quarta-feira, 22 de maio de 2013

O caminhar da Humanidade



            O noticiário que a mídia divulga diariamente registra a monótona repetição de eventos depressivos. Assassinatos, latrocínio, corrupção, sequestros, estupros, crise econômica, desemprego, fome, desabrigo, assistência médica deficiente e educação precária! Num desses dias, desencantado com este panorama desanimador demorei a conciliar o sono.   Finalmente, adormeci e sonhei... Ou foi uma visão!!! Não sei bem. De qualquer forma recordo.   Avistei na tela da minha fantasia imenso vale onde uma multidão se agitava inquieta.  E ouvi o que diziam aqueles homens e mulheres espalhados até perder de vista. O alarido era grande. Operários oprimidos bradando seus protestos contra a exploração do capital desalmado. Nas bolsas, os pregões do cobiçoso mercado de ações.   Políticos em campanha eleitoral esbanjando eloquência em discursos demagógicos. Professores mal remunerados pedindo verbas para a melhoria do ensino público. Os sem teto, sem roupa, sem comida, reivindicando abrigo, agasalho e alimento. Jovens inquietos e despreparados escondendo a própria ansiedade em curtições ruidosas ou no inferno aliciante das drogas. Idosos dissimulando as perdas da velhice com piadas insípidas. Doentes aos milhares a pedir socorro médico ou, genuflexos, orando e esperando curas milagrosas, sem saberem o que fazer para ser feliz no tempo de vida que lhes for acrescentado. Agentes de saúde reclamando recursos materiais e técnicos. Líderes inflamados por ideias humanitárias discursando para plateias descrentes suas mensagens de solidariedade entre os homens; enquanto a violência impera no seio das famílias e entre os povos. Estas cenas se atropelaram na minha imaginação não mais do que alguns segundos num tumulto incontido. Felizmente, como se despertasse de um pesadelo, no momento seguinte elas já haviam sumido. Mas eu fiquei tenso e interrogativo!!! Era forçoso reconhecer que as imagens reunidas naquela visão fantástica formavam um quadro surrealista da humanidade não muito distante, porém, da realidade que vivemos!!! Por que tanto infortúnio se todos aspiramos à felicidade? Pensei! E logo percebi o óbvio. O mundo só seria diferente se cada um exercitasse os seus talentos, sábia, proba e oportunamente, “implementando” programas políticos, econômicos, sociais de cooperação e partilha. Mas logo me adverti que isso dependeria da conversão de todos os homens a paradigmas opostos aos que prevalecem no nosso mundo capitalista globalizado[1]. E concluí com tristeza que a solidariedade universal é um sonho distante. Senti quão urgentes são as mudanças solidárias na postura ética dos indivíduos. Mas, ao mesmo tempo ponderei que é no mínimo pretensiosa a intenção de transformar as pessoas. É preciso que cada um se esforce para mudar a si próprio; “temos que nos tornar a mudança que queremos ver.”[2] O caminho é o autoconhecimento, a autenticidade e a disciplina emocional.  Compreendendo-se, o indivíduo poderá reorientar-se se tiver o autocontrole necessário. Aprenderá a bem utilizar as virtudes que lhe são inerentes, num esforço real para viver os valores superiores da Humanidade. A “existência” centrada no desempenho da consciência reflexiva contemporânea do livre arbítrio é o cadinho onde se misturam e se fundem as experiências reais capazes de transformar o mundo mediante ações humanas construtivas. No âmbito da existência é que o homem identifica seu objetivo e faz uma opção consciente diante das alternativas possíveis. O objeto dessa escolha deverá transformar-se em realidade através da ação livre, decidida, esclarecida e coerente do sujeito consciente e responsável. Por ai começam as transformações indispensáveis à construção de um mundo melhor.
Há uma oposição aparente entre a consciência reflexiva e o mundo. Estas duas dimensões não se explicam mutuamente, todavia elas são inseparáveis no modo de ser próprio do homem.  É fácil constatar que a consciência de ser alguém ocorre juntamente com a de estar no mundo. A ordem implícita na evolução desde a matéria primitiva até o homem[3] dá lugar a especulações lógicas[4] sobre a consciência e o mundo. Ora, não há ordem sem intenção. Mas a intenção efetiva implica escolha objetiva seguida de deliberação o que supõe consciência. Constatada a ordem evolutiva que assinalamos impõe-se a questão de explicar o advento da consciência e do mundo. Para não cair no dualismo metafísico é forçoso admitir que a consciência está potencialmente presente nas menores partículas de matéria, que se unem em prol de um servomecanismo capaz de manifesta-la (a consciência) em sua plenitude reflexiva[5]. Objetivo que se concretiza no homem através da extrema complexidade do Sistema Nervoso Central. A grande conquista do exercício da consciência reflexiva é a possibilidade da reformulação dos padrões evolutivos mediante a inserção da liberdade no processo evolucionário. A existência é exatamente o espaço humano em que ocorre um diálogo íntimo entre o conhecimento imediato da própria atividade psíquica, e a representação racional e emocional do mundo que esta atividade espelha.  Anula-se na intimidade subjetiva a aparente oposição entre a consciência e o mundo. A razão, a intuição criativa e o livre arbítrio disciplinam e redimensionam as potencialidades da Natureza. O indivíduo assegura esses valores, confirmando-os com a própria existência. Ao incorporar a liberdade, o processo evolutivo torna imperiosa a responsabilidade ética das escolhas pessoais solidárias para garantir a sobrevivência da espécie humana e dar continuidade à própria Evolução.
O grande desafio é o salto evolutivo do Homo sapiens sapiens para o Homo sapiens eticus, que já não depende de uma mutação genética porém do bom uso da liberdade. Nessa perspectiva cabe ao homem desempenhar seu papel na Evolução, mediante o exercício livre da “solidariedade” indispensável à construção da comunidade humana.           
Everaldo Lopes


[1] Representados pela competição frequentemente aética  e acúmulo de riqueza
[2] Gandhi
[3] Ser consciente e responsável
[4] Estas ideias já foram discutidas em Devaneio especulativo I, texto postado neste blog.
[5] Atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo(e posteriormente em relação aos chamados estados interiores, subjetivos)  aquela distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração.(Dic. Aurélio)