quarta-feira, 11 de junho de 2014

Cidadania ameaçada

Ao som do Hino Nacional milhões de brasileiros sentem um arrepio de patriótica emoção. Eles amam o seu torrão natal e se entusiasmam com as conquistas da pátria amada. Otimistas, trabalham com afinco para garantir o sustento seu e da sua família. São pacíficos, mas lamentam a dificuldade para matricular o filho na Escola Pública,  e revoltam-se ao ouvir a queixa da esposa de haver esperado horas na fila do SUS para um atendimento especializado. Ganham pouco, mas, apesar de tudo isso, não abandonam os seus princípios  de honradez e solidariedade. Esses brasileiros fiéis são exemplos de paciência cívica na tentativa persistente de praticar a cidadania apesar das dificuldades circunstanciais. Periodicamente votam nos candidatos que lhes parecem mais honestos e competentes. Na verdade, tudo que sabem sobre eles é o que a mídia deixa passar, pró ou contra os postulantes aos cargos eletivos. E, lamentavelmente, a malha desse filtro de informações é determinada mais por interesses corporativos do que pelo compromisso com a verdade. A propaganda eleitoral assessorada por marqueteiros regiamente pagos apresenta os candidatos como exemplos de competência e espírito público. Depois os eleitores constatam que estes candidatos após a vitória nas urnas esquecem as promessas de campanha. Uma vez eleitos e empossados eles protagonizam comportamentos autopromocionais na expectativa de se reelegerem no próximo pleito. Esses falsos homens públicos subestimam a inteligência do eleitor e confiam na memória curta da massa votante. Não raro acertam, e quatro anos depois tudo se repete do mesmo jeito: as promessas de palanque, o esquecimento dos compromissos de campanha, e a decepção do eleitor, logo esquecida, mais uma vez. Estes brasileiros fiéis que teimam em esperar por melhores dias voltam às urnas com renovada esperança, malgrado os maus tratos a que os sujeitaram as administrações incompetentes e perdulárias dos mesmos candidatos que ajudaram a eleger no passado e se apresentam agora para novo mandato. Embora fiel ao protocolo democrático esse comportamento do eleitor revela certa ingenuidade, mas também a falta de garra ou de meios para fiscalizar e exigir conduta exemplar dos gestores públicos.  Aliás, atualmente a prática democrática em nosso país está sendo desmoralizada pelo próprio governo  através da compra escamoteada de votos mediante a concessão de “bolsas” distribuídas entre as pessoas economicamente marginalizadas. Procedimento legítimo que perde seu poder transformador quando não exige nem fiscaliza a contrapartida necessária para assegurar a eficácia do benefício na promoção do desenvolvimento humano do beneficiário. Essas bolsas passam, então, a atender fins puramente eleitoreiros. Não educam, apenas ajudam a reeleger os que reivindicam a paternidade dessa pequena ajuda financeira. Momentaneamente, a injeção na economia de bilhões de reais através da concessão das “bolsas” dá lugar à falsa impressão de crescimento econômico, pela ampliação do mercado consumidor. Mas esse aumento de consumo não representa real crescimento econômico. O Governo não consegue segurar por muito tempo a grande mentira, enquanto a incompetência de sua gestão envolvida em escândalos de corrupção o distancia mais ainda dos interesses do povo.  De repente, esguicham por todos os canais de comunicação de massa, notícias lamentáveis de toda espécie de irregularidades dentro e fora do governo. Atônitos, os brasileiros bem intencionados que sonham com um Brasil  desenvolvido são sacudidos por avalanche de notícias deploráveis sobre a real situação do país, muito aquém da que o governo anuncia. Já não é possível esconder a corrupção que se alastra, sorrateira ou explicitamente, em todos os escalões dos poderes constituídos. A mesma corrupção denunciada em campanha eleitoral pelos que fazem o Governo atual, e que não estancou depois da investidura no poder dos supostos arautos de uma “nova ordem.” Ao invés da renovação anunciada, as instituições ditas democráticas continuam se deteriorando, corroídas pelas mentiras