Há momentos em que o gosto de viver é
posto à prova. A ausência de expectativas alvissareiras se apresenta, então,
com uma evidência chocante. Eventualmente ruem as construções existenciais que
protegem o homem contra a fragilidade de sua contingência, e sobressai a certeza
angustiante da impermanência de tudo que é temporal. A visão da finitude
pessoal incontornável se torna dolorosa, ao lado de uma incômoda impressão de
anonimato e impotência. É preciso estar bem consciente desta realidade, e das
possibilidades da condição humana, para enfrentar o impacto do vazio
existencial e opor-lhe resistência com objetividade e criatividade. Urge,
então, fomentar o momento existencial pleno implícito na prática de um vir a
ser construtivo, e na alegria de viver não obstante a insegurança e
impermanência inerentes à condição humana. Ainda que imerso numa situação
problemática o homem aspira à empolgação apaixonada de um objetivo definido,
conscientemente assumido, que o livrará da vivência sufocante de estar
fenecendo em vida. É preciso reconhecer a realidade existencial em toda sua
precariedade para edificar o jeito pessoal de ser. Nada se constrói sobre
ilusões. A vitória da criatividade sobre a precariedade da existência pode parecer
distante, mas não é impossível, e o ponto de partida do comportamento
construtivo é a realidade. Nesta perspectiva há que contar sempre com a
circunstância que se impõe ao protagonista no vir a ser existencial, sabendo
que não se pode modifica-la, sempre, e que bom número de vezes ela depende de
um toque da fortuna!... No intervalo entre
o registro da realidade e a construção pessoal é que ocorrem as grandes crises
existenciais. Naqueles momentos em que o
gosto de viver é posto à prova, decepcionado com a limitação ao desejo de gozos
infinitos, o homem flutua na própria subjetividade, perplexo, sem encontrar um
pouso. Precisa, então, ter a coragem e criatividade necessárias para plantar e
cultivar um ideal de realização pessoal. Ao aceitar o desafio o homem passa a viver em
função da esperança de realizar o ideal projetado. Neste envolvimento
desenha-se um sentido com o qual ele se compromete. Mas como o alvo do seu projeto
existencial está sempre muito distante é preciso que cada um se revista de paciência,
e não desista nunca de alcança-lo, esperando confiante a concretização do
resultado desejado. Todavia, no devir fugaz a capacidade humana de realização tem
prazo de validade definido; chega o momento em que se esgota este tempo e é
preciso enterrar o sonho não realizado, sem desabar. Afinal, desde o início era
sabido que os ideais temporais são incompletos e transitórios, nunca nos
satisfarão integralmente. Neste ponto
faz toda diferença para o homem crer em que a expectativa de plenitude poderá
realizar-se quando o seu espírito romper a barreira do tempo, despojando-se da
materialidade biológica na qual se encarna. Amparado pela fé ele acalenta a
possibilidade de total realização no deslumbramento diante da visão beatífica do
Espírito Eterno. Mas crer é um fenômeno complexo que não se pode forjar a
golpes de vontade. Como o amor, a fé é mais um sentimento que avassala o ser
consciente, superando a racionalidade em favor de intuições criativas capazes
de alcançar verdades que a razão desconhece. Neste contexto, a impermanência registrada no
exercício da racionalidade impermeável à crença é uma fatalidade limitante. Crendo,
porém, o homem supera a restrição da fugacidade e impermanência do vir a ser efêmero,
abrindo-se lhe a porta que leva ao essencial e ao eterno inacessíveis à razão.[1]
A incapacidade racional de
sobrelevar-se à fugaz impermanência da existência ensombrece as expectativas do
homem que espera realizar o sonho de transcendência, contra a evidência
incontornável da precariedade do seu ciclo biológico. As alternativas são: viver
o heroísmo estoico do ateísta materialista que encara sua impermanência como a caminhada
para a morte definitiva; ou viver a intimidade mística com uma transcendência
absoluta misteriosamente inerente à contingência cósmica e humana, garantia de
que a morte biológica não é o fim definitivo do homem. Estas considerações repercutem
na capacidade pessoal de conviver criativamente com as contradições da
existência[2]
sem deixar-se sucumbir à impermanência do vir a ser contingente. No esforço
heroico de conviver com a própria contingência é preciso estar preparado para
viver com qualidade quando o recuo do horizonte temporal encurtar a expectativa
de vida. Nesta transição etária, considerando as restrições emergentes torna-se
evidente a dificuldade de vivenciar o agora com um otimismo ingênuo. O
indivíduo já não pode contar com o vigor físico, e torna-se cada vez mais
evidente todo cortejo de consequências do envelhecimento. Todavia pode-se
sempre contar com a experiência dos anos vividos, que permitirá rever e
reorientar a existência para auferir os benefícios pessoais e sociais ainda
possíveis. Acompanhará tudo isso um movimento de interiorização pessoal... As
ações criativas se transformam em atitudes diferenciadas enriquecidas pelo
aumento da liberdade no exercício responsável da consciência individual, e pela
coragem de correr riscos na defesa dos valores universais. Nesta mudança
comportamental o vir a ser existencial alimenta-se de sabedoria. Tudo isso só será possível, porém, sob a regência
do compromisso intransigente com um sentido
assumido, proposto como o leitmotiv da própria existência, integrado no ideal
de auto realização mediante o exercício responsável da liberdade consciente. É
este sentido que dá sustento à postura
de uma pessoa lúcida cuja expectativa de plenitude confere dignidade
ao ser humano. Mesmo quando por circunstâncias restritivas, na pior hipótese
faltem ao homem a ação, o gesto e a palavra construtivas, a postura coerente
com a razão de ser pessoal revelará a força interior do sentido no qual investiu todos os seus dons.
Everaldo Lopes