O ser humano é problemático. A razão
e o sentimento nem sempre estão de
braços dados. Quando há conflito, as
demandas afetivas confrontam as normas éticas estabelecidas. E este confronto é
fonte de inquietação. A recusa do sujeito consciente a uma proposta afetiva é opção
difícil, por vezes sofrida. De um lado ele
sente que satisfazendo o coração aliviaria o fardo da sua existência; do outro sabe
que o desrespeito aos valores éticos assumidos compromete a dignidade pessoal. A
resposta existencial harmoniosa que atenda ao sentimento sem romper com as
normas éticas depende da sensibilidade e criatividade pessoais para
flexibilizar o comportamento de forma a satisfazer o sentimento com dignidade. O caráter do indivíduo é decisivo na escolha
da forma de realizar o desejo imediato de ser feliz comum a todos os homens. A
escolha fundamentada em princípios puramente éticos, nem sempre corresponde a
uma vivência de felicidade. A prática ética sem amor é insípida. O prêmio de
consolação do comportamento ético condicionado à simples determinação da
vontade é o sentimento do dever cumprido que não preenche
todos os anseios existenciais. Todavia, agir responsavelmente sob a égide de
princípios morais culturalmente sedimentados é o que se espera de todos os
homens. Sem a prática responsável dos indivíduos não haveria civilização. Felizmente
“.... a virtude não precisa ser triste.[1]” O
amor essencialmente responsável excede a ética convencional e é fonte de
alegria inesgotável; sua prática representa o mais alto nível de realização
humana. Entendido como sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de
outrem fundamenta a grande máxima ética de Santo Agostinho: “Ama e faze o que
quiseres”. O amor reforça os laços universais de solidariedade entre os homens,
mesmo quando fere hábitos e costumes já estabelecidos. Na verdade o amor constitui
um salto evolutivo revolucionário confiado ao exercício da liberdade inerente à
condição humana.
A
ordem universal que assegura o processo evolutivo, e a emergência da liberdade no homem sugerem um absoluto que se manifesta pela comunhão incorruptível (amor)
entre o ser consciente e seu alter ego transcendental (Intuição divina). Nesse
contexto, Deus não seria um ser supremo isolado do mundo, mas um Dinamismo
Absoluto Eternamente Criativo que perpassa todo Universo e se revela
ostensivamente no vir a ser humano. O assentimento a este dinamismo
transcendental que dá suporte e estrutura à própria existência traz como
resultado o reconhecimento do nível ético religioso de existência[2]. Concordância que confere uma base filosófica
para a postura mística consentânea com a dimensão transcendental do homem. Todas
essas considerações nos remetem ao todo absoluto no qual estamos
contextualizados.
O
envelhecimento a doença e a morte são eventos naturais do ciclo da vida, mas
constituem um desafio para o equilíbrio existencial[3]. O
ser consciente transcende o puramente biológico e pensa nesses eventos antecipadamente
como um risco iminente. Isso incomoda, e é preciso uma ascese bem sucedida para
que o eu pensante possa imaginar esses desdobramentos da vida pessoal sem medo
ou constrangimento. É ingênuo lamentar as restrições pessoais e circunstanciais
que fazem parte da vida. Para o ser consciente objetivamente centrado na
realidade é fundamental aceitar a inevitabilidade do envelhecimento, da doença
e da morte. Para consumar, porém, esta aceitação pressupõe-se um fenômeno
biopsíquico complexo difícil de definir para o qual contribuímos conscientemente apenas com a determinação de
não interrompê-lo por medo de enfrentar a realidade. A verdade é que no cadinho
da subjetividade vão-se misturando experiências, conceitos, emoções e
sentimentos variados inclusive a relutância em abraçar a finitude. De repente
como resultado de um processo que não está sob o controle da consciência, a
vivência de revolta cede lugar à disposição para aceitação mais tranquila dos
limites biológicos. O beneficiário desse processo percebe, então, o despertar
de uma vivência de serenidade na sua existência desamparada. Talvez haja
flutuações dessa vivência daí por diante, como costuma acontecer com os
fenômenos psicodinâmicos. Mas, então, já é possível lidar com o pior sem
desabar. Depreende-se de tudo isso que a verdade última é uma verdade de fé,
porém é mais razoável do que qualquer argumento apresentado pela razão.
Levantar a questão dos limites existenciais e discuti-la sem reservas é o primeiro
passo a caminho da maturidade intelectual e afetiva. O que se segue é uma
transformação interior cuja paternidade não se pode ter a veleidade de assumir
como iniciativa individual consciente independente de uma intervenção
determinante que escapa à observação. Por isso muitos pensam dever-se esta
transformação a uma graça divina que entremostra de forma obscura a unidade do
Universo e da consciência na intimidade dinâmica da lógica complexa da
realidade!
Racionalmente,
viver confrontando a finitude é uma insensatez. Sem abraçar a transitoriedade da
vida a existência vira um lixo. É estulto esperar com ansiedade o que vai acontecer
se nada se pode fazer para evita-lo! Todavia
é difícil anular a angústia existencial do homem diante da fugacidade dos seus
dias, antes que ocorra a transformação interior já mencionada. A persistência
do desejo infantil de ser invulnerável explica porque o indivíduo se amofina ao
vivenciar sua realidade finita. A superação desse conflito deve evoluir na
medida em que as pessoas vão realizando de forma positiva seu movimento
subjetivo de amadurecimento. Da revolta contra os limites da existência, à
aceitação da finitude cada um tem sua forma peculiar de lidar com os próprios dons
na conquista de uma vivência de serenidade!
Everaldo
Lopes.