sábado, 7 de setembro de 2019

O universo tal qual o vemos hoje


Na tentativa de embasar uma visão compreensiva da realidade surgiu-me o desejo de alinhar coerentemente meu pensamento a respeito do mundo e da consciência, atentando como tudo isso começou e evoluiu.
Nessa perspectiva podemos surpreender a forma racional e consequente de uma ordem implícita nos acontecimentos que nos trouxeram até o momento que vivemos.
Partimos de uma constatação óbvia: há duas dimensões que dão realidade concreta às coisas, mas não se podem criar a si mesmas, o tempo e o espaço. Para que uma simples partícula de matéria exista não lhe podem faltar à substância de que é feita, espacialmente delimitada e sua permanência como tal, ou duração cuja medida é o tempo.
Ora, podemos observar, hoje, que numa perspectiva evolucionária desde o big bang, primeira manifestação da matéria passível do registro humano, houve uma ordenação crescente cada vez mais complexa da matéria inicialmente reduzida a simples partículas subatômicas que se condensaram progressivamente formando corpos compostos, organismos vivos e, finalmente, ensejando a vida consciente.
Uma vez que logicamente não há ordem sem intenção, a ordenação da realidade exige uma intenção precedente à organização que se pode confirmar, hoje, mediante a avaliação do curso da própria caminhada dos corpos mais simples até ao mais complexos, desde a matéria primitiva caótica até a organização que oportunizou a emergência da vida consciente.  Ora, a intenção é um fenômeno da esfera consciente. Portanto, a intenção de promover a ordem evolutiva do cosmo e da vida pressupõe uma consciência universal que seja irrestrita, infinita, por definição, um absoluto.
Se admitirmos a hipótese do acaso como explicação do processo evolutivo tal como aconteceu no tempo entre o big bang e a realidade atual, teríamos que aceitar a possibilidade de um anti-acaso que ensejasse a ordem existente hoje, o que equivaleria a um Deus criador, determinante da sequência de coincidências felizes na história da Evolução. Ou seja, a tese da Criação confundir-se-ia com a existência de um anti-acaso ou de absoluto criador (Deus), necessário para justificar o mundo e o próprio homem tal como existem hoje. Logicamente, essa transcendência absoluta (o anti-acaso) não só teria criado tudo que existe, mas precisa estar presente na sua criação, permanentemente, uma vez que a criatura não teria a força para sustentar a própria subsistência e, portanto, abandonada à própria sorte não sobreviveria. Esta afirmação implica na presença temporal indescritível da Transcendência absoluta na própria criatura. Em linguagem coloquial corresponderia à presença real de Deus em cada um de nós. Ora, Deus, puro Espírito é único e indivisível. Mas o Espírito eterno apenas retém as características pessoais amoráveis, construtivas, de cada um de nós, todas as demais se anulam a si mesmas no contexto do absoluto. De tal forma que no espírito eterno sobrevivem apenas a verdade e o amor.
No clímax da Evolução emergiu a consciência que por coerência com a própria ordem evolutiva será, necessariamente, livre e responsável, característica da condição humana, assim propiciando a possibilidade de o indivíduo coparticipar na orientação do próprio devir, colaborando com o Criador.
A capacidade de decidir livre e responsavelmente foi, portanto, uma necessidade do processo evolutivo ao alcançar a maior complexidade estrutural  no indivíduo humano. Tornou-se imperioso, então, mudar o rumo da caminhada evolucionária; até agora centrada no indivíduo, deveria orientar-se daí por diante no sentido psicossocial, tendo em vista a organização solidária de todos os homens. Essa mudança de orientação resultaria, necessariamente, em consequências específicas. Senão vejamos.
Tudo que existe está mergulhado no absoluto transcendental que, necessariamente, é atemporal. Fora do tempo, tudo que a nós nos parece definido (limitado ao tempo-espaço), na história (passado, presente e futuro), está acontecendo simultânea e instantaneamente no presente eterno, expressão mais próxima da atemporalidade inerente ao absoluto transcendental.
Obviamente o presente eterno é um conceito irracional que não obstante especulativamente justificável não se contém numa definição compreensível, embora caiba numa vivência mística.
Ora, a consciência humana atua no tempo espaço, onde tudo se define como realidades discretas, discerníveis pelo contraste. Mas as diferenças que marcam a diversidade das coisas no mundo, em alguma medida se opõem e se anulam no absoluto que as contém. Já no tempo histórico não há superposição dos contrários; se assim não fosse os contrários não se apresentariam isoladamente na exuberância de cada um. Desapareceriam como acontece quando se encontram uma partícula de antimatéria e outra de matéria - elas se aniquilam. Quando isto não acontece o espírito reconhece o mal como uma ruptura da unidade significativa do todo. Seguindo as pegadas do tomismo, doutrina escolástica de Tomaz de Aquino, o mal não teria uma existência real, mas seria ausência do bem.
Absorvida pela atemporalidade original toda realidade se resume à unidade absoluta, própria da transcendência inacessível à razão limitada à dinâmica do espaço-tempo. Exatamente por estar limitada pelo horizonte espaço-temporal cada situação se distingue para a consciência histórica, ao seu tempo, configurando a presença ou não do bem.
No contexto atemporal do absoluto transcendental que se convencionou denominar Deus, não há contrastes. Tudo é essencialmente perfeito na unidade absoluta. A superposição de todos os contrastes os anula instantaneamente, em benefício da unidade absoluta.
Como entidade espaço-temporal a perfeição da criação se prolonga na perfectibilidade humana através da prática consciente, livre e responsável da existência [1], capaz de caminhar no tempo à sombra das ações decorrentes de decisões que refletem a unidade significativa do todo absoluto, perfeito e amorável - Deus. A consequência disso é que o argumento do mal histórico não arranha a perfeição divina.