O equilíbrio fisiológico entre os nossos órgãos e sistemas vitais é um
fenômeno biológico complexo em permanente interação com o meio ambiente. Nesse nível apenas vivemos. Por outro
lado, os hábitos e costumes que permeiam as manifestações coletivas estão
ligados à prática dos valores éticos. São eventos culturais que espelham o
exercício responsável da consciência reflexiva na vida social.
Nesse patamar existimos.
A forma de as pessoas se relacionarem entre si demonstra o maior ou
menor comprometimento com a Verdade e a Justiça no encaminhamento das relações interindividuais.
Isso se reflete na autoavaliação e disciplina comportamental de cada um.
Desde as especulações dos primeiros pensadores, tornou-se evidente a
necessidade de admitir um “primeiro motor não movido”[1],
um absoluto criador, visto que nenhum dos seres que constituem o Universo é
capaz de criar-se a si mesmo. Analisando retrospectivamente a organização
evolutiva destes seres identificamos uma complexidade crescente, desde a
matéria primitiva caótica até os organismos vivos e a eclosão no homem da consciência
reflexiva. Uma vez que toda ordem implica
numa intenção e esta só existe como um estado de consciência, a constatação do
ordenamento impresso na evolução do mundo visível a partir do big bang dá lugar
a abstrações metafísicas compatíveis com a intenção de uma consciência
universal necessariamente inerente ao Absoluto criador.
Por outro lado, os seres incapazes de gerar a si mesmos também não
possuem a força da subsistência. Isolados do Criador eles desapareceriam. Esse
raciocínio conduz à conclusão lógica de que as criaturas não sobrevivem separadas
da transcendência absoluta que as criou. Portanto, esta transcendência e a
imanência espaço-temporal constitutiva
das criaturas coexistem necessariamente de um modo incompreensível para a razão
humana. Diante dessa exigência lógica o pensador coerente é levado a admitir um
dinamismo absoluto eternamente criativo que cria e permanece na criatura; em
vez de um Criador isolado da sua criação. Conclusão: Deus está presente,
necessariamente, em todos os seres que compõem a Natureza. Todavia, apenas o
homem presume sua presença misteriosa da qual o único sinal referencial é
subjetivo, seja uma expectativa com base especulativa, seja, na melhor
hipótese, a fé incondicional no “Dinamismo Absoluto Eternamente Criativo”.
Levantando essa questão compreendemos melhor a afirmação mística de São Paulo
após a conversão: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim.”
Com essa visão de Deus
(o Criador) como um dinamismo absoluto eternamente criativo, necessariamente
presente nas suas criaturas, ponho-me a pensar sobre a prática e o fundamento
da oração. Orar é conversar com Deus que já está presente em quem reza. O “ego”
do suplicante confronta-se na subjetividade do ser humano com o “alter ego”
absoluto cuja transcendentalidade não se deixa apreender num conceito, mas está
presente, sempre autônoma e poderosa
reconhecível como a “voz da consciência”. A realização miraculosa
repousa na força criadora presente em quem pede confiante na coincidência do
seu pedido com a integridade da criação, condição para a realização do milagre.
Obviamente, tudo está contextualizado num todo absoluto unitário, e o pedido de
quem ora só será atendido quando coincidir com a ordem implícita neste absoluto
(em linguagem mística: a vontade do Criador). Coincidência viável uma vez que a
vontade absoluta de Deus está potencialmente presente na vontade da criatura
consciente, inspirando-a a praticar os valores éticos universais. O não
atendimento ao pedido extraordinário não seria uma negação, mas a afirmação de
uma realidade cuja inteligibilidade escapa ao conhecimento do suplicante. Por
mais justa que pareça, a súplica atual pode não se encaixar na ordem evolutiva
inerente à intenção da Consciência Universal. Portanto quem roga deve
permanecer submisso à vontade do criador que tudo vê, e identifica as consequências à distância do que se pede
hoje, inacessível ao conhecimento do suplicante; eventualmente seu pedido pode
não integrar-se na unidade do Todo
absoluto.
Tendo sido criado consciente reflexivo, racional e dotado de livre
arbítrio, o homem se identifica com o seu Criador no exercício das funções
psíquicas superiores que têm caráter espiritual. Espiritualidade refletida na
aspiração do ser consciente à integração pessoal no absoluto transcendental. As
especulações desenvolvidas anteriormente sobre a unidade do Absoluto criador sugerem
a expectativa de que as limitações temporais se anulam na comunhão perfeita da criatura e do Criador.
Na perspectiva desses comentários é
infantil pedir que Deus realize o milagre sem a participação de quem o pede;
sua colaboração é essencial. Ao dizer: Deus dê-me a graça de ser benevolente e
solidário, estou pedindo a mim mesmo a minha própria contribuição pessoal para
viabilizar a graça desejada, deixando nas mãos do Criador os fatores que
escapam ao meu controle. Sejam as catexes[2]
que transitam na minha intimidade
psíquica inconsciente, seja a interação complexa surpreendente das forças da
Natureza. Na oração quem pede o milagre
reconhece a própria incapacidade de realizá-lo por si só, todavia está
confiante em que seu pedido seja compatível com a intervenção favorável do Dinamismo Absoluto Eternamente Criativo.
Em resumo, a unidade misteriosa da
transcendência e da imanência é compatível com a tese que a única realidade é o
Espírito eterno, transcendência absoluta, origem de tudo[3].
A imanência cósmica essencialmente fugaz que se prolonga na organização
biológica, inclusive do homem, pode ser comparada a uma bolha espaço temporal na
intimidade do Espírito eterno que a absorve finalmente na sua unidade absoluta.
Depois da morte biológica a alma humana, centelha do espírito eterno transfigura-se,
sem perder a identidade, participando da unidade comunitária de todas as
consciências.
Everaldo Lopes