Vemos
hoje mudanças no comportamento das pessoas, que refletem o ritmo acelerado das conquistas
científicas e tecnológicas havidas nos últimos sessenta anos. Para se ter uma
ideia do que isso significa, basta fazer uma conta elementar. O homem habita o mundo há mais ou menos 40.000 anos, e nas últimas seis décadas a ciência e a
tecnologia progrediram mais do que nos 35.940 anos anteriores. Como é
compreensível, as novas e abundantes descobertas da ciência, e suas consequências práticas viabilizadas
pela tecnologia, alteraram as rotinas estabelecidas até então. Alterações que ocasionaram
mudanças nos campos da produção industrial, da educação, da política, das
relações sociais e da própria dinâmica familiar. Estas mudanças estão aí, algumas já consumadas, outras,
embrionárias, atropeladas pelos acontecimentos que se sucedem com uma rapidez
estonteante. A humanidade nunca viveu situação igual. Ansioso diante das
incertezas de um porvir incerto, chamado a dar solução a problemas inéditos o
homem esclarecido se esforça para adaptar-se aos novos tempos, harmonizando as
situações originadas pelas conquistas recentes com os Valores Universais[1]
que presidem a ética humanística. Mas sente-se no
ar a perplexidade que o torna refém da
angústia e da ansiedade. Podemos dizer sem exagero que nessa pós-modernidade,
sobre a qual poucos arriscam falar com alguma profundidade, está fermentando a salvação ou condenação da
espécie
humana. Alternativa cuja resolução dependerá da
atuação desta e das próximas gerações, no que tange a forma de responder ao
desafio dos problemas sócio econômicos e
ecológicos criados pelo próprio homem. Os estudiosos analisam as questões
educacionais, sanitárias, urbanísticas, sociais, econômicas e políticas, tentando entendê-las
e dimensiona-las, para dar-lhes respostas adequadas. Todavia, precisamos estar
conscientes de que as soluções que venham a ser propostas só se tornarão
efetivas se forem praticadas por cada um dos cidadãos, principalmente por aqueles
que fazem as instituições e organizações sociais de caráter público ou privado.
O crescimento irregular das
coletividades humanas deu lugar à existência, hoje, de enormes desigualdades. Dois
terços da humanidade vivem num nível de pobreza que lhes inviabiliza
alimentação suficiente, saúde, habitação e educação adequadas. Estão nessa
situação, aproximadamente, 2 bilhões e 400 milhões de seres humanos que habitam
os países subdesenvolvidos. Nesse
contexto, é desolador o quadro sanitário e educacional. Urgem mudanças
socioeconômicas e politicas justas e efetivas envolvendo todas as nações do
planeta para que um número cada vez maior de pessoas em todos os continentes tenha
acesso a habitação, saúde e educação de qualidade. Todavia, toda atividade
humana está necessariamente contextualizada em modelos culturais. É preciso,
portanto, quebrar a inércia dos erros sedimentados durante séculos, por políticas
econômicas desastrosas para a harmonia social, com repercussão nefasta sobre
cada indivíduo. Empreendimento gigantesco, que não depende apenas de novas
propostas sociais, políticas e econômicas,
mas, sobretudo, da cooperação de todos na prática dos valores que dão
suporte a uma verdadeira comunidade: o amor à verdade, a solidariedade, o autoconhecimento
e a autodisciplina. Sobre estes valores
é que se edifica a verdadeira cidadania esclarecida, apoio indispensável à
democracia sustentável. Em face da magnitude desse ideal comecemos pondo em
ordem o nosso próprio quintal. Refiro-me a esse “mundinho” caracterizado por
eleitores vítimas de carência alimentar e cultural, que acabam sendo induzidos
a votar por benesses, enquanto os mais bem informados ficam sem escolha pela má
qualidade dos candidatos que se propõem preencher
funções vitais para a nação nos poderes executivo e legislativo. Por conta de tais distorções, o governo do
povo e para o povo, acaba sendo o governo dos espertalhões contra o povo.
Vamos pensar um pouco. Que futuro estamos construindo? O que podemos
esperar de uma sociedade feita por indivíduos empenhados em competir
(geralmente de forma aética) e em acumular? Aonde nos levarão esses paradigmas
político-sociais e econômicos cuja prática aumenta cada vez mais o número de
pessoas excluídas dos bens essenciais? Como ignorar a importância da exclusão resultante,
na escalada da violência urbana? Aonde levarão a humanidade os Governos que
fazem guerra para manter a hegemonia econômica dos seus países, no âmbito
internacional? Com esse comportamento excludente estamos promovendo a
escandalosa disparidade que vemos hoje entre as classes sociais, e até entre países,
em termos de saúde, educação e bem estar familiar. Assusta perceber a
impotência de cada um de nós, isoladamente, para resolver os problemas que
ameaçam a humanidade.
