Preocupar-se é cuidar do
amanhã, hoje, antecipando inquietações inerentes à incerteza do que está por
vir. A pré-ocupação que visa um resultado ou forma um projeto implica em cuidar,
hoje, do planejamento inteligente do amanhã, sem inquietações, tendo em vista
um objetivo dentro da margem de liberdade e autonomia de cada um. Muitos se
torturam, porém, imaginando acontecimentos indesejáveis possíveis no porvir e deixando
de viver a experiência do agora. Ora, o futuro chegará, inexoravelmente. Portanto
é tolice sofrer por antecipação as incertezas do amanhã; o que for inevitável acontecerá.
Quedar-se em expectativas sinistras ou
mesmo auspiciosas sobre as quais não se tem controle é enredar-se em devaneios.
E as fantasias pessimistas antecipadas com a imaginação mortificam a alma e
podem levar ao desespero. Irreais, elas têm a importância que lhes emprestamos.
Em si mesmas são tão inconsistentes como uma sombra, mas se forem assumidas
como realidades iminentes terão o poder destruidor de uma força cega da
Natureza. Não se deve deixar as fantasias pessimistas criarem raízes. Ao
contrário, a fantasia otimista sendo uma expectativa construtiva,
tranquilizadora e ética deve ser cultivada... ela também pode ganhar força
quando as assimilamos como realidade inquestionável. Este seria o caso de uma crença no absoluto
transcendental criador que se consuma na fé e leva à plena realização
existencial.
Construir uma existência
que proporcione mais instantes de bem estar interior, paz e felicidade do que
de desassossego e infelicidade demanda boa administração das potencialidades
intelectuais afetivas e volitivas na circunstância em que se está contextualizado.
As metas auspiciosas implícitas no desejo de ser feliz alcançam a plena
realização quando fazem parte de projetos definidos aos quais dedicamos nosso
empenho; principalmente se vierem ao encontro de dons naturais e contribuírem
para a harmonia social.
A existência é um
contínuum. Na verdade ela se constrói sobre um corte (vazio) no tempo físico[1]. A experiência temporal para o sujeito
consciente se configura no “agora” que definiremos logo mais. Porém é o
presente metafísico ou eterno que pontua o acontecer no agora onde, diante do
olhar do ser consciente tudo acontece antes de ser transferido para o arquivo
da memória. O “presente metafísico” que não passa, assiste imóvel à passagem do
tempo físico entendido como a quarta dimensão da matéria. Este presente
metafísico é a janela que se abre para a eternidade na subjetividade humana,
pela qual o tempo físico é sugado inexoravelmente. Neste sentido, como uma
fenda cronologicamente indefinível no
tempo físico, o presente metafísico demarca historicamente o antes e o depois, separando o passado e o futuro na
existência de cada um. Por um mecanismo psicológico complexo o tempo passado é
arquivado com rigidez marmórea, em algum escaninho do servomecanismo biopsíquico
do homem; enquanto o tempo futuro é reconhecido como projeto sujeito a mudanças
antes de tornar-se passado. Os segmentos imediatos do antes (passado) e do
depois (futuro) permanecem no “agora”. O primeiro vivido como vivência do passado mais recente, e o
segundo como expectativa do que há de
vir no momento seguinte, ambas (vivência e expectativa) guardadas em arquivo
provisório num lugar qualquer do córtex cerebral. Esta descrição do dinamismo
do vir a ser consciente é uma tentativa de representar a complexidade biopsíquica
social e espiritual da subjetividade, experimentada como o “agora” que
representa na prática o presente psicológico.
Seria insensato ocupar esse intervalo virtual com fantasias inspiradas
em lembranças deprimentes ou expectativas sinistras. O presente metafísico ou
eterno por ser atemporal é um ponto de observação do qual a consciência
identifica a cronologia do tempo físico. Dele descortinam-se lembranças e
expectativas que se sucedem, dando a impressão de um movimento temporal do
passado para o futuro. O presente eterno (janela da eternidade) tem como representação
subjetiva uma vivência permanente de ser[2]. Mas é no agora que
vivemos nossas experiências históricas rotineiras ou criativas, cultas,
inteligentes, agradáveis ou desagradáveis que materializam o sentimento de ser,
de estar vivo, em pleno gozo da liberdade.
