
que faz de si mesmo. Eu acrescentaria: a partir da facticidade e contando com o
imponderável - elemento que supõe algo ultra fenomênico- essencial, para
arrimar o desenvolvimento da existência. Acho que não se pode ignorar a
possibilidade de um princípio metafísico inerente à existência para que o ser
consciente possa construir sua própria essência. Mas só o outro preenche o
vazio, a falta original. E isto aponta a capacidade humana de transcender-se,
denunciando o Princípio metafísico já mencionado[7].
(Continua
no próximo texto)
Everaldo
Lopes
[1]
Compreensão geral
do Universo e da posição nele ocupada pelo homem, que se expressa por um conjunto mais ou menos
integrado de representações e que deve determinar, em última instância, a
vontade e os atos do seu portador.(Aurélio)
[2]No
pensamento de Kierkegaard (1813-1855) e no existencialismo
contemporâneo, modo de ser próprio do homem. (Dic.Houaiss)
[3]
Modo de ser próprio do homem.
[4]
Categoria dialética de análise do processo pelo qual o homem, por meio de sua
atividade concreta (espiritual e material ), ao mesmo tempo que modifica a
Natureza, cria a si mesmo como sujeito social da História.
[5]
Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais) formadoras das ideias,
discordando, portanto, da noção de ideias inatas.(Wikipédia)
ciência e da racionalidade crítica no
questionamento filosófico, o que implica
recusa a todas as formas de
dogmatismo, especialmente o das doutrinas
políticas e religiosas tradicionais.
[7]
Vide o texto Existência, esperança e fé, neste blog.