A mensagem otimista de Jesus ameniza
a insegurança inerente à consciência de
ser provisório. A fé inabalável num Poder absoluto, criador, que envolve suas
criaturas com amor misericordioso alimenta a esperança de um desfecho histórico
e transtemporal glorioso para a vida consciente.
O
determinismo do processo evolutivo se prolonga na organização biológica até o
despertar no homem da subjetividade consciente reflexiva na qual se revelam
grandezas abstratas (o pensamento, o amor-caridade[1]...)
imensuráveis, de natureza espiritual. Essas manifestações denotam um
imponderável que se esconde na realidade visível, e justifica a fala de Hamlet
na tragédia que leva o seu nome - “Há mais mistérios entre o céu e a terra,
Horácio, do que sonha a tua vã filosofia". Imagino que o dramaturgo[2]
referia-se à intuição de uma
transcendência absoluta misteriosamente presente no tempo!
Jesus viveu e pregou a solidariedade entre
os homens unidos pelo amor ao Criador. Este amor se revela no diálogo de cada um
com seu Alter ego, o Espírito incriado, necessariamente presente nas suas criaturas,
mais íntimo e pessoal no homem do que seu próprio ego. Diálogo que na prática não é
mais do que o desdobramento de um monólogo existencial profundo. Afinal Deus
fala ao homem, mas o homem identifica apenas a voz da própria consciência à
qual atribui o timbre divino por intuição que se consolida num ato de fé. Ninguém viveu mais intensamente esse monólogo
dialógico do que Jesus na sua vida até a morte. Para Ele a relação com o divino era tão real que dela não podia abrir mão sem comprometer
sua integridade pessoal. Dessa forma, num contexto bíblico religioso os cristãos
reconhecem em Jesus o filho de Deus que veio ao mundo para salvar o homem do
“pecado”, reaproximando-o do seu Criador. Numa leitura leiga, antropológica, Jesus representa o protótipo cultural do
homem, uma vez que deste não existe um modelo natural. Ao nascer, o indivíduo da
espécie Homo sapiens é dotado da condição humana, ou seja, de consciência
reflexiva, razão e livre arbítrio, elementos indispensáveis para tornar-se
homem. O caminho da humanização é
longo. O indivíduo começa identificando
os anseios imediatistas sensuais, egoístas, cuja natureza temporal
enseja a insegurança peculiar à própria contingência. Identifica-os e
experimenta-os; porém, para continuar responsavelmente livre sabe que não deve
apegar-se a eles. Nesse contexto vale-se do exercício da razão e da consciência
reflexiva, associadas ao livre arbítrio para libertar-se dos determinismos
egoicos e assumir valores éticos superiores.
Este salto evolutivo de natureza espiritual indispensável à continuidade
da Evolução se concretizou em toda sua extensão na pessoa de Jesus. Mas todos os homens reúnem as condições
necessárias para imitá-Lo. Por isso, conhecendo e amando profundamente seus
irmãos Ele proclamava com autoridade,
convidando-os a segui-lo: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Assim falava
um homem inteligente, sensível, dono da própria vontade, que se distinguia por sua fé
inabalável numa visão de mundo criacionista, monista espiritualista. Sua
proposta existencial é o caminho régio da humanização. Daí a importância do Jesus histórico no
processo evolutivo.
Conclusão. A
prática das virtudes cristãs representa o momento evolutivo mais importante
para a consumação da humanidade plena.
Esta prática tem sido valorizada como experiência mística de caráter
religioso. E nesse nível ela é muito mais intensa e pacificadora. Mas a leitura antropológica, laica, da experiência
em questão põe em evidência que os fatores dinâmicos dessa prática são o
exercício responsável da razão, da consciência reflexiva e do livre arbítrio,
elementos indispensáveis à flexibilidade criativa do comportamento humano ante
os obstáculos à consecução da organização comunitária da sociedade. De tudo
isso se depreende que a construção do homem integral implica em mobilizar os
recursos da condição humana para elaborar e praticar um comportamento justo e
solidário. Nesse processo, obviamente é indispensável participação pessoal
criativa que demanda a disciplina de impulsos passionais e tendências
primitivas.
Espiritualistas e
materialistas fiéis à análise crítica da realidade humana, livres de
preconceitos, chegam à mesma conclusão quanto ao papel do homem no processo
evolutivo. Tendo em vista o exercício
coerente da razão, da consciência reflexiva e do livre arbítrio o comportamento
ético de uns e de outros não difere, objetivamente, mas só os primeiros gozam o
benefício da esperança de um desfecho otimista histórico e transtemporal para a
vida consciente. Os materialistas não esgotam todas as possibilidades
especulativas ao analisar a “condição humana”, e ficam reféns do destino
entrópico[3]
da matéria.
Everaldo Lopes