sexta-feira, 28 de março de 2014

Desafios da pós-modernidade

Vemos  hoje mudanças no comportamento das pessoas, que  refletem o ritmo acelerado das conquistas científicas e tecnológicas havidas nos últimos sessenta anos. Para se ter uma ideia do que isso significa, basta fazer uma conta elementar.  O homem habita o mundo há  mais ou menos 40.000 anos,  e nas últimas seis décadas a ciência e a tecnologia progrediram mais do que nos 35.940 anos anteriores. Como é compreensível, as novas e abundantes descobertas da ciência,  e suas consequências práticas viabilizadas pela tecnologia, alteraram as rotinas estabelecidas até então. Alterações que ocasionaram mudanças nos campos da produção industrial, da educação, da política, das relações sociais e da própria dinâmica familiar.  Estas mudanças  estão aí, algumas já consumadas, outras, embrionárias, atropeladas pelos acontecimentos que se sucedem com uma rapidez estonteante. A humanidade nunca viveu situação igual. Ansioso diante das incertezas de um porvir incerto, chamado a dar solução a problemas inéditos o homem esclarecido se esforça para adaptar-se aos novos tempos, harmonizando as situações originadas pelas conquistas recentes com os Valores Universais[1] que   presidem a ética humanística. Mas sente-se no ar a perplexidade que o  torna refém da angústia e da ansiedade. Podemos dizer sem exagero que nessa pós-modernidade, sobre a qual poucos arriscam  falar  com alguma profundidade, está  fermentando a salvação ou condenação da espécie humana.  Alternativa cuja resolução dependerá da atuação desta e das próximas gerações, no que tange a forma de responder ao desafio  dos problemas sócio econômicos e ecológicos criados pelo próprio homem. Os estudiosos analisam as questões educacionais, sanitárias, urbanísticas, sociais,  econômicas e políticas, tentando entendê-las e dimensiona-las, para dar-lhes respostas adequadas. Todavia, precisamos estar conscientes de que as soluções que venham a ser propostas só se tornarão efetivas se forem praticadas por cada um dos cidadãos, principalmente por aqueles que fazem as instituições e organizações sociais de caráter público ou privado.
O crescimento irregular das coletividades humanas deu lugar à existência, hoje, de enormes desigualdades. Dois terços da humanidade vivem num nível de pobreza que lhes inviabiliza alimentação suficiente, saúde, habitação e educação adequadas. Estão nessa situação, aproximadamente, 2 bilhões e 400 milhões de seres humanos que habitam os países  subdesenvolvidos. Nesse contexto, é desolador o quadro sanitário e educacional. Urgem mudanças socioeconômicas e politicas justas e efetivas envolvendo todas as nações do planeta para que um número cada vez maior de pessoas em todos os continentes tenha acesso a habitação, saúde e educação de qualidade. Todavia, toda atividade humana está necessariamente contextualizada em modelos culturais. É preciso, portanto, quebrar a inércia dos erros sedimentados durante séculos, por políticas econômicas desastrosas para a harmonia social, com repercussão nefasta sobre cada indivíduo. Empreendimento gigantesco, que não depende apenas de novas propostas sociais, políticas e econômicas,  mas, sobretudo, da cooperação de todos na prática dos valores que dão suporte a uma verdadeira comunidade: o amor à verdade, a solidariedade, o autoconhecimento e a autodisciplina.  Sobre estes valores é que se edifica a verdadeira cidadania esclarecida, apoio indispensável à democracia sustentável. Em face da magnitude desse ideal comecemos pondo em ordem o nosso próprio quintal. Refiro-me a esse “mundinho” caracterizado por eleitores vítimas de carência alimentar e cultural, que acabam sendo induzidos a votar por benesses, enquanto os mais bem informados ficam sem escolha pela má qualidade dos candidatos que  se propõem preencher funções vitais para a nação nos poderes executivo e legislativo.  Por conta de tais distorções, o governo do povo e para o povo, acaba sendo o governo dos espertalhões contra o povo.
Vamos pensar um pouco. Que futuro estamos construindo? O que podemos esperar de uma sociedade feita por indivíduos empenhados em competir (geralmente de forma aética) e em acumular? Aonde nos levarão esses paradigmas político-sociais e econômicos cuja prática aumenta cada vez mais o número de pessoas excluídas dos bens essenciais? Como ignorar a importância da exclusão resultante, na escalada da violência urbana? Aonde levarão a humanidade os Governos que fazem guerra para manter a hegemonia econômica dos seus países, no âmbito internacional? Com esse comportamento excludente estamos promovendo a escandalosa disparidade que vemos hoje entre as classes sociais, e até entre países, em termos de saúde, educação e bem estar familiar. Assusta perceber a impotência de cada um de nós, isoladamente, para resolver os problemas que ameaçam a humanidade.