embutidas em manobras escusas envolvendo executivos e legisladores. Aqueles brasileiros esclarecidos que não se deixam comprar com benesses ficam perplexos ante o dever cívico de escolher nas urnas homens públicos responsáveis. É evidente a inconsistência ideológica dos partidos e a falta de líderes autênticos identificados com um projeto nacional de desenvolvimento. Esse panorama não dá lugar à expectativa de mudanças salutares do quadro político atual. E é preocupante vislumbrar o caos ao qual o país está sendo levado pelos vivaldinos de plantão que são muitos, despudorados e cheios de ardis. Impõe-se dar corpo ao protesto do povo usurpado em seus direitos, mediante uma campanha nacional que acelere o amadurecimento político da nação brasileira. Porém todos sabemos que esta maturação não acontece de repente, depende da conjugação de muitos fatores. É um processo longo que demanda educação continuada desde a família, passando pela escola com o respaldo da sociedade organizada. Faz parte deste processo o expurgo efetivo dos candidatos de ficha suja, vedando o registro dos seus nomes para a concorrência eleitoral, além da punição severa pelos atos de corrupção já praticados. Paralelamente, os brasileiros esclarecidos imbuídos do ideal democrático deverão sair da sombra do anonimato, expondo-se à ocupação dos espaços que se abrirem na administração pública. Isso exige conhecimento, coragem e determinação dos democratas autênticos. Os obstáculos são enormes. A corrupção a varejo que infelicita os países pobres é sucursal da corrupção por atacado, capitaneada pelo crime contra a humanidade embutido na exploração dos países ricos sobre os povos subdesenvolvidos. Além das dificuldades internas, as nações subdesenvolvidas estão expostas às manobras de exploração das grandes corporações econômicas multinacionais, e  à dominação política internacional dos países ricos. É cruel a flagelação a que se expõem populações inteiras privadas de alimentação, abrigo, saúde, educação e emprego, enquanto crescem os privilégios desfrutados por  uma minoria! As nações pobres, economicamente manipuladas na negociação de uma dívida externa impagável são induzidas a sacrificar investimentos básicos que lhe são essenciais. Todavia, obrigam-se a fazer uma reserva financeira a fim de garantir o pagamento dos juros de uma dívida fabulosa escravizante.  
Olhando o cenário internacional cada vez mais sobressai a certeza de que a persistir a política econômica vigente, inspirada na competição aética, o agravamento da má distribuição de renda e de condições de vida, levará a  humanidade a um caos social vizinho da barbárie. O que representa em longo prazo uma ameaça à sobrevivência da espécie humana. Oxalá as nações ricas e pobres se compenetrem de que a política econômica global inspirada nos paradigmas capitalistas é suicida. É necessário deter a ganância desavergonhada dos donos do capital. Se a fúria do ágio não for contida,  os excluídos famintos e ignorantes hão de desenvolver reação irracional que porá em perigo tudo que a humanidade construiu até o momento. Por menos exequível que pareça reverter o processo socioeconômico que está sufocando a humanidade, é preciso dizer “não” à competição aética substituindo-a pela cooperação inteligente; é preciso dizer “não” ao acúmulo injusto de riqueza nas mãos de poucos, em prol da partilha equânime dos bens da Terra entre todos os homens. É possível conter a agressividade do ágio sem prejudicar o progresso científico e tecnológico. Também nessa área a cooperação é mais enriquecedora do que a competição exclusivista.
Toda turbulência econômica, social, política e existencial reflete a dificuldade humana de ser cooperativo e veraz por escolha e decisão pessoais no exercício da consciência livre e responsável.
 Na medida em que somos todos responsáveis no processo de humanização, a grande revolução cultural em favor da justiça social e da solidariedade indispensáveis à sobrevivência da espécie demanda a participação inteligente, efetiva e ética de cada um de nós, consolidando o comportamento cidadão.           

  Everaldo Lopes