domingo, 23 de setembro de 2012

Como vejo a Hipocondria, a Obsessão e a Histeria.



A Hipocondria[1], a Obsessão[2] e a Histeria[3] são distúrbios psíquicos ditos funcionais que constituem empecilhos à paz interior de suas vítimas. Os Hipocondríacos interpretam sintomas comuns como prenúncios reais de doença grave, ou de morte, e sofrem o mal-estar da expectativa ansiosa de que aconteça o pior. Esta predisposição psíquica se acompanha de sintomas psicossomáticos desagradáveis. Todavia, a preocupação dos hipocondríacos recai em doenças que nunca ou raramente se confirmam nos prazos imaginários estabelecidos pela fantasia neurótica. Quando os pressentimentos incômodos se acompanham de comportamentos repetitivos ou rituais supostamente preventivos viram obsessão compulsiva, caracterizando o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). O tratamento das perturbações psíquicas referidas é da alçada dos Psicanalistas e Psicólogos Clínicos. Porém ajuda muito compreender, numa perspectiva existencial[4], a elaboração destas desordens psíquicas. Ao discutir o fundamento e a dinâmica existencial, ilumina-se a compreensão de como as desordens descritas se inserem no devir pessoal, dramatizando os percalços do vir a ser incerto próprio do homem. De fato os distúrbios mencionados são um exagero das respostas do ser consciente à sua própria vulnerabilidade vivenciada na insegurança inerente à incerteza do que está por vir.
A consciência reflexiva e a liberdade emergiram juntas no curso da Evolução, conferindo ao ser humano a faculdade de perceber seus limites temporais e de escolher uma dentre as várias alternativas que se lhe apresentam de instante para instante. A análise existencial é compatível com a ideia de a Hipocondria estar relacionada, na sua origem, à consciência da fragilidade e incertezas peculiares à “existência”[5]. A perspectiva de que se está condenado à doença, ao envelhecimento e à morte contradiz, dolorosamente, a expectativa de vida eterna e felicidade perene que, infantilmente, todos almejamos nesta vida. Tal contraste representa a maior antinomia da existência, entendida esta como uma construção a partir de escolhas livres. A elaboração deste paradoxo é um desafio permanente. Ser consciente implica em que cada um é responsável pelo seu próprio devir, mas, ao mesmo tempo, não tem o controle total sobre os acontecimentos. É impossível evitar na sequência temporal alguns eventos, indesejáveis, mas inevitáveis, inerentes ao ciclo biológico. Todavia, a psique humana não consegue muitas vezes abafar o medo e ansiedade implícitos na simples previsão destes mesmos acontecimentos. É admissível, contudo, dizer que a dificuldade de lidar com a vivência de ser limitado e vulnerável varia de indivíduo para indivíduo, podendo levar alguns à Hipocondria, outros à Obsessão e à Histeria em função do temperamento de cada um, e de experiências traumáticas sofridas. Deixemos aos especialistas a discussão do mecanismo psíquico implícito nestes desvios do comportamento. Vamos nos ater à análise filosófica da situação humana. Nesta perspectiva é razoável afirmar que as patologias mencionadas decorrem da natureza mesma da “existência” uma vez que são um exagero do medo natural despertado no ser consciente ao saber-se vulnerável e finito (Hipocondria); ou são respostas existenciais atípicas aos acontecimentos reais ou imaginários que ameaçam o ser humano (Neurose obsessiva e Histeria). A resposta da psique estruturalmente capaz de resistir ao primeiro impacto destas ameaças é tentar proteger-se da angústia e da ansiedade inerentes às situações de risco. A necessidade exagerada desta proteção coincide com um comportamento obsessivo que, potencializado, corresponde ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Conduta geralmente estereotipada que representa existencialmente uma tentativa fantasiosa de abafar a angústia e a ansiedade despertadas no homem pela consciência da sua vulnerabilidade e finitude. Diante dos riscos existenciais o indivíduo assume um comportamento rígido, obsessivamente regido por regras que visam a prevenção dos acontecimentos indesejados. Transformado em verdadeiro ritual (repetição compulsiva), este comportamento teria simbolicamente o poder de garantir alguma segurança ao indivíduo ansioso, por exemplo: ao fazer o sinal da cruz, ao bater três vezes na madeira com os nós dos dedos da mão, ao lavar compulsoriamente as mãos, ao revisar repetidas vezes o fechamento da porta sob o temor de invasão domiciliar, etc. Quando esta conduta se torna incômoda impõe-se a Terapia Comportamental ou a prática da Intenção Paradoxal, esta preconizada pela Logoterapia. A primeira implica em permanente disciplina por um esforço de vontade para não ceder à compulsão; a segunda exige da imaginação que incorpore fantasia abraçando o mal temido. Um exemplo clássico da intensão paradoxal é o combate à insônia mediante a aceitação da vigília, sem resistência. Assimilando comportamento semelhante, o medo de não dormir perde força na medida em que o ego temeroso decide aceitar o pior, e a tranquilidade resultante facilita o adormecer. Igualmente, se o hipocondríaco sente-se ameaçado diante da vulnerabilidade inevitável do seu vir a ser contingente será terapêutica a