sábado, 15 de novembro de 2014

Temas para meditação


O cosmo, a vida, o homem são realidades cuja complexidade desafia o entendimento racional. Contudo, astrofísicos, paleontólogos, arqueólogos, biólogos e antropólogos tentam compreender cada vez mais os segredos que envolvem a origem do mundo, a estrutura da vida e a condição humana. Suas investigações nos oferecem, hoje, uma visão impressionante do que  possivelmente  aconteceu. Os dados obtidos através da observação científica são estonteantes. E mesmo  assim tudo que sabemos é apenas uma aproximação da realidade. À luz da teoria do big bang a matéria surgiu há 15 bilhões de anos, depois de uma grande explosão fenômeno que deu o nome à citada teoria. Por muito tempo após a fantástica explosão a matéria  primitiva permanecera caótica,  feita de radiações que alternavam com partículas subatômicas movendo-se a velocidades próximas à da luz, submetidas a temperaturas altíssimas  e a pressões inimagináveis. Nesse ambiente físico não havia condição sequer para a organização de um simples átomo de hidrogênio, o mais simples de todos. Com o resfriamento paulatino as subpartículas foram se organizando em átomos, moléculas e corpos compostos, numa complexificação crescente, e há 5 bilhões de anos surgiu a Terra, obviamente, ainda despovoada de qualquer forma de vida. Muito depois, há 3,5 bilhões de anos surgiram nos oceanos primitivos organismos monocelulares equivalentes a bactérias e algas. Em seguida, através de muitos ensaios biológicos evolutivos sobrevieram sucessivamente, os moluscos, os peixes, os anfíbios, os répteis, as aves, os mamíferos e dentre estes os antropóideos, os hominídeos e finalmente o homem capaz de reconhecer-se como  consciência reflexiva. Nele há 1 milhão de anos começaram a desabrochar capacidades como a de pensar logicamente, a de imaginar, a de refletir, e de articular uma intenção. Mas só há 200.000 anos desenvolveu-se do gênero homo, a espécie sapiens capaz de dominar o raciocínio abstrato, de fazer introspecção e resolver problemas, assim como introduzir mudanças programadas no meio ambiente. Há 50.000 anos na subespécie sapiens sapiens da qual somos representantes, o homem alcançou a melhor performance dessas características. Mas só 3.000 anos antes de Cristo nasceu a primeira escrita silábica, marcando a passagem da pré-história para a história. Grosso modo podemos dizer que o patrimônio cultural humano com registro escrito se estende durante os últimos 5.000 anos.
            A cultura progressivamente construída pelo homem é cumulativa, por isso o acervo cultural evolui de forma exponencial. Mas durante um longo período esse processo caminhou a um ritmo muito lento. Só há muito pouco tempo o crescimento cultural exponencial se tornou mais evidente. Examinando os fatos que marcaram a Evolução mais recente, constata-se que embora a subespécie que representamos exista há 50.000 anos, surpreendentemente, nos últimos 65 anos o progresso científico e  tecnológico foi maior do que o que ocorreu nos 49.935 anos anteriores.            Estamos sentindo, hoje, na própria pele a repercussão cultural deste progresso.
  Para evidenciar uma visão panorâmica temporal da Evolução, Carl Sagan propôs comprimir o tempo de existência do universo em um ano  do calendário solar. Nessa escala o big bang teria ocorrido no segundo inicial do dia primeiro de janeiro do calendário cósmico, e a história escrita do homem estaria se desenrolando nos últimos segundos do dia 31 de dezembro deste mesmo ano.
 Não obstante o avanço cultural constatado em nossos dias, o mundo apresenta-se ainda dividido em centros de excelência civilizacional ao lado de grandes bolsões de pobreza e ignorância caracterizados por precárias condições alimentares, habitacionais e sanitárias de grupos humanos numerosos. Essa disparidade ameaça a própria Evolução que a fim de seguir adiante deve contar com a solidariedade comunitária de todos os homens, incompatível com as diferenças econômicas e sociais excludentes. A razão desse descompasso da caminhada evolutiva é que  avançamos muito do ponto de vista científico e tecnológico, porém muito pouco do ponto de vista emocional, e solidário. Em verdade essa discrepância repousa em que para ampliar o conhecimento objetivo da realidade basta fazer uso apropriado da razão; enquanto a capacidade de interagir