Especulações
baseadas no conhecimento que já temos sobre a evolução do mundo físico,
biológico e social me levaram a abraçar conscientemente uma cosmovisão monista
espiritualista criacionista. Obviamente a causa primeira de tudo continua
impermeável à razão humana; é matéria de
cogitações metafísicas que abrem espaço para a crença num absoluto objeto de fé
e não de conhecimento. Mas a este absoluto transcendental somos conduzidos pelo
pensamento lógico. Senão vejamos. É evidente que houve uma complexificação
crescente da matéria desde a desorganização caótica nos primeiros segundos após
o “Big-bang” até a complicada estrutura do córtex cerebral no homem. Isso
implica no reconhecimento de uma ordenação progressiva da matéria. Ora, não há
ordem sem intenção, e não há intenção sem consciência. Logo, o intento
evolutivo desta ordenação progressiva da matéria no cosmo pressupõe uma
consciência universal.
Encampando
esta constatação, amparado em raciocínio coerente, sinto-me à vontade para
justificar, teoricamente, o primado do espírito[1].
Segundo esta proposta, o homem não é um animal que se espiritualiza, mas a
manifestação do espírito pré-existente que promove a organização da matéria e
através dela se manifesta. A consciência não é um epifenômeno da matéria, porém
o cerne do ser humano, autônomo, livre, criativo, capaz de influir nos rumos da
sua própria evolução. Dessa forma o homem emerge do anonimato material, e
exercitando sua liberdade criativa é
capaz de colaborar com o princípio absoluto que o criou.
À
luz da lógica da complexidade, a visão do universo desvela um vislumbre da integração
perfeita de todos os seus elementos entre si compondo a harmonia final de um
todo significativo. A totalidade absoluta
anula, na sua estruturação totalizante, todos os contrastes que são o
background das especulações investigativas sobre a unidade consciência-mundo
cuja consumação excede as limitações do entendimento racional. Em linguagem
mística esta perspectiva harmônica corresponde à perfeição da vontade de Deus
que tudo conduz para uma apoteose na Sua glória inexcedível. Nesse contexto o
místico distingue-se por sua fé através
da qual ele vivencia os lances discretos de cada passo do seu vir a ser pessoal
como resultado de um diálogo permanente que a criatura consciente busca
estabelecer com o Criador. Ao contrário, o agnóstico entende os acontecimentos do
dia a dia como simples determinações culturais alheias à intervenção paternal de
um ordenador supremo.
Sabemos,
porém, que há agnósticos, materialistas, que vivem dignamente em paz consigo mesmos,
convivendo com as restrições existenciais que a visão de mundo materialista
lhes impõe. Sem fé, eles não podem conviver com uma transcendência absoluta
providente e misericordiosa com a qual pudessem estabelecer um diálogo
confiante. Mas os que analisam imparcialmente a própria postura existencial vivenciam
sua limitação, aceitando-a estoicamente. Nisso o agnóstico autocrítico difere
dos que se dizem ateus, afirmando, ingenuamente, sua descrença na transcendência absoluta com a
mesma leviandade com que os crentes ingênuos alardeiam uma fé espiritualizada
sem se darem conta de que apenas trocam favores com um Deus totêmico. Em outras
palavras diríamos que o agnóstico ingênuo executa os pacotes culturais que
regem seu comportamento social, pragmaticamente, sem discuti-los.
Obviamente, para sobreviver, os homens terão
que se organizar em sociedade. Nesta organização se definirão os valores éticos
que balizam o comportamento coletivo. Mas enquanto convenção social estes
valores estão limitados pela própria condição humana, caracterizando um nível
ético de existência. Os mesmos valores ganham, porém, dimensão transcendental
quando associados a uma cosmovisão espiritualista criacionista. Então, eles (os valores) têm a garantia de
uma transcendência absoluta para legitimá-los, caracterizando o nível
ético-religioso de existência[2].
Os
materialistas negam a espiritualidade e associam as manifestações religiosas e
artísticas, respectivamente a compulsões e a exacerbações dos sentidos,
rebaixando a criatividade à mera exaltação sensorial. Dissociados de uma visão
mística, os comportamentos sociais e políticos seriam apenas tentativas
práticas de disciplinar o egoísmo humano, uma vez que deixado ao seu talante inviabilizaria
a sobrevivência da espécie. Nessas circunstâncias os comportamentos inerentes à
prática humanística teriam como fundamento básico o desejo de sobrevivência.
Segundo
a visão espiritualista, a “existência” pressupõe um porquê transcendental abrangente
que a envolve e lhe dá um sentido superior definitivo. Por outro lado, numa
perspectiva agnóstica, materialista, o homem teria que ser a medida de si
mesmo. À falta de um ideal supremo, além do horizonte histórico pragmático, cada
homem deverá ser a razão última dos seus valores éticos, e dessa forma poderiam
facilmente escorregar para um comportamento dúbio em que seria suficiente “parecer”, em vez de “ser”.
Diante
deste confronto entre o espiritualista e o materialista autocrítico, fica
evidente que o primeiro dá suporte racional ao seu anseio de transcendência
escudando-se em especulações inteligentes; enquanto o segundo simplesmente se
nega a avaliar a realidade sob a ótica criacionista, porque exclui qualquer
possibilidade de uma transcendência absoluta, embora não saiba explicar a ordem
que a própria Ciência constata na realidade palpável. De qualquer forma, em
negando a transcendência absoluta, o materialista é também um crente. Uma vez
que do ponto de vista estritamente racional é impossível provar ou negar uma transcendência
absoluta, ele “crê” na não existência de um absoluto criador. Tendo em vista a
incerteza decorrente da falta de uma prova cabal desta transcendência absoluta
é que falo da justificativa de uma opção materialista, no título desse texto. Diferentemente do espiritualista cujas
especulações coerentes apontam para o
primado do espírito, o agnóstico aposta num anti-acaso que teria, aliás, o
mesmo peso epistemológico de um absoluto, um Deus sem repercussões no confronto
subjetivo do homem ao vivenciar suas contradições existenciais.
Everaldo
Lopes