Na tentativa de embasar uma visão
compreensiva da realidade surgiu-me o desejo de alinhar coerentemente meu
pensamento a respeito do mundo e da consciência, atentando como tudo isso
começou e evoluiu.
Nessa perspectiva podemos surpreender
a forma racional e consequente de uma ordem implícita nos acontecimentos que
nos trouxeram até o momento que vivemos.
Partimos de uma constatação óbvia: há
duas dimensões que dão realidade concreta às coisas, mas não se podem criar a
si mesmas, o tempo e o espaço. Para que uma simples partícula de matéria exista
não lhe podem faltar à substância de que é feita, espacialmente delimitada e
sua permanência como tal, ou duração cuja medida é o tempo.
Ora, podemos observar, hoje, que numa
perspectiva evolucionária desde o big bang, primeira manifestação da matéria
passível do registro humano, houve uma ordenação crescente cada vez mais
complexa da matéria inicialmente reduzida a simples partículas subatômicas que
se condensaram progressivamente formando corpos compostos, organismos vivos e,
finalmente, ensejando a vida consciente.
Uma vez que logicamente não há ordem
sem intenção, a ordenação da realidade exige uma intenção precedente à
organização que se pode confirmar, hoje, mediante a avaliação do curso da
própria caminhada dos corpos mais simples até ao mais complexos, desde a
matéria primitiva caótica até a organização que oportunizou a emergência da
vida consciente. Ora, a intenção é um fenômeno da esfera consciente.
Portanto, a intenção de promover a ordem evolutiva do cosmo e da vida pressupõe
uma consciência universal que seja irrestrita, infinita, por definição, um
absoluto.
Se admitirmos a hipótese do acaso
como explicação do processo evolutivo tal como aconteceu no tempo entre o big bang
e a realidade atual, teríamos que aceitar a possibilidade de um anti-acaso que
ensejasse a ordem existente hoje, o que equivaleria a um Deus criador,
determinante da sequência de coincidências felizes na história da Evolução. Ou
seja, a tese da Criação confundir-se-ia com a existência de um anti-acaso ou de
absoluto criador (Deus), necessário para justificar o mundo e o próprio homem
tal como existem hoje. Logicamente, essa transcendência absoluta (o anti-acaso)
não só teria criado tudo que existe, mas precisa estar presente na sua criação,
permanentemente, uma vez que a criatura não teria a força para sustentar a
própria subsistência e, portanto, abandonada à própria sorte não sobreviveria.
Esta afirmação implica na presença temporal indescritível da Transcendência
absoluta na própria criatura. Em linguagem coloquial corresponderia à presença
real de Deus em cada um de nós. Ora, Deus, puro Espírito é único e indivisível.
Mas o Espírito eterno apenas retém as características pessoais amoráveis,
construtivas, de cada um de nós, todas as demais se anulam a si mesmas no
contexto do absoluto. De tal forma que no espírito eterno sobrevivem apenas a
verdade e o amor.
No clímax da Evolução emergiu a
consciência que por coerência com a própria ordem evolutiva será,
necessariamente, livre e responsável, característica da condição humana, assim
propiciando a possibilidade de o indivíduo coparticipar na orientação do
próprio devir, colaborando com o Criador.
A capacidade de decidir livre e
responsavelmente foi, portanto, uma necessidade do processo evolutivo ao
alcançar a maior complexidade estrutural no indivíduo humano. Tornou-se
imperioso, então, mudar o rumo da caminhada evolucionária; até agora centrada
no indivíduo, deveria orientar-se daí por diante no sentido psicossocial, tendo
em vista a organização solidária de todos os homens. Essa mudança de orientação
resultaria, necessariamente, em consequências específicas. Senão vejamos.
Tudo que existe está mergulhado no
absoluto transcendental que, necessariamente, é atemporal. Fora do tempo, tudo
que a nós nos parece definido (limitado ao tempo-espaço), na história (passado,
presente e futuro), está acontecendo simultânea e instantaneamente no presente
eterno, expressão mais próxima da atemporalidade inerente ao absoluto
transcendental.
Obviamente o presente eterno é um
conceito irracional que não obstante especulativamente justificável não se
contém numa definição compreensível, embora caiba numa vivência mística.
Ora, a consciência humana atua no
tempo espaço, onde tudo se define como realidades discretas, discerníveis pelo
contraste. Mas as diferenças que marcam a diversidade das coisas no mundo, em
alguma medida se opõem e se anulam no absoluto que as contém. Já no tempo
histórico não há superposição dos contrários; se assim não fosse os contrários
não se apresentariam isoladamente na exuberância de cada um. Desapareceriam
como acontece quando se encontram uma partícula de antimatéria e outra de
matéria - elas se aniquilam. Quando isto não acontece o espírito reconhece o
mal como uma ruptura da unidade significativa do todo. Seguindo as pegadas do
tomismo, doutrina escolástica de Tomaz de Aquino, o mal não teria uma
existência real, mas seria ausência do bem.
Absorvida pela atemporalidade
original toda realidade se resume à unidade absoluta, própria da transcendência
inacessível à razão limitada à dinâmica do espaço-tempo. Exatamente por estar
limitada pelo horizonte espaço-temporal cada situação se distingue para a
consciência histórica, ao seu tempo, configurando a presença ou não do bem.
No contexto atemporal do absoluto
transcendental que se convencionou denominar Deus, não há contrastes. Tudo é
essencialmente perfeito na unidade absoluta. A superposição de todos os
contrastes os anula instantaneamente, em benefício da unidade absoluta.
Como entidade espaço-temporal a
perfeição da criação se prolonga na perfectibilidade humana através da prática
consciente, livre e responsável da existência [1], capaz de caminhar no tempo à
sombra das ações decorrentes de decisões que refletem a unidade significativa
do todo absoluto, perfeito e amorável - Deus. A consequência disso é que o
argumento do mal histórico não arranha a perfeição divina.