quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Aconselhamento Filosófico II



Os Filósofos sempre estiveram envolvidos com questões como a origem e destino do Universo e do homem, o sentido da vida, o uso responsável da liberdade... A consciência da precariedade do vir a ser incerto do homem demanda um apoio confiável para sua existência. Urge embasa-la racional e emocionalmente. Daí a necessidade de responder às interrogações filosóficas: Como tudo começou? O que somos nós? Como tudo acabará? A instabilidade existencial se desdobra em conflitos entre a razão e a emoção, em crises de significado do mundo e da vida, e nas perspectivas de envelhecimento e morte pessoais, ou dos entes queridos. Destes impasses ninguém escapa. Especulando metodicamente sobre esses temas os Filósofos chegaram a definir alguns posicionamentos básicos. Para enfatizar esta preocupação lembro o testemunho de Epicuro que dizia ser vazio o argumento do Filósofo que não alivia a aflição humana. Sócrates, por seu turno, afirmava que a vida não analisada não vale a pena ser vivida, e defendia o auto aprimoramento do homem mediante o conhecimento de si mesmo, sendo este saber a vocação mais elevada do ser humano em prol de uma vida mais realizada. Os defensores do Aconselhamento Filosófico admitem como fator de instabilidade a vivência não esclarecida da desordem dos conceitos filosóficos que servem de paradigmas ao vir a ser consciente... e apostam em que, ordenando-os, abre-se o espaço para resgatar o equilíbrio existencial. Neste sentido é de grande ajuda a contribuição do Aconselhamento Filosófico (AF) na medida em que põe o Cliente em contato com ideias e doutrinas positivas que podem contextualizar, corrigindo-o, o desacerto intelectual e afetivo problemático. A missão do Conselheiro é captar a sabedoria dos Filósofos que tentaram compreender o fenômeno humano, e apresenta-la ao cliente, aproveitando o ensejo para situar os seus problemas num todo significativo. O ser consciente precisa encontrar o verdadeiro sentido de sua existência no Universo estruturado que reúne o infinitamente pequeno, o infinitamente grande, e o infinitamente complexo. O Aconselhamento Filosófico oferece orientações gerais para descobrir o papel do vir a ser consciente no contexto da estrutura evolutiva do Universo. Não há um método geral de Aconselhamento Filosófico; o Conselheiro apenas apresenta ao cliente uma visão mais ampla de suas possibilidades de encarar a dificuldade. Com este objetivo alinham-se os cinco passos do Aconselhamento: 1) definir e examinar, progressivamente o Problema; 2) sopesar e canalizar criativamente a Emoção a ele vinculada; 3) ganhar a distância subjetiva necessária para Análise objetiva da situação e das alternativas de solução; 4) olhar em perspectiva o processo para a Contemplação do todo; 5) buscar numa totalidade significativa o Equilíbrio da resposta ao problema focalizado. A paz interior duradoura é o objetivo a ser alcançado... Coincidentemente, as iniciais das etapas do processo descrito formam a palavra “PEACE”.
Confrontando as conclusões inspiradas nos sistemas filosóficos afins com o problema que aflige o cliente, o Conselheiro ajudá-lo-á a alcançar uma posição de equilíbrio fundamentada na compreensão da própria existência, preparando-o para agir apropriadamente tendo em vista a solução de sua problemática pessoal.
Diferentes Escolas Filosóficas oferecem interpretações peculiares da situação existencial do cliente, das quais se tiram orientações gerais sobre o que fazer. Cabe ao Conselheiro discutir uma posição filosófica que seja ao mesmo tempo justificável por seus méritos, coerente com a natureza do problema apresentado pelo cliente e compatível com suas potencialidades. Depois de o cliente articular o problema, depois de exprimir suas emoções e assumir uma posição filosófica consentânea, estará mais próximo de conseguir o equilíbrio psíquico afetivo a que aspira.
As pessoas são auto referentes mas em geral o homem alienado de sua realidade mais íntima assume o que lhe convêm, circunstancialmente, e dissocia-se de tudo que compromete sua autoestima, atribuindo-o a terceiros. Este descompasso interior leva à irresponsabilidade neurótica que é o cerne de um comportamento de fuga inconsciente, de uma realidade insuportável. Uma visão panorâmica do problema existencial corretamente contextualizado pode despertar o homem “alienado” de si mesmo, e abrir caminho para a recomposição de sua integridade pessoal. A análise filosófica das situações existenciais conflitantes pode ajudá-lo a compreender a incoerência de sua alienação. Este passo rumo ao comportamento centrado, objetivo elimina a ansiedade e amplia a liberdade pessoal, condições indispensáveis à plenitude existencial .   
A evolução das doutrinas filosóficas através dos tempos mostra os posicionamentos correspondentes a modos peculiares de explicar, e responder às inquietações do “ser consciente”.
Representado pelo exercício da consciência responsável, o devir humano é em si mesmo problemático. As incertezas inerentes à situação humana mobilizam as potencialidades do ser consciente num esforço heroico para a construção de um apoio no meio de tantas dúvidas. Esta mobilização de forças, intelectuais e morais, resultou na busca de um saber universal que é o cerne da Filosofia. E o Aconselhamento Filosófico pressupõe que este saber pode ajudar na reordenação existencial do cliente.
Faremos na próxima postagem uma breve incursão na história do pensamento, destacando os desenvolvimentos especulativos mais marcantes sobre os fundamentos fenomenológicos do exercício da consciência livre e responsável. É importante o reconhecimento teórico dos fundamentos existenciais. Todavia, para mudar o rumo da história pessoal é preciso que o conhecimento profundo mobilize a afetividade, ou melhor, nela se continue insensivelmente, e ative a vontade para a ação pertinente livremente escolhida pelo sujeito consciente... Não conheço melhor aplicação para o conceito deuleuziano de “dobra”[1], do que a implicação funcional complexa  do conhecimento, da afetividade e da vontade no laboratório subjetivo da existência pessoal.
(Continua no próximo texto) Everaldo Lopes.            


[1] “Dobra”- caráter coextensivo do dentro e do fora; do pensamento que representa conceitualmente uma relação específica de conhecimento e a afetividade,  indistinguíveis no mundo subjetivo.