terça-feira, 10 de julho de 2012

A minha crença I


Percebo Deus como Dinamismo absoluto[1] eternamente criativo presente na intimidade de suas criaturas! A lógica complexa do processo evolutivo cósmico, biológico, psicológico e social é a própria essência de Deus. As leis invioláveis que presidem a Criação representam o discurso divino. E o amor do Criador às suas criaturas se manifesta na harmonia do Universo, prenúncio de radiosa unidade (encontro).  Amar é reunir o que está separado, e separação pressupõe unidade original absoluta. Unidade rota para o observador temporal (criatura inteligente) cuja percepção limitada à contingência, fragmenta a simultaneidade absoluta dos momentos (eternidade). O “Todo Absoluto” é o encontro definitivo, sem tempo, expressão ontológica do Amor divino (o que justifica a afirmação de S. João: “Deus é amor”). Enquanto o amor humano é a vivência da expectativa do “encontro”. O homem se insere no contexto da Criação como colaborador na construção de uma convivência justa e solidária, numa busca ativa (existencial) do encontro total que só se realiza em Deus, mas passa necessariamente pelas relações humanas solidárias.
Nossa Ciência e vã Filosofia jamais penetrarão o mistério[2] da Criação. Todavia o assimilamos quando intuímos a complexidade insondável do macro e do microcosmo, ou vivemos a sintonia das variadas manifestações do amor, ou vivenciamos momentos de plena integração numa totalidade inexcedível (experiência mística que se traduz na vivência da unidade consciência-mundo). Reconhecendo a perfeição do Todo (absoluto), vivemos sem resistência o mistério do “Ser”, numa atitude de entrega mística... Conscientes de que a rebelião contra as limitações da contingência humana é uma incongruência existencial que descuida a disciplina da sensualidade ambiciosa e impede a plenitude do encontro. O verdadeiro místico vive humildemente a integração num Todo perfeito e significativo, identificando-se com o Absoluto no “momento” completo em si mesmo da vivência de unidade de todas as consciências pessoais em perfeita comunidade. Nesta perspectiva a verdadeira prece é mais do que um discurso, são atitudes interiores de solidariedade e compaixão, confirmadas por ações correspondentes. Na oração, reconhecemos nosso vir a ser precário, mas damos testemunho de gratidão ao Criador pela graça das possibilidades imensas que nos assistem. Pedir a Deus é pôr em prática as nossas potencialidades temporais como membros de uma comunidade, para alcançar os objetivos mais nobres, pessoais com implicações coletivas.
O Absoluto cifrado[3] no Universo revela-se no homem através das funções psíquicas superiores. Mergulhando no reino da subjetividade é inevitável assuntar o toque misterioso do link entre as reações físico-químicas que ocorrem na intimidade dos neurônios, e a emergência da consciência reflexiva, do pensamento lógico matemático, do sentimento, e da vontade.  E, por outro lado, não se pode negar a influência psíquica sobre o soma[4]. Porém jamais a Ciência poderá determinar o ponto de transição entre os fenômenos biológicos e as funções psíquicas superiores, nem como se explica na intimidade celular a influência dos estados de espírito (humor) sobre a biologia da célula, reduzindo as defesas imunológicas e desencadeando muitas doenças. É sabido que as defesas decaem quando o indivíduo vive crises de pessimismo, e se elevam por influência do otimismo e do sentimento de segurança; o estresse prolongado produz úlcera gástrica, doenças coronarianas e outras.  Ora, para que tudo isto ocorra são necessárias incontáveis interações bioquímicas nas células do nosso corpo físico. A realidade é muito complexa e a partir de certo momento escapa às mensurações científicas. Mas há interações sutis ditas instintivas entre os seres vivos e a Natureza. Senão, como explicar fenomenologicamente os grandes movimentos migratórios de aves e peixes? No plano psicossocial também não se explica objetivamente como se dá a comunicação subliminar. Mas ela é um fato. Li, não sei onde, o resultado de uma experiência em que se projetava, durante a exibição de um filme, em letras ilegíveis num cantinho da telona a recomendação “Coma pipocas”. E após a projeção, ao sair do cinema os espectadores foram em bandos comprar pipocas. Eles não tinham consciência da leitura do anúncio, mas se comportaram como se tivessem sido sugestionados (de forma subliminar) pela insinuação nele contida. Testes cientificamente conduzidos demonstraram a eficácia de comunicações telepáticas