O tímido ressente-se do temor de ser
avaliado aquém da importância que alimenta sua autoestima. Evita manifestar-se
em público para não arriscar comprometer
a boa impressão que deseja despertar nos circunstantes. Dessa forma a timidez cala as pessoas pelo temor de correr o risco de
errar, impedindo-as de manifestarem-se livremente. É admissível que por trás deste impedimento esteja o orgulho
que tolhe a iniciativa pelo
receio de revelar suposta
e inaceitável incompetência... Diferente do silêncio prudente que é fruto da
sabedoria. Para o tímido ter seu valor reconhecido é o objetivo
nem sempre claramente consciente. Para o sábio o que conta é ser íntegro,
coerente e verdadeiro. O tímido oculta o desejo vaidoso de sobressair pelo saber,
competência e virtude moral... o que lhe impõe sofrida cautela no que diz e no
que faz. No vir
a ser cotidiano nutre a expectativa
ansiosa de ser sempre melhor do que os
demais, porém sabe que não o é, embora reconheça o próprio potencial. E na
corrida perfeccionista que se impõe, expõe-se a comparações com performances exemplares , mal conseguindo esconder uma pontinha de inveja ou incômoda sensação
de menos valia quando se percebe em desvantagem. Inseguro, diante
dos que opinam e discutem temas polêmicos o tímido silencia,
torcendo para que o mutismo em que se esconde passe despercebido, ou, pelo menos , que o seu silêncio não seja interpretado como despreparo .
A falta de ousadia do tímido tem
outros desdobramentos. Nas relações de
gênero, por exemplo, sob o medo da rejeição o tímido não se aventura... insinua-se
com paciência , esperando o melhor momento para uma abordagem segura . E assim perde oportunidades que jamais
voltarão. Mas, quando ao calor da emoção de uma conquista é empolgado pelo
impulso sensual, não raro cede ao engodo de situações facilitadoras... excede-se,
precipitando-se em comportamentos que resultam em consequências mais ou menos sérias.
Quando se descobre nessas situações embaraçosas o tímido, perplexo, geralmente
comprometido com um modelo rígido de moralidade mergulha na dor da culpa, e
para acalma-la toma decisões austeras como a penitenciar-se por haver
contrariado os princípios éticos aos quais se submete sem crítica. Nessas
circunstâncias o indivíduo pode comprometer
a própria existência num vir a ser insípido, pobre de emoções. Pusilânime,
o tímido não arrisca ações ousadas, obriga-se à prática de condutas ordeiras
convencionais, ainda que tenha de abrir mão
da liberdade de viver experiências mais gratificantes. Ora, a felicidade se
conquista com decisões conscientes vividas na experiência afetiva de relações
interpessoais saudáveis. A relação moralista divorciada de cálidos sentimentos
de aproximação é afetivamente pobre, e sufoca a felicidade!
É notório que amainada a paixão o par
conjugal perde um estímulo
muito forte de aproximação, e se não houver estima verdadeira, instala-se sofrido desinteresse
que explica a apatia de muitos casais convencionais. Nesse momento, se o par conjugal
conservar a disposição para um
reencontro intersubjetivo solidário e cúmplice, ainda é possível lançar mão da criatividade e das reservas afetivas de ambos a
fim de manter acesa
a chama da parceria .
Mas a criatividade aplicada à
consolidação da união nupcial não é um artifício de
última hora nem convive bem com a
timidez. Para torna-la efetiva é preciso ousar a superação do medo subjacente à
timidez, revitalizando a inspiração do verdadeiro
interesse pelo bem do outro. Obviamente, não se pode improvisar esta inspiração
quando falta
o desejo de seduzir e o empenho efetivo na
realização da/o companheira/o.
O encontro
intersubjetivo, o “nós” maiúsculo, sempre
será o ideal conjugal. Todavia, depois
que passa a paixão, o “companheirismo” e a “convivência responsável” civilizada
e inteligente ainda podem criar condições capazes de alimentar uma parceria
honesta e cúmplice. De qualquer forma não há lugar para a timidez na intimidade
de um verdadeiro encontro intersubjetivo cujo vigor está ligado ao exercício criativo de ações
responsáveis livres e solidárias.
Everaldo Lopes