Embora
boa parte do comportamento humano seja culturalmente estabelecida, a todo
instante cada um é desafiado a escolher e a agir criativa e coerentemente.
Coerência inspirada no autorrespeito, no respeito ao próximo e à natureza tendo
em vista a consecução de uma meta humanística nobre. A hora da decisão está
sempre no presente psicológico definido em texto anterior como o “agora”. Ou
seja, o intervalo que abrange os segmentos imediatos do passado e do futuro, separados por um corte no tempo - o presente ontológico[1] - janela da eternidade.
As decisões maiores se referem ao que cada indivíduo pode e deve fazer da
própria existência, como realizar as potencialidades pessoais, como comportar-se
diante de questões econômicas, políticas e sociais, harmonizando objetivos
pessoais e coletivos. As decisões menores estão relacionadas ao modo como
aproveitar as horas ociosas no vir a ser pessoal. Mas todas as decisões envolvem
algum tipo de responsabilidade inerente ao exercício da condição humana[2]. As escolhas e
decisões definem o modo de ser próprio de cada um.
Ao confrontar sua
realidade existencial o homem pode ser otimista ou pessimista, objetivo,
racional, ou entregue a fantasias românticas, senhor do seu próprio nariz ou
dependente da opinião alheia, confiante ou falto de esperança. Mas não pode
fugir da responsabilidade inerente ao exercício da liberdade inseparável da condição humana. A tarefa de existir
não é fácil, ao contrário é exigente. Basta lembrar que construímos nossa
existência em torno de valores éticos que são preceitos capazes de guiar a ação
humana, e que de modo relativo ou absoluto são tidos ou devem ser tidos como objetos de estima ou
desejo. Nesta perspectiva, a menos que esteja embasado no amor, o comportamento
ético não ocorre naturalmente no vir a ser pessoal. Sem amor, o homem se impõe agir
eticamente por dever. Pivô da existência, o valor ético constitui-se no referencial
do caráter pessoal. A existência está sempre referida à contextualização
cultural do vir a ser humano num todo significativo, à sombra dos valores éticos
assumidos. Nesse sentido é indispensável o exercício coerente da consciência
livre e responsável fundamentada em princípios éticos. Princípios que são
impessoais e exigem a disciplina da tendência egoica dos indivíduos. O
equilíbrio do comportamento humano nas relações psicossociais que não se inserem
num contexto amoroso fica, portanto, na
dependência de uma prática voluntariamente adotada. Diante das alternativas
entre as quais necessita fazer sua opção, o indivíduo vivencia não raro o
conflito íntimo de suas dimensões racional e afetiva. Neste momento torna-se
necessário o esforço voluntário para agir corretamente. E como grande parte do
psiquismo humano funciona abaixo do plano consciente, para salvaguardar a ordem
social é fundamental a interdição dos impulsos inconscientes egoísticos conflitantes
com os valores assumidos. Sem a interdição necessária das pulsões egoísticas
antissociais não há civilização.
Para os que creem, Deus
se revela através de intuições que também emergem dos planos inconscientes da
psique. E em parceria com o homem seu Criador o conduz equilibrado sobre o fio
da navalha de um vir a ser incerto em busca da realização suprema que encerra a
expectativa de felicidade plena. A sabedoria e a santidade evoluem com o reconhecimento
e superação ou aceitação criativa das limitações impostas pela contingência da
condição humana. Na verdade, o homem sobrevive milagrosamente no meio da
impermanência de tudo. É muito estreita a faixa de segurança do seu devenir, no
qual ele conta apenas com um poder limitado de controlar as vicissitudes da
contingência circunstancial. Do ponto de vista biológico, o equilíbrio instável
é necessário ao dinamismo da vida; deve-se pois cultivar este equilíbrio e não a
expectativa da estabilidade que no processo vital corresponde à morte do
organismo vivo. Nestes termos algum controle é sempre possível, mas não se
podem descartar os imprevistos, e muitas situações imutáveis. Por outro lado como
ser consciente o homem precisa transcender-se permanentemente, e neste processo
existencial o limite é o absoluto. A necessidade humana de transcender só se
satisfaz na completude unitária do absoluto. O controle do equilíbrio
fisiológico instável e a administração da capacidade de transcender exigem
respectivamente autonomia da vontade e criatividade. Virtudes essenciais para atender
aos cuidados sanitários biologicamente requeridos, e à inovação pessoal mediante
superação individual dos próprios limites.
