Especulações baseadas no conhecimento
acumulado sobre a evolução do mundo físico e da vida dão suporte a uma
cosmovisão espiritualista criacionista. A causa primeira de tudo continua
impermeável à razão humana, suscitando cogitações metafísicas que abrem espaço
para um Absoluto criador, objeto de fé. Todavia, é evidente a “complexificação”
crescente da matéria desde o “Big-bang”[1].
A matéria primitiva desorganizada evoluiu até a complicada estrutura do Sistema
Nervoso Central, culminando no córtex cerebral do homem que ensejou o advento
da consciência reflexiva. Avaliado o tempo decorrido desde o “Big-bang”, se
esta sequência evolutiva tal como ocorreu se devesse apenas a coincidências
felizes, a esmo, não teria sido possível estatisticamente alcançar o estádio
atual da Evolução... a matéria jogada ao acaso levaria um tempo infinitamente
maior. Portanto, para justificar a ordem
crescente no cosmo e na vida até o patamar que se constata hoje, ter-se-ia que
recorrer a um “anti acaso” que, então, teria o mesmo peso epistemológico de um
Deus criador. Na verdade há mais razões
para crer do que para descrer em Deus, Dinamismo absoluto eternamente criativo.
A condição humana[2]
passa a ser um divisor de águas no curso do processo evolutivo. A partir do
homem a Evolução foi redirecionada, do aperfeiçoamento biológico do indivíduo
para o da organização consciente e voluntária da sociedade na qual ele está
contextualizado. Nesta perspectiva o livre arbítrio tornou mais flexíveis as
mudanças evolucionárias, agora,
orientadas por escolhas que visam a ordem política e econômica da comunidade
humana. Saber-se parte de um todo integrado, permite ao homem criar critérios
de comportamento no vir a ser pessoal, tendo em vista sua relação com o todo em
que está situado. Nesta perspectiva a consciência já não pode mais ser
considerada um epifenômeno da matéria, porém o cerne de uma realidade autônoma,
livre, criativa capaz de influir nos rumos da própria Evolução... o que torna o
homem um colaborador do “Dinamismo Absoluto Eternamente Criativo”[3].
Para atender à coerência inerente ao
exercício da “condição humana”[4]
a organização social deverá garantir a salvaguarda da verdade e da justiça.
Estes valores pautam as responsabilidades humanísticas, sejam elas entendidas
numa perspectiva espiritualista que além de buscar o bem estar social aposta na
comunhão transcendental de todos os homens na unidade absoluta de Deus, sejam
elas inspiradas na lógica temporal da convivência justa e confortável a que
aspira o Agnóstico. Uma vez preservadas
as características da “condição humana” o resultado prático imediato da postura
socializante é o mesmo em ambos os casos. Mas o compromisso social do Agnóstico
resulta sempre num comportamento apenas ético, enquanto o do Místico o envolve
com seus pares num comprometimento intersubjetivo amoroso. O Agnóstico põe em
prática os esquemas culturais que regem seu comportamento social, pragmaticamente,
com base em razões objetivas. O Místico transcende o imediatismo pragmático do
comportamento social, prolongando seu ideal humanístico para além do horizonte
temporal. Assim, a integridade da postura humanística tranquiliza em ambos os
casos a consciência ética mediante comportamentos satisfatórios que diferem
apenas nos seus fundamentos. Mas esta distinção pesa muito na solução da
angústia existencial comum a uns e a outros. A desvantagem do ateu é que lhe
falta o amparo da fé em um Poder transcendental providente no qual se resolvam
todas as contradições inerentes à realidade temporal, e com o qual possa manter
uma relação pessoal. Em contrapartida, para que o Místico se beneficie é
necessário que esteja possuído por uma fé inabalável! Diante deste confronto
entre Espiritualistas e Materialistas críticos, fica evidente que os primeiros
atendem mais cabalmente ao anseio de transcendência inerente à própria
consciência. Escudando-se em especulações coerentes eles concebem e creem numa
cosmogonia espiritualista, criacionista que promete uma perfeição trans
temporal. Enquanto os agnósticos, materialistas, simplesmente se negam a
aceitar a mesma mundividência porque não creem
num Absoluto criador... Embora não saibam explicar o origem da ordem que a
própria Ciência constata na realidade cósmica e biológica. Este comportamento
pode ser assimilável a um ato voluntarioso. Lembro aqui o relato que me foi
feito por um amigo já falecido, da conversa que tivera na sua juventude com um
frade professor de Teologia. Falando de Felix Le Dantec (1869 – 1917), Biólogo
francês, materialista, o monge contara-lhe que este grande homem de Ciência
dizia rilhando os dentes como se consumasse sua autoafirmação num ato de
rebeldia: “- Sou ateu porque quero!”. Com isto o mentor espiritual do meu amigo
quisera realçar a humildade necessária para exercitar o dom da fé. Todavia, por
trás desta rebeldia está, não raro, uma pessoa intimidada pela consciência da
própria contingência, hipercrítica, racionalista, carente de uma experiência
existencial amorosa, suspicaz, resistente à entrega de si mesma às incertezas
de um vir a ser imprevisível.
Aliás, rigorosamente, a negação da
transcendência absoluta é também um testemunho de fé. Pois, do ponto de vista estritamente racional não se pode
“afirmar” ou “negar” o “Absoluto”. Portanto, ao negar Deus os incrédulos o
fazem mercê de uma crença! Por outro lado, o Ateu coerente com o exercício da
condição humana, pratica uma ética humanística, nutre sentimentos de
solidariedade e o desejo de ser veraz e autêntico, superando de algum modo a
angústia existencial. Livre de quaisquer imposições dogmáticas está predisposto
a desenvolver maior tolerância nos seus contatos sociais. Nesta perspectiva se
desenvolve a espiritualidade do Ateu! Embora uma espiritualidade sufocada pelo
tempo.
Everaldo Lopes