Este preâmbulo serve
como introdução à compreensão das experiências psicossociais e das
introspecções que, dia após dia, preenchem a existência feita de escolhas. A
partir do advento da consciência crítica o indivíduo estabelece certa distância
subjetiva entre seu ser mais íntimo e a realidade, por isso, capacita-se a
julgá-la (a realidade) e fazer escolhas. Então, defronta-se com a interrogação
que a vida lhe faz sobre o sentido que deseja imprimir à sua existência. Esta é
uma questão cuja resposta não é redutível a um jogo lógico de ideias claras, ela
é mais um acorde temático na construção do vir a ser pessoal. Ninguém pode ter
certeza absoluta do acerto e consequências da sua resposta à pergunta que lhe
faz a vida. A escolha inerente (a resposta) depende de muitas influências
positivas umas e negativas outras. É preciso sentir as sutilezas e
peculiaridades da existência de cada um, antes de avaliar o trágico ou o patético
dos encontros e desencontros que se multiplicam sob todas as bandeiras e sob
todos os credos. O reconhecimento da contingência humana é fundamental para a
prática da tolerância caridosa que enriquece a solidariedade.
Escapa ao sujeito do conhecimento
a essência das coisas, mas não lhe passa despercebida a intuição nebulosa de
uma totalidade organizada universal, na qual se apoia a crença em que tudo tem
um sentido. Assim a vida consciente tem um sentido no contexto evolucionário,
mas à consciência pessoal de cada um cabe descobri-lo (o sentido) e torná-lo
presente no mundo através do vir a ser existencial. Quando a resposta do eu consciente é responsável,
contextualizada num todo universal estruturado criativamente significativo garante
ao eu agente uma vivência de paz e dignidade mais convincentes do que as
certezas racionais. Nesta perspectiva, elabora-se o sentimento de autoestima
que flutua ao sabor da eficiência dos esforços empreendidos para manter a coerência
da contextualização histórica do que devemos e queremos fazer das nossas vidas.
A autoestima se apoia na capacidade de integrar os valores assumidos na
dinâmica estrutural psicossocial inerente à realização existencial de cada um,
e se confirma subjetivamente mediante a vivência de significação pessoal. Isso
implica na definição dos valores em torno dos quais construímos nossas
existências. Na prática, esta contextualização se dá no processo da
“individuação”[3].
Processo que é eminentemente cultural, portanto envolve sempre antecedentes que
nos oferecem fórmulas comportamentais já formatadas. Todavia, nas decisões
magnas que ultrapassam a rotina cultural, o sujeito consciente está só e não
tem outra garantia para o acerto de suas escolhas além da autoridade ética que
ele mesmo se outorga. Quando elas não recebem a chancela dos hábitos e valores
culturalmente consagrados, contrariando o que ficou estabelecido culturalmente,
batem de frente com a orientação da sociedade organizada sob outra visão de
mundo já consagrada. Neste confronto, a sociedade fecha os olhos para toda
verdade nova que contrarie suas crenças,
hábitos e costumes. Jesus é o exemplo extremo mais emblemático dessa disputa. Todos
sabemos o Seu sacrifício pessoal para sustentar as verdades soberanas que
pregou. Talvez este saber tenha sido a razão
que levou Guimarães Rosa a dizer em seu livro[4] que “Viver é muito
perigoso”.
Everaldo Lopes
[1] O tempo cósmico no qual os
seres sensíveis acontecem; em oposição ao tempo metafísico em que o presente é uma janela da eternidade que se
abre no tempo cósmico.
[2] Enquanto privamos da
consciência lúcida, cada um se sente, em essência, o mesmo, da infância à
adultidade, não importando que o nosso corpo físico tenha mudado inteiramente morfológica
e substancialmente. Ninguém depois de algumas décadas possui um só dos átomos
de sua composição bioquímica na infância, mas, não se altera a vivência do “si
mesmo”, ou self, centro de toda personalidade, para Jung.
[3] Processo por meio do qual uma pessoa se torna
consciente de sua individualidade, de acordo com C.G. Jung (1875-1961)
[4] “Grande Sertão:Veredas!