A
paz cai mansamente sobre quem reconhece sua impotência como ser contingente, e
mergulha de olhos fechados no porvir desconhecido, arrimado nos valores
assumidos e confiante na misericórdia divina. O suporte racional mais forte para
esta aceitação repousa na compreensão de que no âmbito do absoluto (por
definição, único) se consuma a solução de todos os problemas existenciais. Usando
o vocabulário teológico diríamos que de Deus (absoluto) tudo provém e a Ele
tudo retorna num movimento infinito no qual tudo se integra, anulando-se todas
as contradições existenciais. Este background especulativo ampara a confiança na
consumação harmoniosa da realidade universal embora se ignorem os detalhes
imponderáveis do percurso até esse desfecho. Esta seria a única forma de o ser
consciente ficar mais à vontade diante do seu destino histórico incerto,
fortalecido pela certeza de fé num arremate glorioso para a existência. Nas horas de crise nas quais não se
vislumbra como integrar a existência numa realidade significativa confortável,
a afirmação especulativa da consumação harmoniosa da existência alimenta a fé
no arremate perfeito da realidade temporal no horizonte da eternidade. Amparado nesta crença, nos momentos difíceis
da vida resta pedir humildemente o amparo transcendental. Nesse instante
crucial ajuda muito o saber especulativo de uma ordem suprema inerente à
perfeição do Absoluto criador. Aqui vale lembrar o comportamento exemplar que o
Mestre dos mestres nos deixou. Em situação de extrema vulnerabilidade Ele suplicou:
“Senhor, se for possível afastai de mim este cálice!” Não negou seu desejo de
aliviar-se da dor moral e física, mas permaneceu confiante e submisso à vontade
divina. No percurso da existência o homem constrói um protocolo que lhe permita
controlar com mais segurança o devir existencial sobreposto ao puro dinamismo
vital. Mas há sempre limites inerentes à própria contingência humana. Diante do
último limite (a morte) mais uma vez o Mestre dos mestres na sua imensa
sabedoria, colocou-se ante o Absoluto criador e orou: “Senhor, está tudo
consumado. Em Tuas mãos entrego a minha alma.” Uma lição de humildade e
confiança que aconchega a contingência humana sob o manto do Deus pai
misericordioso. Nos dois momentos em que Jesus invocou o amparo do Pai não
assumiu apenas uma postura piedosa, mas um gesto profundamente humano de
confiança na perfeição e no amor do Criador.
Homem como qualquer um
de nós, Jesus deu testemunho de que podemos ser verazes, justos e generosos, e
só palmilhando este roteiro existencial alcançaremos conduzir o processo da
perfectibilidade humana na plenitude de um contexto comunitário. O homem não
precisa ser fisicamente crucificado, mas terá de carregar a sua cruz com
dignidade.
A grande missão de Jesus foi desafiar o brio
dos homens de todas as épocas a descobrir e professar as verdades sintetizadas
no Sermão da Montanha[3], o único caminho para
a realização plena da humanidade.
De tudo que ficou dito
nesse resumo despretensioso do vir a ser humano, depreende-se que a salvação da
espécie Homo Sapiens sapiens depende das decisões pessoais livres e
responsáveis de cada indivíduo, fundadas na prática da cooperação e da
partilha, voltadas para a construção da comunidade humana!
Everaldo Lopes.
[1] O “presente” nunca passa,
é sempre o mesmo. No vir a ser histórico os acontecimentos é que passam por ele. O corte no tempo corresponde à
própria atemporalidade assimilável à ideia de eternidade. Ponto fixo,
referencial para a sucessão de segundos, minutos, horas, dias etc. que marcam o
tempo cósmico.
[2] Ser consciente e responsável.
3- “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é
o Reino dos Céus.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem-aventurados os que tem fome e sede de Justiça, porque serão fartos.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão a Misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a face e Deus.
Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da Justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem, perseguirem e mentirem, dizendo todo mal contra vós por minha causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é grande vosso galardão nos céus, porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós."
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem-aventurados os que tem fome e sede de Justiça, porque serão fartos.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão a Misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a face e Deus.
Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da Justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem, perseguirem e mentirem, dizendo todo mal contra vós por minha causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é grande vosso galardão nos céus, porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós."
Mateus 5, 1-12