quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Lembretes valiosos


No íntimo de cada homem agita-se o pensamento curioso. Sob essa agitação há um tropel de emoções e de sentimentos! Neste contexto, a vontade teimosa se insinua, sustentando valores, e implementando desejos. Orientado pelo pensamento e pelos sentimentos, auxiliado pela vontade, o sujeito consciente realiza suas possibilidades, mediante escolhas e ações pertinentes. Para escapar de ser-para-nada, o homem se agarra a uma âncora, seja uma crença, uma expectativa amorosa, um “projeto” empresarial... a intensidade com que  mergulha num desses empreendimentos é que confere consistência à sua “existência”.
            Na ausência da empolgação de um ideal sedutor, exceto aqueles momentos em que se está amando ou criando, a existência se resolve em incerteza, dor, sofrimento e prazeres equivocados... O controle consciente através da intervenção pessoal sobre o devir é apenas uma variável no meio de muitas outras independentes. Com este perfil o homem está sujeito a situações imprevisíveis... Afinal, ele será, sempre, uma gestalt aberta à influência de especulações inacabadas... Mas a vida lhe cobra uma definição, exige-lhe uma postura definida. Nesta conjuntura, sábio é aquele que, contra todas as incertezas, aposta na possibilidade de vida plena para fechar sua gestalt... e avança resoluto para um final almejado. A qualquer momento poderá ser suprimido da existência, mas, então, na plenitude do “ser”, como o pássaro abatido em pleno voo.
Cada momento é completo em si mesmo... A consciência do “presente” é que forja a realidade atual. Quem se detém, preocupado com a expectativa do próprio fim, torna-se objeto da observação de si mesmo, imobilizado diante da sua característica básica, a simples possibilidade de ser... e dessa forma desperdiça a oportunidade de atualizar-se criando algo original e pessoal... É o esforço criativo que constrói a realidade existencial, esculpindo uma personalidade...  A determinação consciente de atualizar-se, responsavelmente, leva a condição humana à ação criativa aqui e agora... nada acontece no passado ou no futuro, mas no “presente”... e como é óbvio, fazendo hoje o que precisa ser feito constrói-se o alicerce do amanhã. Pleiteando, mesmo com risco, um objetivo valioso, o ser consciente ganha tranqüilidade na esperança de ser-para-algo-significativo... então será feliz, vivendo no limite das suas potencialidades. Mas para isso é preciso crer... acreditar na força pessoal de realização... talvez contextualizando-se, consciente dos próprios limites, na perspectiva de um ordenador absoluto, sábio e misericordioso... alimentando, com fé, o otimismo quase infantil da expectativa de um final feliz. Fantasia? Talvez! Mas o que é a realidade senão possibilidade atualizada? E o que são as possibilidades antes de atualizadas, senão “fantasias”? Entre a possibilidade de ser e a realização pessoal o homem vive a ansiedade da incerteza... e se esforça para neutralizá-la de alguma forma. Esta visão faz parte do imaginário coletivo, e é legível em manifestações que enriquecem a cultura popular. Neste contexto serve de exemplo a versão pitoresca do modo de ser light que antagoniza a angústia existencial, descrito na “letra” do xote criado por Acyoli Neto, “Natureza das coisas”, divulgado pelo cantor Flávio José.

            “Ô chá lá,lá,lá,lá (bis )
           
            Se avexe não...
            Amanhã pode acontecer tudo,
           Inclusive nada.
           
Se avexe não...
            A lagarta rasteja
           Até o dia em que cria asas.

            Se avexe não...
            Que a burrinha da felicidade
           Nunca se atrasa.   
Amanhã ela para
Na porta da sua casa.

            Se avexe não...
            Toda caminhada começa
No primeiro passo,
            A natureza não tem pressa
Segue seu compasso,
            Inexoravelmente chega lá...

            Se avexe não !
            Observe quem vai
Subindo a ladeira
            Seja princesa ou seja lavadeira...
            Pra ir mais alto vai ter que suar.

            Ô coisa boa é namorar,
            Ô coisa boa é namorar.

O caráter fundamental da condição humana é transcender... o que expõe o sujeito consciente aos percalços da perplexidade e da angústia.  A toada popular mencionada, de uma forma ingênua, encerra exortações que prometem, sem compromisso, desfazer a ansiedade e o estresse, acenando com um porvir baseado na esperança e na aceitação da realidade... “Viajando” nelas, por um momento, nos predispomos à experiência do fatalismo inocente e otimista que fundamenta a sabedoria popular.
A competição selvagem que permeia a vida social, fez do estresse a doença do século. É ingênuo aconselhar: não se estresse! Ninguém tem o poder de evitar, sempre, as dificuldades que atropelam a “existência”... as situações estressantes fazem parte das nossas vidas... enquanto cada alma vai costurando suas defesas, seu modo de enfrentar a estrição. Nesta situação dir-se-ia: “Se avexe não”... não seja radical!! “Se avexe não”... “A burrinha da felicidade nunca se atrasa, amanhã ela para na porta da sua casa”... admita esta possibilidade se não puder crer! “Se avexe não”... forçando a barra você pode perder a razão. “Se avexe não”... a história não tem pressa segue o seu compasso e inexoravelmente o futuro chegará! “Se avexe não”. Confie em si mesmo (iniciativa e realização) que na hora própria, se merecer, você receberá a recompensa... O “Se avexe não” é uma recomendação que se praticada sabiamente pode anular o impacto do estresse. Na verdade ninguém escapa do estresse neste mundo contaminado pela mentira e pela ambição. O que se pode fazer é administrá-lo, inteligentemente. Alguns lembretes ajudam neste gerenciamento.
1: Lembrar a todo instante que tudo é provisório, nada é definitivo.
2: Lembrar o óbvio que teimamos em esquecer:
a) Revoltar-se, quedando-se a imaginar que o fato estressante nunca deveria ter acontecido, é tão insensato como querer inverter a seta do tempo.
b) Querer mudar, de repente, as pessoas que o estressam equivale a querer remodelar, com as mãos nuas, uma escultura talhada num bloco de rocha magmática. 
 c) Reagir às provocações, propositais ou não, inseridas no comportamento das pessoas que o estressam é uma forma de escravidão. Se não puder evitá-las ignore-as quando o/a provocarem.
d) Só há estresse quando se está emocionalmente envolvido. Se não puder evitar a situação estressante recolha-se e descreva-a, para você mesmo/a... Ao derramar no papel a sua exposição minuciosa, sem qualquer julgamento ou crítica, reduz-se o nível da tensão emocional, aliviando o estresse.
e) Ao manter viva a consciência de que o estresse exalta a imaginação, se esforce para podar os exageros dramáticos do seu medo ansioso, e assim imunizar-se contra o desespero.
f) Quando se esgotarem todos os recursos defensivos ante uma situação estressante entregue-se sem reservas à lei geral que rege todas as coisas e ganhará, paradoxalmente, alguma tranqüilidade... o consentimento embutido nesta atitude é algo emocionalmente equivalente ao que acontece quando se é agraciado pela fé na providência e misericórdia do Criador ao dizer: “Seja feita a Vossa Vontade”.
Com estes lembretes não queremos editar um texto de autoajuda[1], mas oferecer ao leitor uma visão dinâmica das posturas mais inteligentes diante das situações estressantes da vida.


[1] No texto anterior (Alquimia psíquica) já assinalamos a inoperância dos livros de autoajuda..