Transcendendo a Natureza pelo exercício da consciência, o “Fenômeno Humano”
passa a integrar uma realidade “existencial” eminentemente cultural[1].
O ato de conhecer simultaneamente a si mesmo e o mundo denota uma peculiaridade
ímpar do ser humano. Ao dizer “eu sei que este objeto é real” o sujeito do
conhecimento auto identifica-se ao tempo em que conhece algo que está fora dele.
Portanto é, necessariamente, reflexivo. O
debruçar-se do sujeito cognoscitivo sobre si mesmo tem o caráter de um diálogo da
consciência com o mundo, uma vez que o homem é uma extensão do mundo. Diálogo
que levado às últimas consequências se ultrapassa ao descobrir elementos que
lhe permitem extrapolar a ideia da unidade “consciência-mundo”. A vivência
desta unidade resulta de um mergulho na subjetividade inteligente onde se
confrontam o núcleo intuitivo e racional do indivíduo, e a representação conceitual
de sua circunstância social e cósmica. Quanto mais profundo for o mergulho do
ser consciente no interior de si mesmo, mais nítida se perceberá a convergência
da consciência e do mundo. Os homens alcançam elevado crescimento pessoal na
busca desta unidade estruturada na
reciprocidade interativa absoluta das partes do todo universal no qual o
próprio ser consciente se contextualiza. Por sua natureza consciente,
reflexiva, o comportamento do homem contribui para a harmonia final do processo
evolutivo (da poeira cósmica à vida consciente), mediante o exercício da liberdade responsável nas suas relações interpessoais,
e com o ambiente. Eis o seu papel neste processo.
A consciência, coroamento da complexidade psíquica do homem, é,
fundamentalmente, intencional e objetiva. Ela está voltada para o mundo que se
constitui no objeto da sua atenção. O dinamismo próprio da consciência implica na capacidade de o indivíduo transcender o binômio
“sujeito cognoscitivo - objeto do conhecimento”, permanecendo imanente a ambos.
Nesta operação subjetiva conserva-se o caráter de totalidade e unicidade inerente
ao fenômeno consciente, podendo o homem intervir criativamente no mundo, atuando
sobre o ambiente, ou transformando-se a si mesmo. Nesta intervenção a sequência
é conhecer para agir. Todavia, para ser responsável a ação escolhida deve estar
aferida a critérios de certeza. Ora, todo conhecimento objetivo se circunscreve
aos fenômenos, escapando-lhe a essência das coisas. E o conhecimento fenomenológico
é sempre aproximativo. Por mais que a ciência fragmente a matéria, não
conseguirá conhecer-lhe a essência[2].
Aliás, a essência das coisas não é o objeto próprio das ciências exatas e
experimentais. Cabe à Ontologia, tratar da questão do “ser” enquanto “ser”, de
forma especulativa, trabalhando conceitos obscuros que resultam da abstração de
abstrações, como a noção clássica do “ser
em si”. Necessitando de uma âncora confiável para fundamentar os critérios para
escolha da ação, no limite entre o mundo fenomenal e a realidade essencial o
ser consciente elabora concepções que dão margem a profundas especulações sobre
os fundamentos do Universo. Nos últimos
70 anos, com o aval da Física Quântica, investigações teóricas inéditas, quase
apagaram a fronteira entre o espírito e a matéria. Elas (estas investigações
teóricas) estão presentes nas afirmações de pensadores e cientistas de renome
internacional, e implicam numa revisão da mundividência clássica. Assim se
pronunciam pesquisadores eméritos: “A Natureza
não pode ser reduzida a entidades fundamentais semelhantes a blocos de
construção (tijolinhos) da matéria.” “As
coisas existem em função das suas relações mutuamente consistentes.” “O universo material é concebido como uma
rede ou teia dinâmica de eventos inter-relacionados. Nenhuma propriedade de
qualquer das partes dessa rede é fundamental, todas decorrem das propriedades
das outras partes e a consistência global de suas inter-relações determina a
estrutura da rede toda.” Essas idéias estão implícitas na teoria segundo a
qual, “Todos os fenômenos do Universo são
exclusivamente determinados pela mútua auto consistência”. “As partículas são
