quarta-feira, 13 de maio de 2015

Como vejo a timidez

O tímido ressente-se do temor de ser avaliado aquém da importância que alimenta sua autoestima. Evita manifestar-se em público para não arriscar  comprometer a boa impressão que deseja despertar nos circunstantes. Dessa forma a timidez cala as pessoas pelo temor de correr o risco de errar, impedindo-as de manifestarem-se livremente. É admissível que por trás deste impedimento esteja o orgulho que tolhe a iniciativa pelo receio de revelar suposta e inaceitável incompetência... Diferente do silêncio prudente que é fruto da sabedoria. Para o tímido ter seu valor reconhecido é o objetivo nem sempre claramente consciente. Para o sábio o que conta é ser íntegro, coerente e verdadeiro. O tímido oculta o desejo vaidoso de sobressair pelo saber, competência e virtude moral... o que lhe impõe sofrida cautela no que diz e no que faz. No vir a ser cotidiano nutre a expectativa ansiosa de ser sempre melhor do que os demais, porém sabe que não o é, embora reconheça o próprio potencial. E na corrida perfeccionista que se impõe, expõe-se a comparações com performances exemplares, mal conseguindo esconder uma pontinha de inveja ou incômoda sensação de menos valia  quando se percebe em desvantagem. Inseguro, diante dos que   opinam e discutem temas polêmicos o tímido silencia, torcendo para que o mutismo em que se esconde passe despercebido, ou, pelo menos, que o  seu silêncio não seja interpretado como despreparo.
A falta de ousadia do tímido tem outros desdobramentos. Nas relações de gênero, por exemplo, sob o medo da rejeição o tímido não se aventura... insinua-se com paciência, esperando o melhor momento para uma abordagem segura. E assim perde oportunidades que jamais voltarão. Mas, quando ao calor da emoção de uma conquista é empolgado pelo impulso sensual, não raro cede ao engodo de situações facilitadoras... excede-se, precipitando-se em comportamentos que resultam em consequências mais ou menos sérias. Quando se descobre nessas situações embaraçosas o tímido, perplexo, geralmente comprometido com um modelo rígido de moralidade mergulha na dor da culpa, e para acalma-la toma decisões austeras como a penitenciar-se por haver contrariado os princípios éticos aos quais se submete sem crítica. Nessas circunstâncias o indivíduo pode comprometer  a própria existência num vir a ser insípido, pobre de emoções. Pusilânime, o tímido não arrisca ações ousadas, obriga-se à prática de condutas ordeiras convencionais, ainda que tenha de  abrir mão da liberdade de viver experiências mais gratificantes. Ora, a felicidade se conquista com decisões conscientes vividas na experiência afetiva de relações interpessoais saudáveis. A relação moralista divorciada de cálidos sentimentos de aproximação é afetivamente pobre, e sufoca a felicidade!
É notório que amainada a paixão o par conjugal perde um estímulo muito forte de aproximação, e se não houver estima  verdadeira, instala-se sofrido desinteresse que explica a apatia de muitos casais convencionais. Nesse momento, se o par conjugal conservar a disposição para  um reencontro intersubjetivo solidário e cúmplice, ainda é possível lançar mão da criatividade e das reservas afetivas de ambos a fim de manter acesa a chama da parceria. Mas a criatividade aplicada à consolidação da união nupcial não é um artifício de última hora nem convive bem com a timidez. Para torna-la efetiva é preciso ousar a superação do medo subjacente à timidez, revitalizando a inspiração do verdadeiro interesse pelo bem do outro. Obviamente, não se pode improvisar esta inspiração quando falta o desejo de seduzir e o empenho efetivo na realização da/o companheira/o.
O encontro intersubjetivo, o “nós” maiúsculo, sempre será o ideal conjugal. Todavia, depois que passa a paixão, o “companheirismo” e a “convivência responsável” civilizada e inteligente ainda podem criar condições capazes de alimentar uma parceria honesta e cúmplice. De qualquer forma não há lugar para a timidez na intimidade de um verdadeiro  encontro  intersubjetivo cujo vigor  está ligado ao exercício criativo de ações responsáveis livres e solidárias.
Everaldo Lopes