Do ponto de vista estritamente racional, não se pode afirmar
nem negar o absoluto transcendental.
Mas a existência do Universo sensível, aparente, que, sabidamente, não se criou
por si mesmo nem retém a força da própria subsistência dá testemunho permanente
de um Poder Absoluto[1]
ao qual nos referimos em textos anteriores como um dinamismo eternamente criativo. Este dinamismo, necessariamente, transcende
e ao mesmo tempo é imanente ao mundo visível como um Poder que se revela à consciência reflexiva na intuição
obscura de uma potência absoluta inexplicável, porém, imaginável desde que o
mundo existe. O limite do entendimento racional sobre a organicidade sistêmica
deste dinamismo se esfuma na percepção confusa de uma intrincada rede de
interações múltiplas de eventos singulares mutuamente influentes mediante
relações funcionais nas quais as propriedades de cada evento são determinadas
pelas propriedades de todos os outros. Ao penetrar o mais fundo possível na investigação
desta complexidade, o pensamento depara-se com a necessidade de ultrapassar o
limite temporal que o detém. O saldo desta tentativa é a nostalgia da Unidade
original, uma transcendência na qual a complexidade processual fenomênica se desfaz
na unidade absoluta. O homem só pode acercar-se deste absoluto Inacessível á
razão pura mediante intuição que se amplia num ato de fé. A razão curiosa leva
o pensamento a tangenciar a transcendência fugidia, na busca incansável da
explicação de como tudo começou, e de como atingir a sonhada plenitude existencial.
Porém, o pensador materialista apenas reforça a vivência do vazio sobre o qual
existe. E depois de enorme esforço racional se dá conta de que a satisfação do
desejo nostálgico de Transcendência total e de reintegração na harmonia do Todo
Absoluto não será alcançada através da razão. Mas, atônito, não crê que pode
fazê-lo mediante vivência mística amparada num ato de fé. Todavia, não é
preciso crer para experimentar a intuição poética de perfeição da “transcendência absoluta”, e da vivência tranquilizadora
de uma “comunhão universal”. Ao
aspirar a essas metas gloriosas, a espiritualidade saudável não precisa preocupar-se
com institucionalizar ritos litúrgicos para celebrar a relação com o Absoluto. Basta viver plenamente cada passo existencial na
direção da transcendência criativa e da comunhão universal, poeticamente,
vislumbradas. Assim a caminhada se torna na própria meta do ser consciente que
busca harmonizar-se, existencialmente, integrando-se no “dinamismo absoluto eternamente criativo”. Não existe uma verdade
final para ser descoberta. A verdade é sempre atual, embora esteja inscrita no
mundo ao modo de “cifras”[2]
(linguagem da transcendência) ilegíveis para os que não admitem o milagre do
mundo e da vida consciente como uma manifestação do Espírito. Na “cifra” está implícito o ímpeto criador
do dinamismo absoluto já referido.
Poder-se-ia compará-la a uma partitura que
precisa ser lida, “sentida” e tocada para que a mensagem musical se revele
em plenitude. Esta é uma analogia fiel do que fosse a essência da experiência mística. Nesta perspectiva,
Deus se apresenta como uma potência misteriosamente transcendente e imanente à
consciência e ao mundo, e não como um ser
estático habitualmente simbolizado nos catecismos tradicionais por uma
figura humana respeitável, idosa, com longas barbas (sinal de sabedoria). A
expressão antropomórfica de Deus pode facilitar a experiência religiosa das
crianças, ou dos homens simples no âmbito de uma espiritualidade ingênua, porém
não é bastante para satisfazer a espiritualidade madura dos santos e dos sábios.
O que não diminui a grandeza dos simples, nem o respeito e a fraternidade
sentidos por santos e sábios ao irmanarem-se na figura humana de Jesus, tomando-o
como representante emblemático da Humanidade perfeita, protótipo da união do
homem com Deus que misteriosamente o transcende e lhe é imanente.
É ingênuo pensar que o mundo
foi feito para a regalia dos homens. Porém pode-se dizer que a estrutura humana
está ligada ao cosmo como a sua intimidade privilegiada através da qual o
Universo toma conhecimento de si mesmo e se completa. Por isso, nada que diga
respeito ao mundo pode ser indiferente ao homem. Conhecendo-o cada vez melhor,
o homem pode manipulá-lo consciente e responsavelmente em proveito de sua
própria espécie. O homem e a Natureza são mutuamente dependentes na unidade
ontológica que os mantém. Portanto, a integridade sustentável da organização
social humana passa, necessariamente, por diretrizes ecológicas que garantam a
sustentabilidade do Planeta. A máxima assimetria cósmica, representada pela
consciência, vem a ser por fim determinante na conservação do equilíbrio dos
reinos mineral, vegetal e animal que compõem o Mundo Natural. Tudo está
interligado, desde a energia mineral integrada
na cadeia alimentar através das
plantas, aos animais e ao próprio homem que, finalmente, influi conscientemente
na disciplina da cadeia alimentar.
Com o homem se definiu a noosfera,
esfera do pensamento e da intuição na qual se cultivam os valores arquetípicos
espirituais, tais como o Amor, a Verdade, a Bondade, a Beleza e a Justiça. Para os
que creem no Espírito, a noosfera torna-o mais conspícuo. Depois de permear a
geosfera e a biosfera o Espírito manifesta-se na noosfera mais ostensivamente através
das funções psíquicas superiores do homem.
Na análise da aventura humana, tudo aponta para a existência
de um Absoluto Transcendental incompreensível para a razão pura, porém real.
Everaldo
Lopes