A Hipocondria[1],
a Obsessão[2]
e a Histeria[3]
são distúrbios psíquicos ditos funcionais que constituem empecilhos à paz
interior de suas vítimas. Os Hipocondríacos interpretam sintomas comuns como prenúncios
reais de doença grave, ou de morte, e sofrem o mal-estar da expectativa ansiosa
de que aconteça o pior. Esta predisposição psíquica se acompanha de sintomas
psicossomáticos desagradáveis. Todavia, a preocupação dos hipocondríacos recai
em doenças que nunca ou raramente se confirmam nos prazos imaginários
estabelecidos pela fantasia neurótica. Quando os pressentimentos incômodos se
acompanham de comportamentos repetitivos ou rituais supostamente preventivos viram
obsessão compulsiva, caracterizando o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). O tratamento
das perturbações psíquicas referidas é da alçada dos Psicanalistas e Psicólogos
Clínicos. Porém ajuda muito compreender, numa perspectiva existencial[4],
a elaboração destas desordens psíquicas. Ao discutir o fundamento e a dinâmica existencial,
ilumina-se a compreensão de como as desordens descritas se inserem no devir
pessoal, dramatizando os percalços do vir a ser incerto próprio do homem. De
fato os distúrbios mencionados são um exagero das respostas do ser consciente à
sua própria vulnerabilidade vivenciada na insegurança inerente à incerteza do
que está por vir.
A consciência reflexiva e a liberdade
emergiram juntas no curso da Evolução, conferindo ao ser humano a faculdade de
perceber seus limites temporais e de escolher uma dentre as várias alternativas
que se lhe apresentam de instante para instante. A análise existencial é
compatível com a ideia de a Hipocondria estar relacionada, na sua origem, à
consciência da fragilidade e incertezas peculiares à “existência”[5].
A perspectiva de que se está condenado à doença, ao envelhecimento e à morte
contradiz, dolorosamente, a expectativa de vida eterna e felicidade perene que,
infantilmente, todos almejamos nesta vida. Tal contraste representa a maior
antinomia da existência, entendida esta como uma construção a partir de
escolhas livres. A elaboração deste paradoxo é um desafio permanente. Ser
consciente implica em que cada um é responsável pelo seu próprio devir, mas, ao
mesmo tempo, não tem o controle total sobre os acontecimentos. É impossível
evitar na sequência temporal alguns eventos, indesejáveis, mas inevitáveis, inerentes
ao ciclo biológico. Todavia, a psique humana não consegue muitas vezes abafar o
medo e ansiedade implícitos na simples previsão destes mesmos acontecimentos. É
admissível, contudo, dizer que a dificuldade de lidar com a vivência de ser
limitado e vulnerável varia de indivíduo para indivíduo, podendo levar alguns à
Hipocondria, outros à Obsessão e à Histeria em função do temperamento de cada
um, e de experiências traumáticas sofridas. Deixemos aos especialistas a
discussão do mecanismo psíquico implícito nestes desvios do comportamento. Vamos
nos ater à análise filosófica da situação humana. Nesta perspectiva é razoável
afirmar que as patologias mencionadas decorrem da natureza mesma da
“existência” uma vez que são um exagero do medo natural despertado no ser
consciente ao saber-se vulnerável e finito (Hipocondria); ou são respostas
existenciais atípicas aos acontecimentos reais ou imaginários que ameaçam o ser
humano (Neurose obsessiva e Histeria). A resposta da psique estruturalmente capaz
de resistir ao primeiro impacto destas ameaças é tentar proteger-se da angústia
e da ansiedade inerentes às situações de risco. A necessidade exagerada desta
proteção coincide com um comportamento obsessivo que, potencializado,
corresponde ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Conduta geralmente
estereotipada que representa existencialmente uma tentativa fantasiosa de
abafar a angústia e a ansiedade despertadas no homem pela consciência da sua vulnerabilidade
e finitude. Diante dos riscos existenciais o indivíduo assume um comportamento
rígido, obsessivamente regido por regras que visam a prevenção dos
acontecimentos indesejados. Transformado em verdadeiro ritual (repetição
compulsiva), este comportamento teria simbolicamente o poder de garantir alguma
segurança ao indivíduo ansioso, por exemplo: ao fazer o sinal da cruz, ao bater
três vezes na madeira com os nós dos dedos da mão, ao lavar compulsoriamente as
mãos, ao revisar repetidas vezes o fechamento da porta sob o temor de invasão
domiciliar, etc. Quando esta conduta se torna incômoda impõe-se a Terapia Comportamental
ou a prática da Intenção Paradoxal, esta preconizada pela Logoterapia. A
primeira implica em permanente disciplina
por um esforço de vontade para não ceder à compulsão; a segunda exige da
imaginação que incorpore fantasia abraçando o mal temido. Um exemplo clássico da
intensão paradoxal é o combate à insônia mediante a aceitação da vigília, sem
resistência. Assimilando comportamento semelhante, o medo de não dormir perde
força na medida em que o ego temeroso decide aceitar o pior, e a tranquilidade
resultante facilita o adormecer. Igualmente, se o hipocondríaco sente-se ameaçado
diante da vulnerabilidade inevitável do seu vir a ser contingente será
terapêutica a aceitação do fato de não ser possível controlar tudo. Aliás, a
maioria das vezes o temor desencadeado está centrado numa fantasia decorrente
da confusão entre possibilidade e probabilidade na avaliação das situações de
risco. Tomamos como exemplo o caso de alguém com uma viagem de avião programada.