O raciocínio mais elementar põe em evidência que só promovendo a inclusão
social haverá salvação para a
humanidade. Um desfecho que não ocorrerá se os homens não forem capazes de
exercitar a cooperação e a partilha como paradigmas do comportamento econômico-social,
o oposto do que se faz hoje. Impõe-se fomentar
uma economia solidária, algo bem diferente da atividade econômica do mundo capitalista cuja força propulsora é o
ânimo guloso dos indivíduos de competir e acumular. Não há uma fórmula fácil
para que as mudanças necessárias aconteçam. Todavia, nada vai mudar se cada um
de nós não fizer a sua parte, criteriosamente, neste processo evolutivo gigantesco
no qual estamos incluídos e pelo qual somos corresponsáveis na medida em que dotados
de livre arbítrio podemos influir no rumo da própria Evolução. Mas, como
induzir as pessoas a assumirem a responsabilidade de que são investidas ao
fazerem suas escolhas? Que estratégia pedagógica deverá polarizar a ação dos
ativistas de um programa social que vise fomentar a solidariedade universal? O
bom senso mostra que não há outra forma de alcançar esse propósito senão
apelando para o exercício esclarecido e criativo da consciência livre e responsável
de cada um. O grande obstáculo é a sedução da estrada larga do egoísmo negligente
(des)comprometido com os valores sociais e com o “bem comum”. São bem mais
íngremes as trilhas que o homem deverá palmilhar para cumprir seu papel no
processo evolutivo.
Só por um golpe de sorte as famílias
famintas e desabrigadas, vivendo em condições precaríssimas conseguem passar
para seus filhos os valores que ajudarão a preserva-los da marginalidade
social. Todavia, os que analisam a questão friamente estão convencidos de que as
sequelas sociais do Capitalismo não dependem apenas da teoria intrinsecamente
cruel que lhe dá suporte, porém muito, também, da forma mesquinha como ela é posta
em prática. Só para exemplificar. O salário mínimo é o piso inferior estabelecido
por lei, para a remuneração do trabalhador, mas é uma obrigação ética do patrão
remunera-lo melhor quando puder fazê-lo. Não obstante, para salvaguardar o
lucro financeiro o empregador ignora o julgamento
moral que faz justiça ao trabalhador! Diante dessa realidade inaceitável
ninguém se justificará pela alegação da pureza de suas intenções se não for capaz de transformá-las em ações
práticas, compatíveis com os princípios humanísticos
defendidos. Pregar justiça sem a prática social e econômica correspondente é
dar testemunho de profunda incoerência. É fundamental estar consciente de que as
distorções do sistema político e da orientação macroeconômica importam muito,
mas o que define o rumo da História são as decisões pessoais. A análise
criteriosa dos problemas humanos sociais torna evidente a imprescindível
colaboração para o bem comum de todos os membros válidos da comunidade humana. E
há muitas formas de desservi-lo (o bem comum). Entre outros elementos que prejudicam o patrimônio
coletivo alinham-se o comportamento de executivos e legisladores incompetentes
e corruptos, a exploração dos assalariados por empresários gananciosos, a
mediocridade e incompetência dos prestadores de serviço no desempenho dos seus misteres,
o descompromisso dos docentes com o processo do ensino aprendizagem, o
desperdício das oportunidades educativas pelos discentes que, ainda jovens,
cedem ao apelo da fraude (cola) e não se empenham em aprender. Esses deslizes
comportamentais prolongam indefinidamente um processo histórico de desagregação
social. Urge revertê-lo confiando no desenvolvimento das potencialidades do
homem, proporcionando-lhe oportunidade para educar-se e trabalhar. Esse é o
desafio que se põe diante de todos os cidadãos.
O desenvolvimento deve ser centrado no homem e não no
capital. O ingrediente principal desse desenvolvimento é o trabalho sério e
construtivo, embasado na determinação de produzir riquezas em benefício do bem
comum e não, apenas, para o conforto de uns poucos. Isto implica em que cada um
desempenhe com proficiência o papel que detém no seio da coletividade... que
aprenda a controlar os interesses pessoais supérfluos... que assuma a
responsabilidade de construir sua existência à luz da consciência crítica de
estar com os outros no mundo. A inclusão de todos os homens livres nesse
mutirão será a resposta redentora ao desafio ao qual nos expõem os graves
problemas que ameaçam a sobrevivência da humanidade. Isso não é uma utopia como
pensam muitos. Mas exige de cada um a prática responsável e criativa do livre
arbítrio, o que implica em esforço
pessoal dirigido e sustentado. A
Evolução já passou por dificuldades aparentemente impossíveis de superar! E
venceu! As dificuldades atuais são mais complexas, porém, as virtudes
extraordinárias do ser humano nos levam a acreditar que nem tudo está perdido
enquanto não desistirmos de lutar.
Everaldo Lopes Ferreira