padrões dinâmicos numa rede inter-ligada de eventos”. Assim, “vários desenvolvimentos importantes da
teoria da Matriz[3]
tornaram possível deduzir resultados característicos do modelo `Quark´[4]
sem precisar postular a existência física desta partícula.” “Dessa forma a
Física Moderna está abalando o axioma da causalidade linear que tem sido o
fundamento da própria Ciência.” Mas nem assim, a Ciência alcança o
conhecimento das essências. As citações acima transcritas[5]
mostram, porém, como é indecidível [6]
o limite entre um “padrão dinâmico” que não tem expressão física (portanto um
ser imaterial), e a matéria organizada. As afirmações contidas nas citações
transcritas anteriormente descerram a cortina desse mundo ainda misterioso que
a Ciência explora tenazmente em busca da Partícula de Deus, o Boson de Higgs[7]
que explicaria a “materialidade” mas não a criação do nosso Universo. No meio
das incertezas (racionais), atendendo à necessidade de um arrimo “absoluto” para os valores existenciais, suportes da ação
responsável, o sujeito da consciência vale-se da intuição (razão) e da fé[8]
que são os canais de acesso a uma possível realidade transcendental que guarda o mistério do “ser”. Para apoiar-se em
algo firme, e não cair no desvario diante das “incertezas” que o oprimem, o
homem, perplexo, pode escolher a alternativa de cultivar apenas a verdade
objetiva, limitada ao mundo sensível, ou assumir a crença nos “imponderáveis”[9]
que permeiam o mundo visível e a consciência, desbordam as explicações
racionais, e ensejam a expectativa de um Dinamismo Absoluto Criativo, objeto de
fé. No primeiro caso, em face da angústia existencial suscitada pela
consciência da “finitude” incontornável resta adotar uma postura estoica; no
segundo caso poder-se-ia alimentar a crença numa transcendência absoluta. É
oportuno lembrar que a limitação racional para entender o Absoluto não implica na
negação do mesmo. Em verdade, deste,
nada se pode afirmar ou negar, do ponto de vista puramente racional. Todavia,
através da experiência mística de
unidade com o “todo” (absoluto), o
homem pode vivenciar a eternidade na perfeição do ser! Místicos famosos dão
testemunho de que a rendição da razão diante
do mistério do “ser” permite ao homem viver a verdade oculta aos olhos da
razão, libertando-o de sua escravidão temporal. O problema prático para
alcançar esta conquista é ser a “Fé” um dom a ser cultivado, não havendo pedagogia
que garanta a eficácia do aprendizado desta virtude indispensável para a
entrega incondicional do ser consciente a uma transcendência incognoscível. Isto nos leva a reiterar o que já dissemos em
outras ocasiões: a resposta ao problema humano é mística, uma vez que a solução
definitiva para a existência[10]
é a entrega consciente e responsável do “si mesmo” ao absoluto intangível.
Everaldo Lopes
[1] O conjunto de características humanas
que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da
comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. [Nas ciências humanas,
opõe-se por vezes à idéia de natureza, ou de constituição biológica, e está
associada a uma capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva
e que é a base das interações sociais.] Dic.
Aurélio XXI
[2]
Aquilo que é o mais básico, o mais central, a mais
importante característica de um ser ou de algo.Houaiss3.
[3] Um
capítulo da álgebra que estuda módulos de arranjos de variáveis lineares
independentes.
[4] Partícula subatômica de carga elétrica
fracionária (2/3 ou 1/3 da carga do elétron) e de spin + 1/2, considerada como
um dos constituintes fundamentais da matéria.(Aurélio Sec.XXI)
[5]Procedentes
do livro de Fritjof Kapra, “O Tao da Física”.
[6] Um indecidível
é uma afirmação que não podemos determinar se é falsa ou verdadeira,
independentemente dos argumentos que tentemos usar.
[8] Segundo
Unamuno, Miguel, ter fé não é crer no que não se vê, mas criar o que não se vê.
[9] Elemento ou circunstância indefinível que
influi em determinada matéria ou assunto. Dic. Aurélio XXI
[10]
Modo de ser peculiar do homem