O indivíduo normal sabe que é possível a queda eventual da aeronave, mas é estatisticamente
improvável que ocorra o desastre, como se constata pela raridade de acidentes
registrados entre os milhares de voos que acontecem diariamente no mundo
inteiro. Todavia, para o neurótico, confuso, fragilizado pelo medo, se há
possibilidade de um desastre é certo que acontecerá!!! Então, apavorado ele apela
para os rituais obsessivos que, supostamente evitariam o acontecimento nefasto. O objetivo da análise filosófica do
problema é desfazer racionalmente o engodo, e dispensar, voluntariamente, o
amparo de uma barganha subjetiva simbólica cuja efetividade preventiva é puramente
imaginária e, portanto, descartável. Isso constitui um apoio ao esforço do
combate consciente à obsessão e aos rituais neuróticos que visam contornar os
maus eventos temidos. O simples exercício racional de fazer a distinção entre
possibilidade e probabilidade torna-se uma arma simples auxiliar no combate à
obsessão. Quando o medo irracional não cede à análise filosófica do problema, a
solução será a Psicoterapia.
Portanto, existencialmente, pode-se admitir
que a Hipocondria e a Obsessão nasçam,
respectivamente, de uma sensibilidade exaltada ante o risco de adoecer, e do
exagero da necessidade de segurança e
controle do ser consciente sobre o seu vir a ser incerto. Os quadros mórbidos resultam no primeiro caso
de um temor exagerado, e no segundo de uma necessidade intensa de aliviar a
ansiedade e angústia existenciais, apostando numa fantasia à qual se conferem
poderes mágicos. O simbolismo do
comércio subjetivo destas condutas mexe
com forças inconscientes poderosas que podem ser aliciadas a favor do
cliente. Entre estas forças sobressaem a Esperança e a fé que dão suporte à
expectativa de que acontecerá o melhor na perspectiva em que nos encontramos. Esta
é a etapa mais delicada do processo terapêutico, pois não temos controle direto
sobre as forças inconscientes relacionadas com a esperança e a fé, nisto
residindo, aliás, a dificuldade da cura perseguida
por qualquer terapia psíquica.
Uma alternativa atípica de defesa ocorre entre
os indivíduos cuja psique não é capaz, estruturalmente, de resistir ao primeiro
impacto da consciência de serem finitos, ou de estarem ameaçados na sua
segurança. Dada a extrema sensibilidade à angústia e à ansiedade amplia-se a
intensidade do impacto produzido pela expectativa de riscos reais ou
imaginários, ao ponto de dissociarem-se as funções psíquicas, obstruindo uma
resposta racional, e produzindo a crise histérica. A crise pode ser desencadeada
por fatos ou objetos que estejam associados no inconsciente ao conflito existencial
traumático que deixou como sequela a incapacidade de o ser consciente resistir
ao impacto dos reveses da existência.
Enquanto o Obsessivo compulsivo, diante da
ansiedade despertada pela vivência da finitude e riscos inerentes procura uma
forma simbólica de controlar o medo incômodo; o histérico, diante do mesmo
estímulo desaba, dissociam-se suas funções psíquicas, e ele age
irracionalmente, sempre à espera de uma ajuda externa. Face a um estímulo
hostil o Histérico perde o controle devido ao pânico extremo provocado por
lembranças reprimidas de eventos traumáticos marcados no inconsciente por
grande carga emocional.
Em termos comportamentais a orientação
obsessiva compulsiva implica em certa autonomia do indivíduo, ao passo que a
Histeria o leva a uma dependência latente. Os obsessivos são persistentes e
muito racionais... Porém os histéricos diante de uma ameaça não conseguem sequer
pensar ordenadamente, tal a instabilidade emocional de que são vítimas. Por
isso o histérico é mais volúvel, e leviano no seu discurso descomprometido com
a rigidez lógica. Na Histeria conversiva, a incapacidade de pensar transfere a
linguagem simbólica para um sintoma físico (paralisia, cegueira, surdez etc.)
de acordo com a mensagem que o corpo tenta transmitir, na impossibilidade de uma
comunicação verbal.
Uma visão filosófica da questão pode
auxiliar o processo psicanalítico, através da análise da realidade existencial
problemática por sua própria natureza. A contemplação[6]
do propósito central da existência e seus desdobramentos ajudam a conquistar o equilíbrio
subjetivo que consiste na aquisição pelo cliente da confiança em si mesmo para
resolver os problemas emergentes, ainda que sem a garantia de sucesso absoluto.
(Continua)
Everaldo Lopes
[1]
Preocupação excessiva com o próprio estado de saúde.
[2]
Pensamento recorrente, indesejável e aflitivo – ideia fixa.
[3]
Comportamento caracterizado por excessiva emotividade ou por um terror pânico.
[4] Como se
encaixam no modo peculiar de o homem existir como ser consciente. Livre e
responsável.
[5] Vir a
ser consciente e responsável próprio do homem, sobre o qual, porém, ele não tem
controle total.
[6] Aplicação demorada e absorta da atenção a um objetivo
existencial marcante, sem a presunção da garantia total de sucesso .