Após a transição da
sociedade teocêntrica, baseada em dogmas, para a sociedade antropocêntrica
fundamentada na razão, o homem passou a viver a era das incertezas. Ora, a
duvida afeta o sucesso do processo evolutivo que agora depende das escolhas
humanas conscientes livres e responsáveis ditas existenciais. Para escolher consciente
e responsavelmente o homem precisa, então, de referenciais confiáveis – os
valores. Já sabemos que a existência[1]
autêntica se constrói em torno de valores. Mas na ausência do suporte dogmático
não se podem definir valores sem uma visão abrangente da realidade dentro da
qual eles se contextualizem. Esta mundividência difere entre espiritualistas e
materialistas; os últimos a fundamentam no absoluto simbolizado num corte
conceitual da realidade apreensível, enquanto os primeiros a fundamentam num
absoluto transcendental objeto de especulação metafísica. Nestes termos, uma
vez assumidos, os valores garantem um arremate coerente da “existência” como
parte do “todo” considerado. Dentro de uma visão holística, em ambos os casos a
influência do “todo” é determinante na interação de suas partes, na medida em
que os valores são assimilados pelos indivíduos. Sendo referenciais do
comportamento ético, estes valores devem ser consumados no plano ontológico
vivencial de cada um para que possam preencher a sua função construtiva existencial. A principal missão do
homem neste processo, em qualquer dos casos é promover a organização social
comunitária sem a qual a espécie humana não terá futuro. Para avaliar a
veracidade desta afirmação apocalíptica basta levar ao extremo as consequências
que podemos prever se forem mantidas as tendências atuais assinaladas pelos indicadores
econômicos, sanitários educacionais e políticos, incidentes em mais de dois
terços da população mundial.
Como ficou sugerido no primeiro texto desta
série, o processo de humanização não é natural, mas, eminentemente cultural.
Ele envolve, necessariamente, elaborações que são frutos da livre escolha -
liberdade cuja prática se confunde com o ato de existir. Este foi o grande salto na história da Evolução. Daí a
responsabilidade inerente ao exercício coerente da consciência[2]. A paz interior nessa
caminhada heróica de afirmação existencial é experimentada por cada um na
prática do amor à Verdade que é a essência de todas as virtudes morais. Verdade
substantiva que ultrapassa os limites da razão temporal, e garante a coerência da
realidade evolutiva universal.
A análise dos indicadores disponíveis do
desenvolvimento humano no planeta nos leva hoje a uma perspectiva sombria do
futuro da Humanidade. Há pequenas ilhas de excelência tecnológica e humanística,
mas são paupérrimos os resultados do esforço de universalização das
oportunidades de participação desta excelência por todos os homens. Cabe-nos,
porém, fazer uma profissão de fé no homem, em substituição à fé depositada na
ciência, que caracterizou o cientificismo contemporâneo do Movimento
Renascentista. O que está por trás deste novo ato de fé é uma expectativa otimista
de confiança na fidelidade humana ao exercício responsável da consciência livre,
nas escolhas inerentes ao processo evolutivo que se prolonga nas relações
sociais e ecológicas. Se a Evolução, guiada pelas assim chamadas Leis Naturais (determinismos
inconscientes) alcançou a complexidade que podemos constatar, hoje, é razoável
pensar que o "ser consciente", marco privilegiado da Evolução há de concluir, com sucesso, a
obra iniciada. Destinado a realizar o objetivo maior deste processo evolutivo, o
homem, finalmente, saberá usar o livre arbítrio na condução das suas manifestações
psicossociais, compatibilizando-as com os valores que convergem para a
organização de uma humanidade solidária. O grande obstáculo a vencer é o de
alcançar o compromisso de todos os homens na participação do mutirão em prol da
organização comunitária da Humanidade.
O arremate da Aventura humana será,
necessariamente, um movimento coletivo livre, consciente e responsável que
mobilize a humanidade inteira na construção da comunidade universal. Diante da
descrença que esta afirmação pode suscitar, permitam-me uma divagação analógica
arrojada. Não obstante sejam fabulosas as situações confrontadas na analogia
que proponho agora, o grau de verossimilhança da unanimidade dos homens no sentido
de realizarem uma só comunidade seria o mesmo inerente à avaliação de um
observador hipotético do big bang a quem fosse anunciado que a “poeira cósmica”
se organizaria, um dia, em vida consciente! Todavia damos testemunho, neste instante
mesmo, com a concepção deste texto, de que o que parecia impossível aconteceu. Diante
desta constatação, seria razoável eliminar, hoje, sob a
alegação de ser absurda, a possibilidade do consenso
de todos os homens no sentido da realização da comunidade humana? Com esta indagação deixamos no ar a ideia de um
Absoluto atuando sob a forma de "imponderáveis" na complexa realidade palpável
conhecida através dos sentidos!
Everaldo Lopes