sábado, 8 de janeiro de 2011

Conjuntura político social

Diante do momento político ultrajante que vivemos, experimento um sentimento de “impotência”... uma   perspectiva de “inutilidade” que induziria ao niilismo, não fora a determinação responsável de persistir na luta pelos ideais democráticos. E neste sentido se impõe a grande questão: “Que fazer para sanear as Instituições e promover o desenvolvimento humano neste Brasil de tantas possibilidades?” Esta pergunta que os brasileiros esclarecidos se fazem é ignorada pelos que detêm o poder. É notório que os falsos políticos não estão interessados em resgatar da desinformação e da miséria uma grande maioria dos brasileiros. Esta condição facilita as manobras eleitoreiras. Por outro lado, o cidadão consciente dos seus deveres cívicos, resolvido a não deixar-se abater, sente-se marginalizado num país em que as eleições são decididas por maioria desinformada... revolta-se com a desfaçatez dos políticos desonestos e manipuladores... desencanta-se com um   Judiciário frágil, incapaz  de defender os direitos democráticos do cidadão comum.
Para varrer a podridão político-administrativa do cenário nacional é preciso eliminar a corrupção expressa no fisiologismo eleitoreiro, nos atos explícitos de improbidade e no comércio espúrio de influência, que desvirtuam o processo democrático. Sanear a prática político-administrativa implica numa mudança radical de mentalidade. Jornada heróica, uma vez que subentende a conversão de cada indivíduo... uma mudança de atitude, algo mais do que o simples reconhecimento teórico dos cânones éticos... requer a disposição voluntária e a determinação pessoal de exercitar a cidadania, responsavelmente.  Ninguém assume uma postura solidária, compatível com o bem comum, sem um esforço pessoal contra a tendência inata egoística, ambiciosa, auto-condescendente. Esta mobilização de forças interiores é o cerne da evolução desde a emergência evolutiva da condição humana caracterizada pelo exercício da consciência responsável. Para dar este salto de qualidade cada um terá que superar sua própria facticidade[1]. Mas o tamanho do desafio não justifica o abstencionismo cômodo. O laisser-faire aplicado ao devir pessoal, ou à organização político-social e econômica é uma deserção da responsabilidade de ser homem.
Na longa caminhada saneadora político social não se deve insistir, ingenuamente, apenas, em combater ideologias como se elas fossem  representações do real. Este tipo de engajamento acaba se consumindo em polêmicas teóricas. O real está nas relações sociais entre os seres humanos... e elas têm um caráter existencial, são de natureza econômica e política, singularizadas por interações psicodinâmicas  pessoais complexas.
Sociólogos modernos trabalhando em parceria com psicanalistas advogam que a verdadeira luta se trava na mobilização de forças conscientes e inconscientes para a construção do subjetivismo moldado nos valores que inspiram a solidariedade e a cooperação, visando o bem comum. É o desejo de justiça que se vivencia na profunda indignação diante do sofrimento dos pobres e oprimidos, que move a consciência esclarecida e sensível a cultivar e liderar as ações comunitárias... é o desejo de que não haja mais exploração nem dominação, que motiva à ação solidária. Nada se conseguirá de forma efetiva sem mexer nos desejos pessoais. E isso ultrapassa o simples esforço intelectual, é uma opção de vida que envolve também o sentimento e a vontade. Implica em mudança de comportamento, um novo modo de ser.
  Em tese, o exercício responsável da consciência deve levar a relações interpessoais autênticas que sirvam de base à construção da comunidade humana, promovendo consenso na disposição de fazer do bem comum o alvo de todas as atenções do grupo. Isto posto, assoma um problema prático. Estamos indignados com as injustiças sociais... sabemos qual é o remédio eficaz para tratar essa chaga, mas a eficácia terapêutica depende da livre adesão  de cada indivíduo ao tratamento... e, lamentavelmente, o homem está mergulhado em equívocos que o tornam refratário, preso a enganos, embalsamado na inércia cultural, resistente às mudanças necessárias. O impacto desta constatação poderia ser fatal para os nossos ideais democráticos, se nos faltasse a “esperança”.
Enfim, é preciso mexer com a subjetividade das pessoas para reelaborar os paradigmas vigentes em prol de uma nova ordem. E é óbvio que esta mudança não acontecerá por um passe de mágica! É preciso insistir em fazer o que achamos politicamente correto, malgrado os contratempos e dissabores. Em termos gerais a proposta consiste em que todos os que forem tocados pelos ideais magnos de verdade, justiça e solidariedade, alinhados pela coerência do ideal democrático insistam na ação destemida em prol da construção da comunidade humana. É preciso acreditar em que, seguindo esta trilha somar-se-ão nossas ações singulares, inspiradas pelo mesmo ideal, na promoção da solidariedade entre os homens. Este é o projeto que embala o nosso sonho democrático. E sonhar pode resultar em mais do que perder-se em propostas românticas... É oportuno lembrar aqui o que escreveu Eduardo Giannetti em um dos seus livros: “Quando a criação do novo está em jogo, resignar-se ao provável e ao exequível é condenar-se ao passado e à repetição. No universo das relações humanas, o futuro responde à força e à ousadia do nosso querer. A capacidade de sonhar fecunda o real, (re)embaralha as cartas  do provável e subverte as fronteiras do possível. Os sonhos secretam o futuro”.
A vontade reforça o desejável e prioriza a realização do que sonhamos construir, tornando-o mais provável!!! Nesta perspectiva nos colocamos como agentes políticos, fazendo o que está ao nosso alcance, e confiando na arregimentação dos que acreditam na causa da humanidade para encorpar o movimento redentor.


