Todo mundo quer ser feliz... Mas a felicidade não existe como um sentimento centrado em si mesmo. A felicidade adulta, daqueles que já perderam a ingenuidade, e atingiram a idade crítica é uma conquista. E como toda conquista, supõe um esforço dirigido, não com o objetivo de ser feliz, mas de criar algo original no próprio quefazer, no campo das Ciências, das Artes, e do enriquecimento das relações interpessoais. A felicidade é consequência. Alcançá-la tem um custo. As moedas fortes no mercado da felicidade madura são: o autoconhecimento, a autocrítica imparcial e a criatividade.
A modéstia e a humildade levam o ser humano maduro a reconhecer a precariedade da condição humana e o justo valor do talento pessoal... Qualquer tentativa de sobrevalorizar a própria aptidão resulta num tombo desnecessário. Quem se arrisca a caminhar na corda bamba da mentira, mais cedo ou mais tarde desequilibra-se e cai. Não adiantam cavilações que são meias verdades, evocadas para empanar a mentira nelas embutida. Ninguém pode enganar todo mundo todo tempo. O respeito à verdade é o padrão ouro da auto-estima, condição sine qua non para ser feliz. Por isso, a conquista fraudulenta em qualquer área das atividades humanas não produz a verdadeira felicidade.A firmeza do justo reside na adesão à verdade que lhe garante o equilíbrio diante do infortúnio e das perdas inevitáveis.
Dirão os que me lêem: É fácil teorizar sobre o comportamento correto das pessoas; o difícil é praticar com sabedoria as virtudes necessárias!
Realmente, esta é a mais pura verdade! Só a sabedoria abriga as virtudes essenciais... e a conquista da verdadeira sabedoria é uma caminhada difícil, longa e pontilhada de obstáculos. Não basta conhecer o roteiro até o altar da glória. É preciso ter a coragem e disposição necessárias para percorrer o itinerário até a maturidade sábia. Nesta jornada, além da ousadia e da determinação, o caminhante precisa contar com a influência de imponderáveis, propícios ou adversos, sobre os quais não tem controle.
O pensamento ilumina, mas é o sentimento que amarra e dá sentido à existência. A razão dá suporte ao pensamento, mas são as “razões do coração” -os sentimentos- que comandam a vida. Todavia, é preciso discipliná-los... Eles nunca se manifestam em estado de pureza. Estão sempre, furtivamente associados ao seu contrário, porque a presença de um pressupõe o seu oposto, momentaneamente, reprimido. O amor rechaça o ódio, a verdade rebate a mentira, a ordem faz retroceder o caos, a justiça resiste à injustiça, e assim por diante. O sentimento positivo e seu oposto variam linearmente... na medida em que um cresce o outro diminui, e vive-versa.
Só poderá aspirar à felicidade quem for capaz de equilibrar no seu interior os sentimentos opostos... vaidade e humildade, fantasia e objetividade, egoísmo e solidariedade, amor e ódio etc.etc. Se não for assim sobrevirá a insatisfação mal humorada, quiçá pedante, manifesta no sofrimento por não poder acrisolar os sentimentos nobres, em busca de uma pureza utópica..
Dirão finalmente: Isso é compreensível, mas como realizar esta alquimia que reúne o pensamento e o sentimento para produzir um estado de espírito equilibrado, conservando em alta os sentimentos positivos, ricos de significado?
A dificuldade é a mesma implícita no sonho dos alquimistas medievais. Não existe uma metodologia capaz de promover a mudança desejada. O bom termo da façanha existencial resulta do trabalho de toda uma vida. Envolve ao mesmo tempo amor à verdade, inteligência, vontade disciplinada, honestidade, e, sobretudo, perseverança. Mesmo assim o epílogo desse esforço será sempre uma aproximação do ideal acalentado, nunca uma obra perfeita...
A primeira providência nesta caminhada é o reconhecimento e aceitação da precariedade da “existência” e da presença do contraditório no cerne da contingência humana. A partir daí o indivíduo construirá, passo a passo, a sua história, priorizando, coerentemente, os valores que dão sentido à existência, administrando os próprios talentos com sabedoria. É oportuno lembrar que este trabalho de lapidação interior não será solitário... nunca se alcançará a felicidade dispensando a dimensão social que fundamenta a realização pessoal.