Do
12º andar no edifício residencial onde moro olho o entorno. Lá
em baixo
a cidade se espalha exibindo o contraste
entre as casas antigas com telhados
marcados pelo tempo, e os arranha-céus
que se elevam salpicando o desenho das ruas com as marcas da modernidade. Na via pública movimentada ,
destaca-se o colorido dos veículos que
cruzam céleres em todas as direções . Vagueando o olhar sobre a paisagem familiar
meu espírito
flutua sem propósito definido; enquanto no fundo da mente inquisitiva carente
de certezas oculta-se o desejo de mergulhar no mistério do mundo e dos homens. Ao
pôr do Sol as janelas das casas e dos edifícios multiplicam-se em pontos de luz. Ponho-me a pensar... Lá dentro, milhares
de seres como
eu sentem a vida
fluindo através das suas existências singulares... Para
onde? Cada um
tem um perfil
próprio, mas os objetos de suas preocupações são os mesmos: a sobrevivência , o sexo ,
o poder , a necessidade
de comunicação, tudo isso associado ao anseio de dar sentido à “existência”
pessoal e ser feliz. Para a maioria das pessoas esse anelo está embutido e se
cumpre numa rotina cultural monótona repetitiva, mas para muitas outras está
inserido e se resolve numa missão plena de entusiasmo e envolvimento criativo.
Cada uma demonstra humor peculiar de acordo com a tendência individual para a alegria,
a esperança, a tristeza, ou o pessimismo. Assim vamos todos caminhando em busca
da realização pessoal.
Existir
por existir é
um destino pobre demais para o esforço da Evolução que em bilhões de anos
perseguiu a organização complexa da matéria primitiva, e a partir do caos
original desembocou na vida, tornando possível afinal a manifestação da consciência
reflexiva e do livre arbítrio. A ordem que permeia o movimento evolucionário
sugere que nesse processo se contém um
propósito transcendental que vai muito além do devir aleatório. Não foi à toa que a
consciência reflexiva e a liberdade desabrocharam na condição humana. A
Evolução atingira a máxima complexidade biológica do indivíduo e teria agora
que voltar-se para a perfeição da convivência social entre os homens. Tarefa
que caberia a estes realizar contribuindo para a própria Evolução. Entre os
animais que povoam a Terra há outras espécies sociais cuja organização depende
de um determinismo instintivo. Mas entre os homens esta organização teria de ser conquistada de forma livre e
criativa mediante a prática de um esquema político e econômico capaz de dar
sustentabilidade à vida social, salvaguardando a liberdade dos indivíduos. A organização
da coletividade humana composta de seres racionais, livres, autocentrados,
emocionais e voluntariosos implica necessariamente numa interação dialogal. A integração
social resultante se fará portanto não mais em função de comportamentos
instintivos, porém através de escolhas inerentes a decisões livres e responsáveis.
Isso envolve toda uma elaboração comportamental
calcada em valores éticos, indispensável à preservação da espécie. A humanidade
não terá futuro em longo prazo sem a livre determinação de todos os homens de
cooperar e partilhar entre si as riquezas naturais e as resultantes do trabalho
coletivo. Nesse sentido cada homem terá de vencer o próprio egoísmo para
alcançar o destino grandioso representado pela participação
na comunidade humana alicerçada nas relações solidárias autênticas com seus
semelhantes. Esse projeto aparentemente utópico está implícito na ordem surpreendente do processo evolutivo desde a matéria primitiva
caótica até a vida consciente, que sugere uma intenção misteriosa transcendental
presente na realidade temporal. Na experiência mística[1] que
se apoia na fé incondicional o homem assume existencialmente o reconhecimento desta
presença. De qualquer forma reconhecendo-a ou não terá que subjugar o egoísmo ao poder
criativo do amor para garantir a harmonia comunitária. Todavia, a fé e o amor são dons que não se
deixam manipular mediante uma pedagogia convencional. Quando estas virtudes não
se manifestam espontaneamente, praticá-las exige uma ascese espiritual prolongada
e difícil. Fundamentalmente, o exercício prático que leva à efetiva realização da virtude moral implica
o esforço pessoal no sentido da libertação do atavismo animal cujo ranço
impregna de egoísmo o comportamento humano. É preciso sair do casulo do egoísmo
para poder realizar integralmente o ideal humanístico. Com essa visão da condição humana contemplo minha realidade
psicossocial e a dos coirmãos, todos nós
desafiados a cumprir importante missão na Evolução. E descortino os equívocos da
família humana caracterizados pelo imediatismo absorvente. Fascinados pela
posse de bens materiais e domínio do poder político os homens se iludem, deixando-se
envolver numa aura de esperteza ingênua.
Não
contamos com certezas absolutas!!! Todos
os homens acabam defrontando o mistério da consciência e do mundo. A razão por
si só não nos dá as respostas de que carecemos. Para alcança-las de alguma forma precisamos
ser susceptíveis a um movimento interior que envolve e ultrapassa a razão, o
sentimento, a vontade e encontra sua maior expressão na experiência mística. Nesta
experiência o homem vivencia a unidade do
Dinamismo absoluto eternamente criativo (Deus), e tem acesso a toda verdade, beleza , paz e felicidade
a que pode aspirar. Os que realizaram
plenamente essa vivência[2] alcançaram
o alvo supremo
da Evolução, que o Poeta declama na originalidade dos seus versos lembrando aos
homens “Que o sentido da vida e o seu
arcano / É a imensa aspiração de ser divino, / No supremo prazer de ser humano”. [3]
Everaldo
Lopes