A
inquietação existencial[1] decorre da falta de
comunicação entre as pessoas, e dos medos inevitáveis: o de envelhecer, o de
adoecer, e o de morrer. A falta de comunicação é responsável por muitos conflitos
desde os atritos inter-individuais, passando pelas disputas sociais, até as
guerras entre as nações. Por sua vez, os três medos citados comprometem o
sossego do homem.
A solução para a dificuldade
de comunicação começa com a prática do respeito ao outro, como uma projeção do
respeito de cada um por si mesmo. Sobre esta base psicossocial o exercício equilibrado da razão, o controle emocional e o
amor à verdade são fundamentais para a comunicação saudável indispensável à ética
das relações humanas. O comportamento ético centrado na verdade e na justiça
garante um mínimo de disciplina individual e estabilidade social.
Não há antídotos
específicos para os grandes medos. Mas o bom senso recomenda vivê-los sem
dramatiza-los, encarando a velhice, a doença e a morte como desafios que é
preciso enfrentar corajosamente, sob o amparo das forças morais que estruturam
a integridade pessoal. Entendo a coragem como a disposição e a determinação de
superar o medo. No vir a ser consciente a razão abre novos horizontes, mas o
que salva o homem nos momentos de crise é a coragem de viver sua realidade
psicossocial instável e desafiante, coerente com os valores que lhe servem de
pivô à existência pessoal. Nesta perspectiva, os espiritualistas se amparam na
esperança da realização pessoal, integrando-se à unidade absoluta
transcendental (Deus), enquanto o materialista vive sem esperança a
precariedade incontornável de sua contingência. De qualquer forma, o homem reagirá
a cada ameaça ao seu devir, primeiro negando-a, depois se revoltando, depois
barganhando, depois desesperando para, então, aceitar a realidade hostil[2]. É assim que evolui o
vir a ser incerto do homem. Contudo, cada um precisa estar arrimado em valores morais
para vencer com brio todas as etapas do processo de enfrentamento das
adversidades.
O sujeito consciente gostaria
de dispor de um esquema estruturado de condutas eficientes a serem postas em
prática nas ocasiões de perigo iminente físico ou psíquico. Desejo que encobre
o medo do desconhecido, associado à busca de segurança. Potencializados, este
medo e esta busca são vividos de forma compulsiva pelos indivíduos obsessivos. Mas,
afinal, considerando que um protocolo defensivo efetivo aliviaria a ansiedade existencial,
qual seria o algoritmo mais eficaz para lidar com os três grandes medos? Diante das situações que inspiram medo a conduta
ideal pode ser resumida em atitudes práticas tranquilizadoras, quando possível,
ou de aceitação do inevitável. Nesta perspectiva a primeira coisa a fazer é a análise
racional da situação. Esta análise
evidenciará a natureza e possibilidades de neutralizar a ameaça emergente
paralelamente à consciência de que mais cedo ou mais tarde determinados acontecimentos
indesejáveis acontecem sempre, não há como evita-los indefinidamente. Eles fazem
parte da própria finitude cuja última fronteira biológica se anuncia com o
diagnóstico de uma doença terminal. É, então, chegado o momento de arregimentar
todas as forças morais para encarar o fim inevitável. Jamais alguém
experimentará a própria morte. A expectativa da morte é que atormenta não a
morte em si. É evidente, porém, que deixar-se envolver pela espera do pior
muito antes de chegar o momento fatal é uma prática absurda que alimenta,
desnecessariamente, o confronto traumático entre o desejo de viver e a consciência
do fim, mesmo que este esteja muito distante ainda. Tal comportamento gera uma inquietação
desnecessária, prolongada e inútil. O homem lúcido, equilibrado, aprende a
encarar filosófica e estoicamente o envelhecimento a doença e a morte como
eventos indissociáveis do vir a ser temporal. Isso não representa uma
indiferença às ocorrências temidas, mas a capacidade de enfrentar as situações
infaustas sem perder o equilíbrio pessoal resultante de um aprendizado contínuo.
Neste processo as “quedas” não podem ser evitadas, mas é possível alimentar com
ânimo a disposição de “levantar” tantas vezes quantas forem necessárias.
O depois da morte para o
ser consciente será o esquecimento total de si mesmo, ou o arremate beatífico
da existência, num retorno ao absoluto do qual viemos e no qual todas as
contradições se resolvem na unidade perfeita. Entendo assim quando a Bíblia
fala de “ver a face de Deus” .Os que
creem no espírito esperam esta apoteose. A primeira alternativa (o esquecimento
total) é fundamentalmente materialista; a segunda é um desdobramento místico em
que a morte implica em libertar-se o espírito de sua manifestação material para
integrar-se na unidade absoluta representada pela comunidade de todas as consciências.
Nesta perspectiva a morte será a porta que se abre para a realização das
possibilidades infinitas do espírito, até então limitadas por restrições
temporais. Alongando indefinidamente a existência temporal continuaríamos
reféns das limitações impostas pela realidade bio-psico-social. Por outro lado,
embora a libido não envelheça com a mesma rapidez da pele, o envelhecimento torna
cada vez mais distante senão impossível reproduzir o prazer colhido nos anos da
juventude. E este, aliás, de tão fugaz, quando possível, logo se transforma em
lembrança – ilusão. Portanto, a morte temida nos roubará principalmente ilusões.
Ora, sabemos que investir cegamente em ilusões predispõe inevitavelmente a
decepções! A consciência disso fortalece o desejo de transcender a fugacidade
temporal na certeza de que só o amor permanece. Aliás, somente quando amamos e
criamos vivemos plenamente. A verdade, porém é que amamos e criamos
episodicamente. Na maior parte da existência vivemos emoções menores e até
frustrações, mergulhados na rotina cultural. É que os momentos de plena
realização pessoal são pontuais, raros, comumente a existência reúne muitas
expectativas mas somente algumas delas se convertem nas ações significativas
esperadas.
A dificuldade de encarar
objetivamente a finitude explica a depressão e o desespero que antecedem a
aceitação das perdas existenciais. Esta aceitação não significa uma defecção do
desejo de viver, mas sim um esforço para desvalorizar a conotação trágica das
perdas menores e da própria morte. A todos aflige a certeza de que em certo
momento da curva do tempo ocorrerá o desenlace da vida sobre a Terra... Expectativa
que o sujeito consciente somente pode anular alimentando a experiência de total
integração num todo absoluto cuja natureza unitária apaga a fronteira entre a
vida e a morte. Esta é a experiência dos
místicos que em vida conseguiram romper a barreira do tempo, e vivenciando uma
transcendência absoluta percebem a morte biológica como termo da existência
temporal, e libertação do espírito para a vida eterna. Não obstante, toda
“existência” é heroica, uma vez que o exercício coerente da liberdade exige do
homem a coragem de romper com os determinismos biológicos, e de fazer suas
escolhas sem qualquer garantia além do seu próprio aval. A libertação destes
determinismos é fundamental para a construção histórica da comunidade humana
que se pode considerar o objetivo último da evolução da vida. Sobre o homem
pesa o desafio de exercitar responsavelmente sua liberdade tendo em vista este
objetivo.
Everaldo Lopes