fisicamente inexplicáveis!... Todos estes fatos evidenciam que na realidade palpável atuam forças que escapam à explicação científica. Então, por que não admitir que a prece coletiva feita com fervor opera resultados extraordinários? O que habitualmente recebe a denominação de milagre é um encurtamento do tempo que a natureza levaria para alcançar espontaneamente um efeito determinado. Em se tratando de fenômenos físicos corresponderia a uma catálise inusitada, pela intervenção de recursos naturais ainda não conhecidos. Em se tratando de fenômenos sociais implicaria num reforço à realização de um desejo comum, que resulta da convergência de forças psíquicas. Em ambos os casos o milagre escapa a uma explicação científica, objetiva, mas não viola as leis que regem a Criação, abrindo espaço, todavia, para atribuir-se aos fenômenos incomuns a intervenção de um poder absoluto misteriosamente presente no mundo aparente, palpável!... Não foi à toa que Jesus, o homem mais inteligente, intuitivo e sábio que já habitou este Planeta disse aos que o seguiam: “Quando dois ou mais de vós vos reunirdes em meu nome estarei presente entre vós”. Ele sabia que a unanimidade das consciências pessoais retém um poder que ninguém possui individualmente. O que se opõe, então, à admissão de que este poder, agindo através da comunhão de criaturas inteligentes é uma emanação do próprio Deus, capaz de promover resultados que não se explicam cientificamente? Segundo o Holismo[5] representaria no contexto de uma lógica complexa a influência do Todo na organização das partes!
Lamentável e inevitavelmente, a mensagem existencial e comunitária dos mestres espirituais, ontologicamente alicerçada, se transforma em um discurso ético nas pregações pastorais. Mumificada na rigidez da letra, a mensagem apenas estabelece limites éticos nas relações entre a criatura e seu Criador.  Assim, as preces se tornam uma prática solitária. Mesmo reconhecendo o valor histórico das Instituições religiosas, sabemos que é impossível institucionalizar uma mensagem existencial. Todavia não há outra forma de transmiti-la através das gerações senão num contexto institucional. Sem este recurso poder-se-ia perder o “lembrete” da mensagem original, uma fórmula apenas, todavia capaz de induzir reflexões transcendentais, e de sensibilizar os que tiverem a ventura de ler nas entrelinhas, uma verdade que não se pode verbalizar.
É mister rever a pedagogia da evangelização, enfatizando mais o valor da ação solidária, do que a obediência cega ao estatuto ético. Vista por esta ótica, a virtude é própria da ação comunitária, e não se resume à aceitação intelectual de um preceito!
É inteiramente incompatível com a coerência lógica a desvinculação do Dinamismo Absoluto eternamente criativo, de sua criação. Conceitualmente o Absoluto tudo inclui, nada existe fora d´Ele. N´Ele o Todo é que determina a integração das partes! A Criação não é um fato isolado, mas um fazer permanente no qual a criatura consciente e o Criador estão necessariamente implicados. Nesta perspectiva, a eternidade não vem depois, mas é algo que já está no “presente”, movimento intérmino, constante... janela através da qual o ser consciente assiste ao desfile do tempo cósmico que se desfaz no absoluto intangível, sem princípio e nem fim.
Perdoem-me os realistas científicos e dogmáticos. Não me confundam com um panteísta materialista. Mas, vivo a crença num Dinamismo Eternamente Criativo indissociável da sua criação; humildemente, minha Religião se confunde com o exercício consciente e responsável do Livre Arbítrio em busca da perfeição perdida; a minha Catedral é o Mundo; minha família é a Humanidade!         

Everaldo Lopes.


[1] Diz-se do que existe em si e por si, não depende de outrem ou de coisa alguma. Realidade que fala através dos fenômenos porém transcende as dimensões espacial e temporal.
[2] Mesmo que seja confirmada a descoberta recente do Boson de Higgs esta conquista da Ciência continua sendo apenas uma aproximação, nunca a revelação do mistério da Criação.
[3] Termo criado por Carl Jaspers para caracterizar a presença do absoluto no ser contingente.
[4] O conjunto das células do organismo vivo, com exceção dos gametas.
[5] Holismo: abordagem, no campo das ciências humanas e naturais, que prioriza o entendimento integral dos fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são tomados isoladamente [Por ex., a abordagem sociológica que parte da sociedade global e não do indivíduo.](Houaiss3)
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