aceitação do fato de não ser possível controlar tudo. Aliás, a maioria das vezes o temor desencadeado está centrado numa fantasia decorrente da confusão entre possibilidade e probabilidade na avaliação das situações de risco. Tomamos como exemplo o caso de alguém com uma viagem de avião programada. O indivíduo normal sabe que é possível a queda eventual da aeronave, mas é estatisticamente improvável que ocorra o desastre, como se constata pela raridade de acidentes registrados entre os milhares de voos que acontecem diariamente no mundo inteiro. Todavia, para o neurótico, confuso, fragilizado pelo medo, se há possibilidade de um desastre é certo que acontecerá!!! Então, apavorado ele apela para os rituais obsessivos que, supostamente evitariam o acontecimento nefasto. O objetivo da análise filosófica do problema é desfazer racionalmente o engodo, e dispensar, voluntariamente, o amparo de uma barganha subjetiva simbólica cuja efetividade preventiva é puramente imaginária e, portanto, descartável. Isso constitui um apoio ao esforço do combate consciente à obsessão e aos rituais neuróticos que visam contornar os maus eventos temidos. O simples exercício racional de fazer a distinção entre possibilidade e probabilidade torna-se uma arma simples auxiliar no combate à obsessão. Quando o medo irracional não cede à análise filosófica do problema, a solução será a Psicoterapia.
Portanto, existencialmente, pode-se admitir que a Hipocondria e a Obsessão  nasçam, respectivamente, de uma sensibilidade exaltada ante o risco de adoecer, e do exagero da necessidade  de segurança e controle do ser consciente sobre o seu vir a ser  incerto.  Os quadros mórbidos resultam no primeiro caso de um temor exagerado, e no segundo de uma necessidade intensa de aliviar a ansiedade e angústia existenciais, apostando numa fantasia à qual se conferem poderes mágicos. O simbolismo do comércio subjetivo destas condutas mexe com forças inconscientes poderosas que podem ser aliciadas a favor do cliente. Entre estas forças sobressaem a Esperança e a fé que dão suporte à expectativa de que acontecerá o melhor na perspectiva em que nos encontramos. Esta é a etapa mais delicada do processo terapêutico, pois não temos controle direto sobre as forças inconscientes relacionadas com a esperança e a fé, nisto residindo, aliás, a dificuldade da cura  perseguida por qualquer terapia psíquica.
Uma alternativa atípica de defesa ocorre entre os indivíduos cuja psique não é capaz, estruturalmente, de resistir ao primeiro impacto da consciência de serem finitos, ou de estarem ameaçados na sua segurança. Dada a extrema sensibilidade à angústia e à ansiedade amplia-se a intensidade do impacto produzido pela expectativa de riscos reais ou imaginários, ao ponto de dissociarem-se as funções psíquicas, obstruindo uma resposta racional, e produzindo a crise histérica. A crise pode ser desencadeada por fatos ou objetos que estejam associados no inconsciente ao conflito existencial traumático que deixou como sequela a incapacidade de o ser consciente resistir ao impacto dos reveses da existência.
Enquanto o Obsessivo compulsivo, diante da ansiedade despertada pela vivência da finitude e riscos inerentes procura uma forma simbólica de controlar o medo incômodo; o histérico, diante do mesmo estímulo desaba, dissociam-se suas funções psíquicas, e ele age irracionalmente, sempre à espera de uma ajuda externa. Face a um estímulo hostil o Histérico perde o controle devido ao pânico extremo provocado por lembranças reprimidas de eventos traumáticos marcados no inconsciente por grande carga emocional.
Em termos comportamentais a orientação obsessiva compulsiva implica em certa autonomia do indivíduo, ao passo que a Histeria o leva a uma dependência latente. Os obsessivos são persistentes e muito racionais... Porém os histéricos diante de uma ameaça não conseguem sequer pensar ordenadamente, tal a instabilidade emocional de que são vítimas. Por isso o histérico é mais volúvel, e leviano no seu discurso descomprometido com a rigidez lógica. Na Histeria conversiva, a incapacidade de pensar transfere a linguagem simbólica para um sintoma físico (paralisia, cegueira, surdez etc.) de acordo com a mensagem que o corpo tenta transmitir, na impossibilidade de uma comunicação verbal.
Uma visão filosófica da questão pode auxiliar o processo psicanalítico, através da análise da realidade existencial problemática por sua própria natureza. A contemplação[6] do propósito central da existência e seus desdobramentos ajudam a conquistar o equilíbrio subjetivo que consiste na aquisição pelo cliente da confiança em si mesmo para resolver os problemas emergentes, ainda que sem a garantia de sucesso absoluto.
(Continua)
Everaldo Lopes


[1] Preocupação excessiva com o próprio estado de saúde.
[2] Pensamento recorrente, indesejável e aflitivo – ideia fixa.
[3] Comportamento caracterizado por excessiva emotividade ou por um terror pânico.
[4] Como se encaixam no modo peculiar de o homem existir como ser consciente. Livre e responsável.
[5] Vir a ser consciente e responsável próprio do homem, sobre o qual, porém, ele não tem controle total.
[6]  Aplicação demorada e absorta da atenção a um objetivo existencial marcante, sem a presunção da garantia total de sucesso .