com o próximo em função da solidariedade coletiva exige muito mais,  demanda esforço pessoal competente e mantido no combate ao egoísmo e à ambição, coadjuvado pelo compromisso com o bem comum. Aliás, como já sinalizamos antes, dessa conquista depende o futuro da própria Humanidade. O homem ocupa na linha da Evolução o momento em que o vetor  do movimento  evolucionário muda de direção, da estruturação e aprimoramento biológico dos indivíduos humanos, para a organização social dos mesmos. Ou seja, a partir do homem a Evolução dependerá da capacidade dos indivíduos de organizarem-se em comunidade. Os humanos devem impor-se livremente uma organização social flexível que garanta a sustentabilidade da espécie, mediante comportamento criativo, original, diferentemente de tentativas evolutivas anteriores de organização social confiada a determinismos instintivos (sociedade das abelhas e das formigas). Dessa forma recai sobre o ser consciente a responsabilidade de contribuir com sua ação livre, criativa, para o desfecho da própria Evolução. Mas, não obstante assumir no processo evolucionário a dimensão de parceiro voluntário do próprio “Dinamismo absoluto criativo”, o homem continua vivenciando sua condição de criatura, finito, preso às limitações temporo-espaciais. Continua prisioneiro dos prazos inextensíveis da vida biológica, escravo de sua contingência incerta, com tempo de validade determinado e previsível. Diante das incertezas inerentes à própria contingência, na sua caminhada evolutiva o homem sente necessidade de um referencial totalmente confiável que o oriente sem deixar dúvidas sobre os caminhos a seguir e a forma correta de participar da evolução. Sem um referencial totalmente confiável o projeto existencial fica limitado por um sistema de referência incapaz de definir com autoridade o papel que cabe  ao homem protagonizar na história da Evolução. A ciência, por sua  própria natureza objetal não pode propor um valor absoluto transcendental que sirva de referência ao processo evolutivo. Então, para preencher essa necessidade o homem recorreu em diferentes épocas a uma autoridade externa representada ora por entidades mitológicas, ora por divindades cultuadas mediante práticas religiosas. De qualquer forma fica bem claro que para sua completa realização o homem  necessita arrimar-se num absoluto transcendental.  Ora este absoluto transcendental ultrapassa os limites da matéria sugerindo uma  realidade espiritual que fundamenta o mundo, revela-se na condição humana, e nela o  homem se realiza plenamente. Realidade eventualmente  vivenciada numa experiência subjetiva essencialmente mística[1]  (existem relatos históricos de místicos famosos). Ao admitir  uma mundividência espiritualista  torna-se presumível que quando a morte sobrevier a consciência assumirá sua essência transtemporal, num outro nível de vida.
Do que ficou dito depreende-se que reconhecendo a própria contingência  a segurança e a felicidade do homem nessa vida consiste na sua contextualização  num todo absoluto, essencialmente significativo com o qual mantenha uma relação de confiança. Nesta contextualização o ser consciente conta com a certeza de que na unidade absoluta  tudo tem sentido, desfazendo-se nela todas as contradições. Mesmo que jamais venhamos a entender nessa vida por que as coisas acontecem do jeito que acontecem, a favor ou contra o nosso desejo, os desencontros temporais que transtornam a realidade histórica não perturbarão a harmonia da unidade absoluta de tudo quanto existe. No vir a ser histórico do homem o sofrimento é tão fugaz quanto o prazer que a vida pode oferecer. Conceitualmente podemos dizer numa linguagem mística que só a unidade transcendental (em Deus) de todas as consciências reúne toda paz e felicidade possíveis para todo o sempre. Especulações metafísicas podem dar suporte remoto a essa visão espiritualista criacionista do cosmo, da vida e do homem. Mas a fé filosófica que busca apoiar-se nestas especulações  não tranquiliza tanto quanto a crença ingênua que não procura um amparo racional para consagrar  a existência individual a um Deus pessoal interessado em sua criatura.  
Everaldo Lopes





[1] Experiência subjetiva em que um indivíduo dá testemunho de ter tido um encontro ou uma união com  entidade divina, ou ter tido contato com uma realidade transcendental.