sexta-feira, 3 de abril de 2015

Significação do Jesus histórico no processo evolutivo

                      A mensagem otimista de Jesus ameniza a insegurança inerente à  consciência de ser provisório. A fé inabalável num Poder absoluto, criador, que envolve suas criaturas com amor misericordioso alimenta a esperança de um desfecho histórico e transtemporal glorioso para a vida consciente. 
                        O determinismo do processo evolutivo se prolonga na organização biológica até o despertar no homem da subjetividade consciente reflexiva na qual se revelam grandezas abstratas (o pensamento, o amor-caridade[1]...) imensuráveis, de natureza espiritual. Essas manifestações denotam um imponderável que se esconde na realidade visível, e justifica a fala de Hamlet na tragédia que leva o seu nome - “Há mais mistérios entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a tua vã filosofia". Imagino que o dramaturgo[2] referia-se à  intuição de uma transcendência absoluta misteriosamente presente no tempo!
                           Jesus viveu e pregou a solidariedade entre os homens unidos pelo amor ao Criador. Este amor se revela no diálogo de cada um com seu Alter ego, o Espírito incriado, necessariamente presente nas suas criaturas, mais íntimo e pessoal no homem do que seu próprio ego.                 Diálogo que na prática não é mais do que o desdobramento de um monólogo existencial profundo. Afinal Deus fala ao homem, mas o homem identifica apenas a voz da própria consciência à qual atribui o timbre divino por intuição que se consolida num ato de fé.  Ninguém viveu mais intensamente esse monólogo dialógico do que Jesus na sua vida até a morte. Para Ele  a relação com o divino era tão real  que dela não podia abrir mão sem comprometer sua integridade pessoal. Dessa forma, num contexto bíblico religioso os cristãos reconhecem em Jesus o filho de Deus que veio ao mundo para salvar o homem do “pecado”, reaproximando-o do seu Criador. Numa leitura leiga, antropológica,  Jesus representa o protótipo cultural do homem, uma vez que deste não existe um modelo natural. Ao nascer, o indivíduo da espécie Homo sapiens é dotado da condição humana, ou seja, de consciência reflexiva, razão e livre arbítrio, elementos indispensáveis para tornar-se homem.   O caminho da humanização é longo. O indivíduo começa identificando  os anseios imediatistas sensuais, egoístas, cuja natureza temporal enseja a insegurança peculiar à própria contingência. Identifica-os e experimenta-os; porém, para continuar responsavelmente livre sabe que não deve apegar-se a eles. Nesse contexto vale-se do exercício da razão e da consciência reflexiva, associadas ao livre arbítrio para libertar-se dos determinismos egoicos e assumir valores éticos superiores.  Este salto evolutivo de natureza espiritual indispensável à continuidade da Evolução se concretizou em toda sua extensão na pessoa de Jesus.  Mas todos os homens reúnem as condições necessárias para imitá-Lo. Por isso, conhecendo e amando profundamente seus irmãos  Ele proclamava com autoridade, convidando-os a segui-lo: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Assim falava um  homem inteligente,  sensível, dono da própria  vontade, que se distinguia por sua fé inabalável numa visão de mundo criacionista, monista espiritualista. Sua proposta existencial é o caminho régio da humanização.  Daí a importância do Jesus histórico no processo evolutivo.
                     Conclusão. A prática das virtudes cristãs representa o momento evolutivo mais importante para a consumação da humanidade plena.  Esta prática tem sido valorizada como experiência mística de caráter religioso. E nesse nível ela é muito mais intensa e pacificadora. Mas a  leitura antropológica, laica, da experiência em questão põe em evidência que os fatores dinâmicos dessa prática são o exercício responsável da razão, da consciência reflexiva e do livre arbítrio, elementos indispensáveis à flexibilidade criativa do comportamento humano ante os obstáculos à consecução da organização comunitária da sociedade. De tudo isso se depreende que a construção do homem integral implica em mobilizar os recursos da condição humana para elaborar e praticar um comportamento justo e solidário. Nesse processo, obviamente é indispensável participação pessoal criativa que demanda a disciplina de impulsos passionais e tendências primitivas.
                Espiritualistas e materialistas fiéis à análise crítica da realidade humana, livres de preconceitos, chegam à mesma conclusão quanto ao papel do homem no processo evolutivo.  Tendo em vista o exercício coerente da razão, da consciência reflexiva e do livre arbítrio o comportamento ético de uns e de outros não difere, objetivamente, mas só os primeiros gozam o benefício da esperança de um desfecho otimista histórico e transtemporal para a vida consciente. Os materialistas não esgotam todas as possibilidades especulativas ao analisar a “condição humana”, e ficam reféns do destino entrópico[3] da matéria.
              Everaldo Lopes



[1] No vocabulário cristão , o amor que move a vontade à busca do bem de outrem.
[2] William Shakespeare
[3] Entropia – medida da quantidade de desordem de um sistema