[1]  Caráter próprio da condição humana pelo qual cada homem se encontra sempre já comprometido com uma situação não escolhida. 

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O valor dos papeis sociais

O valor dos papéis sociais.
No dia a dia todos encenamos papeis essenciais à dinâmica social. A prática de esquemas comportamentais apropriados disciplina as relações sociais e funcionais entre os membros da coletividade, seja o exercício de protocolos que garantam a harmonia no convívio humano, sejam atividades profissionais que preencham funções importantes para o bem estar da coletividade. Por exemplo, diante das doenças que afligem o homem, médicos, enfermeiras e atendentes desempenham os papéis que o paciente, seus familiares e a sociedade esperam deles. O mesmo se diga dos papéis atribuídos ao pai, à mãe, aos irmãos, em relação às expectativas comportamentais no seio da família. É longa a relação dos papeis interpretados no cotidiano por líderes ou liderados nas diversas atividades humanas.
Mas é preciso lembrar sempre, que por trás de cada representação há uma pessoa cujos dotes definem a performance do papel que lhe é atribuído... Rigorosamente, é sua originalidade que molda o desempenho do papel, e não o contrário.   O melhor desempenho ocorre quando a pessoa investida de um papel específico está disposta a doar-se ao representa-lo. Quando o eu agente não se doa, apenas encena um conjunto de ações vazias de compromisso efetivo com o bem-estar do outro e, deste modo, pode até servi-lo, mas, alienado e empobrecido interiormente...  É possível que nem se dê conta da alienação em que incorre... e se o percebe é complacente consigo mesmo, numa tentativa infantil de valorizar a auto imagem.
Os papeis culturalmente codificados são uma garantia da estabilidade social e ajudam a transpor o fosso existencial que separa um indivíduo do outro, quando não flui mútua simpatia.
Ao identificarem a dinâmica psíquica que preside a distinção do comportamento formal e da conduta existencialmente consistente, as pessoas aprendem a ser mais tolerantes. Compreendendo a fragilidade do comportamento imaturo dos que se atêm à formalidade, (des)dramatizam conflitos existenciais, latentes, com seus interlocutores... tentam passar-lhes uma mensagem de maturidade (geralmente sem sucesso), e deixam-nos viver a própria escolha... a vida os ensinará... lamentavelmente, da forma mais dolorosa. E nos momentos em que falta inspiração para inovar, ou para lutar contra situações adversas, os mais conscientes dos próprios limites sabem usar os papéis que lhes cabem, com eficiência... nesta entrega encontram o sentido existencial do seu momento, e desta forma ficam imunes à perplexidade ou ao marasmo. Porém sempre alertas, para não se deixarem fixar na mediocridade dos lugares comuns.
Poder-se-á sempre agir de maneira crítica, desde que se representem os papeis assumidos sem perder de vista que a verdade pessoal está contida no self[1], instância profunda da psique, e não no ego[2], mais superficial, que absorve os papeis a serem representados... Cria-se assim uma distância virtual, subjetiva, que permite ao “eu agente” analisar a situação e flexibilizar o comportamento, evitando conflitar com os obstáculos ao bem comum, sem perder o foco do ideal perseguido... sabendo ser o papel desempenhado naquele momento apenas uma janela de comunicação, talvez a única em determinada conjuntura. Assim fazendo, o indivíduo preserva a sua verdade singular sem prejudicar a ordem coletiva.
Por tudo isso, importa reconhecer que representar papéis na vida real, é fundamental para a manutenção da ordem social... Mas é preciso ter consciência de que é a pessoa que define o valor do papel desempenhado, e não o contrário. O conhecido aforismo “O hábito faz o monge”, só é válido formalmente... na verdade é o comportamento autêntico do monge que dignifica e reforça o simbolismo do hábito.
Everaldo Lopes


[1] “Eu” que centraliza a consciência ampliada – o si mesmo.
[2] Extrato superficial da personalidade, centro na consciência clara.