terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Desafios da Terceira Idade


O ideal seria a aceitação tranquila das marcas que o tempo vai deixando no corpo com o passar dos anos. Todavia, embora muitos o neguem, é universal a rejeição psicológica primária destes sinais impressos no perfil estético e funcional do idoso. Sem drama, são raros os exemplos de indivíduos que absorvem sem relutância seu envelhecimento... estes teriam vencido, realmente, os desafios da terceira idade. É forçoso admitir que a maioria apenas convive com a idade avançada sem maldizer a própria sorte, esforçando-se para tirar proveito das conquistas alcançadas. O que já é uma resposta realista, madura, às vicissitudes que acompanham a marcha do tempo. Na verdade, o sentimento de perdas sucessivas que afetam a auto imagem é uma carga muito pesada e o dano resultante nunca é aceito sem alguma resistência. Será necessário algum domínio sobre os conflitos inerentes ao envelhecer, para fruir a alegria possível da vida em declínio. E certamente isto depende de muita criatividade e disciplina. Dessa forma, as respostas aos desafios da terceira idade são moduladas pela sensibilidade estética, pelo nível cultural, pelo QI e pelo equilíbrio emocional do idoso. Não há fórmulas feitas. Cada um terá que descobrir o seu caminho.
As probabilidades alternativas de convivência do idoso estão diretamente vinculadas a dois fatores determinantes do comportamento pessoal. O primeiro é inerente ao próprio idoso exposto à vida em grupo. Paralelamente às restrições psicofisiológicas que acompanham o envelhecimento, o idoso que conserva a capacidade crítica pode ver a si mesmo, ora através de um rigor auto depreciativo que o aflige; ora através de uma avaliação ingênua favorável a ele mesmo, mas em descompasso com a sua realidade; equívoco que quando percebido o faz sentir-se ridículo. Enfim, em geral, e particularmente na terceira idade, o modo como o indivíduo se vê influi decisivamente, no seu comportamento.  O segundo fator está ligado ao comportamento dos circunstantes com os quais o idoso se relaciona. No entardecer da vida as pessoas ficam expostas a um tratamento discriminado como alguém que merece cuidados especiais, o que afeta o brio dos que sentem dificuldade em aceitar as limitações da idade. Assim, as respostas suscitadas no idoso em suas relações sociais também são moldadas pelo juízo que os outros fazem dele.
Habitualmente, o passar dos anos torna as pessoas cada vez menos flexíveis na sua conduta, definindo-se, paulatinamente, os campos humanos sociais específicos que contextualizam grupos etários diferentes. Isto é perfeitamente natural e compreensível. Mesmo assim, moços e idosos custam a aprender a discrição e a disciplina necessárias para não invadir os espaços culturalmente definidos de uns e de outros, ensejando, então, o conflito entre as gerações. A não invasão recíproca dos redutos culturais do jovem e do idoso evita disputas infrutíferas. Todavia, muitas vezes o conflito bem administrado é necessário e pedagogicamente útil, ao criar condições de crescimento para as partes envolvidas.
Algumas situações são emblemáticas no curso do envelhecimento. Entre elas a aposentadoria.  Sendo esta um marco divisório entre a vida ativa e a inatividade profissional, é um galardão que tem o caráter de recompensa e não reflete uma mudança promocional de status. A aposentadoria nada acrescenta ao brio do aposentado, todavia é festejada por muitos jubilados na meia idade como o momento de libertação de obrigações rotineiras e uma oportunidade de melhorar a renda com nova atividade lucrativa. Uma chance, também, de fazer mudanças compatíveis com os próprios recursos materiais e espirituais. Quem começa a trabalhar cedo adquire o direito à aposentadoria muito antes de atingir a idade em que a lei a determina compulsoriamente. Nestes casos, um bom critério para dirimir dúvidas quanto ao momento de aposentar-se é a consciência de estar-se questionando sobre a ocasião oportuna de jubilar-se, pelo menos da rotina praticada até então. Quando isso acontece é que chegou a hora.  Considerando que as conquistas médicas e sanitárias ampliaram, e muito, a vida média do homem, abre-se uma estrada longa a percorrer pelo aposentado. Então, o corte ab-rupto da lide profissional, o ócio inerente, e a marginalização decorrente da participação decrescente nas atividades coletivas, tudo será motivo de luto para o aposentado que não for capaz de redirecionar sua rotina de vida.
A terceira idade é realmente uma fase de grandes mudanças e adaptações difíceis. Contraditória e até perturbadora é a sobrevivência da libido sexual não obstante os sinais evidentes do desfiguramento estético e as disfunções comuns nesta faixa etária.  Na “terceira idade” tardia é sempre dolorosa a consciência crítica do/a idoso/a de que perdeu a capacidade de seduzir com a própria imagem, e de preencher plenamente todos os requisitos de virilidade ou feminilidade, em cada caso. Esta experiência subjetiva é uma barreira contra a manifestação do desejo que a libido eventualmente acende no idoso/a. O pudor de tornar-se ridículo é o fator de interdição mais eficaz para a manifestação ostensiva da libido “extemporânea”. Obviamente há procedimentos psíquicos compensatórios, mas, salvo nos casos de sublimação mística, nenhum deles devolve plenamente a autoestima vivenciada até então. É preciso reconstruí-la sobre os valores pessoais que sobrevivem ao desgaste imposto pelo tempo.
Estas declarações feitas sem vexame denotam apenas que se envelhecer é o desejo de quem não quer morrer jovem, quando os anos passam descobre-se que é muito alto o preço a ser pago por haver tido satisfeito este desejo. Mas, não há outro jeito, a vitória sobre a morte, alcançada com júbilo nos anos da juventude implica necessariamente em envelhecer...  
Uma vez que o homem perdeu os vínculos profundos com a Natureza, a solução dos conflitos existenciais deverá ser elaborada culturalmente, inclusive os inerentes à terceira idade. Com empenho e criatividade ainda é possível preencher significativamente a existência no ocaso da vida, respaldando a autoestima e a dignidade nos valores que caracterizam a condição humana,  através do pleno exercício da consciência responsável.
Everaldo Lopes