O raciocínio mais elementar põe em evidência que só promovendo a inclusão social  haverá salvação para a humanidade. Um desfecho que não ocorrerá se os homens não forem capazes de exercitar a cooperação e a partilha como paradigmas do comportamento econômico-social, o oposto do que se faz hoje.    Impõe-se fomentar uma economia solidária, algo bem diferente da atividade econômica do  mundo capitalista cuja força propulsora é o ânimo guloso dos indivíduos de competir e acumular. Não há uma fórmula fácil para que as mudanças necessárias aconteçam. Todavia, nada vai mudar se cada um de nós não fizer a sua parte, criteriosamente, neste processo evolutivo gigantesco no qual estamos incluídos e pelo qual somos corresponsáveis na medida em que dotados de livre arbítrio podemos influir no rumo da própria Evolução. Mas, como induzir as pessoas a assumirem a responsabilidade de que são investidas ao fazerem suas escolhas? Que estratégia pedagógica deverá polarizar a ação dos ativistas de um programa social que vise fomentar a solidariedade universal? O bom senso mostra que não há outra forma de alcançar esse propósito senão apelando para o exercício esclarecido e criativo da consciência livre e responsável de cada um. O grande obstáculo é a sedução da estrada larga do egoísmo negligente (des)comprometido com os valores sociais e com o “bem comum”. São bem mais íngremes as trilhas que o homem deverá palmilhar para cumprir seu papel no processo evolutivo.
Só por um golpe de sorte as famílias famintas e desabrigadas, vivendo em condições precaríssimas conseguem passar para seus filhos os valores que ajudarão a preserva-los da marginalidade social. Todavia, os que analisam a questão friamente estão convencidos de que as sequelas sociais do Capitalismo não dependem apenas da teoria intrinsecamente cruel que lhe dá suporte, porém muito, também, da forma mesquinha como ela é posta em prática. Só para exemplificar. O salário mínimo é o piso inferior estabelecido por lei, para a remuneração do trabalhador, mas é uma obrigação ética do patrão remunera-lo melhor quando puder fazê-lo. Não obstante, para salvaguardar o lucro financeiro  o empregador ignora o julgamento moral que faz justiça ao trabalhador! Diante dessa realidade inaceitável ninguém se justificará pela alegação da pureza de suas intenções  se não for capaz de transformá-las em ações práticas, compatíveis com os  princípios humanísticos defendidos. Pregar justiça sem a prática social e econômica correspondente é dar testemunho de profunda incoerência. É fundamental estar consciente de que as distorções do sistema político e da orientação macroeconômica importam muito, mas o que define o rumo da História são as decisões pessoais. A análise criteriosa dos problemas humanos sociais torna evidente a imprescindível colaboração para o bem comum de todos os membros válidos da comunidade humana. E há muitas formas de desservi-lo (o bem comum). Entre outros  elementos que prejudicam o patrimônio coletivo alinham-se o comportamento de executivos e legisladores incompetentes e corruptos, a exploração dos assalariados por empresários gananciosos, a mediocridade e incompetência dos prestadores de serviço no desempenho dos seus misteres, o descompromisso dos docentes com o processo do ensino aprendizagem, o desperdício das oportunidades educativas pelos discentes que, ainda jovens, cedem ao apelo da fraude (cola) e não se empenham em aprender. Esses deslizes comportamentais prolongam indefinidamente um processo histórico de desagregação social. Urge revertê-lo confiando no desenvolvimento das potencialidades do homem, proporcionando-lhe oportunidade para educar-se e trabalhar. Esse é o desafio que se põe diante de todos os cidadãos.
O desenvolvimento deve ser centrado no homem e não no capital. O ingrediente principal desse desenvolvimento é o trabalho sério e construtivo, embasado na determinação de produzir riquezas em benefício do bem comum e não, apenas, para o conforto de uns poucos. Isto implica em que cada um desempenhe com proficiência o papel que detém no seio da coletividade... que aprenda a controlar os interesses pessoais supérfluos... que assuma a responsabilidade de construir sua existência à luz da consciência crítica de estar com os outros no mundo. A inclusão de todos os homens livres nesse mutirão será a resposta redentora ao desafio ao qual nos expõem os graves problemas que ameaçam a sobrevivência da humanidade. Isso não é uma utopia como pensam muitos. Mas exige de cada um a prática responsável e criativa do livre arbítrio,  o que implica em esforço pessoal dirigido e sustentado.  A Evolução já passou por dificuldades aparentemente impossíveis de superar! E venceu! As dificuldades atuais são mais complexas, porém, as virtudes extraordinárias do ser humano nos levam a acreditar que nem tudo está perdido enquanto não desistirmos de lutar.
Everaldo Lopes Ferreira





[1] Dignidade, Justiça, Respeito mútuo, Solidariedade, Diálogo e Corresponsabilidade.