terça-feira, 18 de junho de 2013

Fatores críticos da existência



            A inquietação existencial[1] decorre da falta de comunicação entre as pessoas, e dos medos inevitáveis: o de envelhecer, o de adoecer, e o de morrer. A falta de comunicação é responsável por muitos conflitos desde os atritos inter-individuais, passando pelas disputas sociais, até as guerras entre as nações. Por sua vez, os três medos citados comprometem o sossego do homem.            
A solução para a dificuldade de comunicação começa com a prática do respeito ao outro, como uma projeção do respeito de cada um por si mesmo. Sobre esta base psicossocial o exercício  equilibrado da razão, o controle emocional e o amor à verdade são fundamentais para a comunicação saudável indispensável  à  ética das relações humanas. O comportamento ético centrado na verdade e na justiça garante um mínimo de disciplina individual e estabilidade social.
Não há antídotos específicos para os grandes medos. Mas o bom senso recomenda vivê-los sem dramatiza-los, encarando a velhice, a doença e a morte como desafios que é preciso enfrentar corajosamente, sob o amparo das forças morais que estruturam a integridade pessoal. Entendo a coragem como a disposição e a determinação de superar o medo. No vir a ser consciente a razão abre novos horizontes, mas o que salva o homem nos momentos de crise é a coragem de viver sua realidade psicossocial instável e desafiante, coerente com os valores que lhe servem de pivô à existência pessoal. Nesta perspectiva, os espiritualistas se amparam na esperança da realização pessoal, integrando-se à unidade absoluta transcendental (Deus), enquanto o materialista vive sem esperança a precariedade incontornável de sua contingência. De qualquer forma, o homem reagirá a cada ameaça ao seu devir, primeiro negando-a, depois se revoltando, depois barganhando, depois desesperando para, então, aceitar a realidade hostil[2]. É assim que evolui o vir a ser incerto do homem. Contudo, cada um precisa estar arrimado em valores morais para vencer com brio todas as etapas do processo de enfrentamento das adversidades.
O sujeito consciente gostaria de dispor de um esquema estruturado de condutas eficientes a serem postas em prática nas ocasiões de perigo iminente físico ou psíquico. Desejo que encobre o medo do desconhecido, associado à busca de segurança. Potencializados, este medo e esta busca são vividos de forma compulsiva pelos indivíduos obsessivos. Mas, afinal, considerando que um protocolo defensivo efetivo aliviaria a ansiedade existencial, qual seria o algoritmo mais eficaz para lidar com os três grandes medos?  Diante das situações que inspiram medo a conduta ideal pode ser resumida em atitudes práticas tranquilizadoras, quando possível, ou de aceitação do inevitável. Nesta perspectiva a primeira coisa a fazer é a análise racional da situação. Esta análise evidenciará a natureza e possibilidades de neutralizar a ameaça emergente paralelamente à consciência de que mais cedo ou mais tarde determinados acontecimentos indesejáveis acontecem sempre, não há como evita-los indefinidamente. Eles fazem parte da própria finitude cuja última fronteira biológica se anuncia com o diagnóstico de uma doença terminal. É, então, chegado o momento de arregimentar todas as forças morais para encarar o fim inevitável. Jamais alguém experimentará a própria morte. A expectativa da morte é que atormenta não a morte em si. É evidente, porém, que deixar-se envolver pela espera do pior muito antes de chegar o momento fatal é uma prática absurda que alimenta, desnecessariamente, o confronto traumático entre o desejo de viver e a consciência do fim, mesmo que este esteja muito distante ainda. Tal comportamento gera uma inquietação desnecessária, prolongada e inútil. O homem lúcido, equilibrado, aprende a encarar filosófica e estoicamente o envelhecimento a doença e a morte como eventos indissociáveis do vir a ser temporal. Isso não representa uma indiferença às ocorrências temidas, mas a capacidade de enfrentar as situações infaustas sem perder o equilíbrio pessoal resultante de um aprendizado contínuo. Neste processo as “quedas” não podem ser evitadas, mas é possível alimentar com ânimo a disposição de “levantar” tantas vezes quantas forem necessárias.
O depois da morte para o ser consciente será o esquecimento total de si mesmo, ou o arremate beatífico da existência, num retorno ao absoluto do qual viemos e no qual todas as contradições se resolvem na unidade perfeita. Entendo assim quando a Bíblia fala de “ver a face de Deus”      .Os que creem no espírito esperam esta apoteose. A primeira alternativa (o esquecimento total) é fundamentalmente materialista; a segunda é um desdobramento místico em que a morte implica em libertar-se o espírito de sua manifestação material para integrar-se na unidade absoluta representada pela comunidade de todas as consciências. Nesta perspectiva a morte será a porta que se abre para a realização das possibilidades infinitas do espírito, até então limitadas por restrições temporais. Alongando indefinidamente a existência temporal continuaríamos reféns das limitações impostas pela realidade bio-psico-social. Por outro lado, embora a libido não envelheça com a mesma rapidez da pele, o envelhecimento torna cada vez mais distante senão impossível reproduzir o prazer colhido nos anos da juventude. E este, aliás, de tão fugaz, quando possível, logo se transforma em lembrança – ilusão. Portanto, a morte temida nos roubará principalmente ilusões. Ora, sabemos que investir cegamente em ilusões predispõe inevitavelmente a decepções! A consciência disso fortalece o desejo de transcender a fugacidade temporal na certeza de que só o amor permanece. Aliás, somente quando amamos e criamos vivemos plenamente. A verdade, porém é que amamos e criamos episodicamente. Na maior parte da existência vivemos emoções menores e até frustrações, mergulhados na rotina cultural. É que os momentos de plena realização pessoal são pontuais, raros, comumente a existência reúne muitas expectativas mas somente algumas delas se convertem nas ações significativas esperadas.
A dificuldade de encarar objetivamente a finitude explica a depressão e o desespero que antecedem a aceitação das perdas existenciais. Esta aceitação não significa uma defecção do desejo de viver, mas sim um esforço para desvalorizar a conotação trágica das perdas menores e da própria morte. A todos aflige a certeza de que em certo momento da curva do tempo ocorrerá o desenlace da vida sobre a Terra... Expectativa que o sujeito consciente somente pode anular alimentando a experiência de total integração num todo absoluto cuja natureza unitária apaga a fronteira entre a vida e a morte. Esta é a  experiência dos místicos que em vida conseguiram romper a barreira do tempo, e vivenciando uma transcendência absoluta percebem a morte biológica como termo da existência temporal, e libertação do espírito para a vida eterna. Não obstante, toda “existência” é heroica, uma vez que o exercício coerente da liberdade exige do homem a coragem de romper com os determinismos biológicos, e de fazer suas escolhas sem qualquer garantia além do seu próprio aval. A libertação destes determinismos é fundamental para a construção histórica da comunidade humana que se pode considerar o objetivo último da evolução da vida. Sobre o homem pesa o desafio de exercitar responsavelmente sua liberdade tendo em vista este objetivo.
Everaldo Lopes


[1] Existência- modo de ser próprio do homem.
[2]“ Os cinco estágios do luto” através dos quais as pessoas lidam com as perdas e as tragédias. - Elizabeth Kübler Ross, no livro “Da morte e do morrer”.