quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Homenagem póstuma




Minha irmã, muito querida, Tia Maléa, assim a chamam até hoje todos os meus filhos, já não está entre nós, mas dela guardamos a presença inconfundível, numa imensa saudade.
Na sua dedicação à soberania da mensagem cristã, deixou inúmeros manuscritos nos quais comenta os Evangelhos. Suas sobrinhas Ruth e Maria Ângela tomaram para si a incumbência de digitá-los e enviá-los a mim, aos seus irmãos e amigos comuns.
Esta semana recebi o texto que vai abaixo transcrito.

(MATEUS 7, 7-11) – SABER DISCERNIR – CONFIANÇA NO PAI

Jesus nos aconselha o discernimento ao semear a sua palavra, para que seja valorizada e não usada levianamente. Suscita também em nós a confiança no Pai que ouve  e sabe dos nossos pedidos e necessidades, nunca deixando sem resposta.

Vejamos:
Saber discernir
 “Não dêem  aos  cães  o que  é santo, nem  atirem pérolas aos porcos; eles poderiam pisá-las com os pés e, virando-se, despedaçar vocês”
Confiança no Pai
“Peçam e lhes será dado! Procurem e encontrarão! Batam e abrirão a porta para vocês! Pois todo aquele que pede, recebe; quem procura acha; e a quem bate, a porta será aberta. Quem de vocês dá ao filho uma pedra, quando ele pede  um  Pão? Ou lhe dá uma cobra, quando ele pede um peixe? Se vocês que são maus, sabem dar as coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai  de  vocês que está no Céu dará coisas boas aos que lhe pedirem.”
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Jesus nos orienta e aconselha a termos intimidade com Deus procurando-o, pedindo-lhe  e  batendo  a sua porta. Enfim, confiando-lhe os nossos desejos, necessidades, aflições e dúvidas, assim como um filho pede ao pai, da terra, certo de que  ele  fará  o melhor. De  forma muito mais eficaz e plena o Pai do Céu nos escutará e atenderá aos nossos pedidos.
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Senhor Jesus!
            Entendemos a tua mensagem. Tu nos estimulas a chegar até o Pai, através da oração, do diálogo aberto com o nosso criador. Sabemos que não é necessidade do Pai, e sim necessidade do filho em sentir a mão protetora do Pai, consolo, paz e confirmação do seu amor gratuito e misericordioso. Essa intimidade confiante com o nosso Deus absoluto, e  Pai nos dá Paz interior, e a certeza de que sempre teremos um espaço reservado no seu sagrado coração de Pai.
            Senhor Jesus, deduzimos que é preciso também escutá-lo e sentir os seus sinais, as suas respostas, pois nem sempre elas estão naquilo que pedimos, e sim, no que sentimos, nos acontecimentos muitas vezes, ou quase sempre não entendidos, não compreendidos pela lógica ou desejo humanos. É preciso que saibamos confiar integralmente, pois o Pai nos dará sempre o melhor, estará sempre atento às nossas necessidades, e nos quer alegres e felizes.
Senhor Jesus, como é bom ouvir a tua palavra que nos orienta, nos ensina, aumenta a nossa fé  pequena e vacilante. Ela norteia a nossa vida e certamente através de tua Santa Palavra chegaremos ao Pai.
Meus irmãos, Façamos a nossa  oração na certeza de que o pai nos escuta e nos dará o melhor. Não procuremos entender a lógica de Deus. Não determinemos o que é melhor para nós, para o nosso irmão, para essa ou aquela situação. Nem sempre acertamos o que é melhor para os nossos filhos, como poderemos ter a pretensão de ter certeza do que é melhor para nós.
Senhor Jesus! Ninguém como tu tiveste tanta intimidade com o Pai. Ajuda-nos a orar com toda a nossa alma, todo o nosso ser. Amém.
           
Admirando a sabedoria da minha irmã, imaginei uma forma de homenageá-la, subscrevendo a interpretação amorosa que ela faz da “Boa Nova” anunciada pelo Evangelista, com minha pobre análise racional, especulativa, concordante com a sua visão mística, porém desprovida do calor humano que Maléa transmite nos seus comentários e orações. Minha intervenção é apenas um testemunho de como te entendo minha irmã!
Fiquei imaginando como se processa na intimidade existencial, a responsabilidade pessoal da criatura humana feita à imagem e semelhança de Deus...
            O Evangelista sabe que no ser consciente a presença de Deus se torna existencial pela inserção pessoal do homem no dinamismo comunitário da Santíssima Trindade - o Deus uno em três pessoas distintas: o Deus Pai, o Deus Filho e o Deus Espírito Santo.
O Genesis descreve a criação do homem “à imagem, e conforme a semelhança de Deus”; portanto, ele conserva a Sua natureza comunitária. Diante do mistério impenetrável, o intelecto tenta uma abordagem racional pobre do simbolismo que une a razão e o coração, destacando a analogia, apenas plausível, da dinâmica existencial humana com a da Santíssima Trindade.
Nesta perspectiva, o ser consciente, reflexivo, identifica-se (ego), e dialoga consigo mesmo (alter ego), numa conversa trabalhada pela criatividade (obra do Espírito) em busca de níveis cada vez mais elevados de integração dos homens entre si, e da consciência individual com a Consciência Cósmica.
Na jornada existencial, o ego e o alter-ego dialogam como  o Filho e o Pai respectivamente, em busca de solução para os problemas pessoais emergentes... neste diálogo, intermediado pela capacidade criativa (Espírito Santo), a integridade pessoal do Filho (ego) consolida-se, no contexto existencial, assimilando a comunidade humana à comunidade divina. Caminhada subjetiva em que a inspiração que move à ação responsável, justa e verdadeira revela o Espírito que une o Pai e o Filho, participando, ontologicamente, de ambos.
Quando Cristo ensina: “Pedi e vos será dado; procurai e encontrareis; batei e a porta se vos abrirá” está convidando o homem a interiorizar-se para encontrar as respostas de que precisa para alcançar a vida plena, reforçando a disposição de pô-las em prática. Então, pedir ao Pai é solicitar de si mesmo a melhor performance na solução dos problemas que afligem o Filho (o ser humano que pede), contando com a eficácia dos seus próprios recursos intelectuais, afetivos, volitivos e criativos, viabilizados pelo Espírito (Santo) para que o Filho realize a vontade do Pai.
Cristo levou à perfeição, na sua existência, a dinâmica da Santíssima Trindade. Sendo homem, como Filho realizou a proeza inexcedível de viver integralmente a vontade do Pai, confiante na assistência infalível do Espírito Santo. E assim deu testemunho autêntico dos Valores Universais do homem, convidando-nos a todos nós a segui-Lo como irmãos, incluindo a Humanidade inteira, a partir desta fraternidade, na unidade absoluta de Deus. A confiança depositada na palavra do Pai é que nos leva a exigir de cada um de nós mesmos o máximo de eficiência para a realização da Sua vontade numa verdadeira parceria. Para tanto, utilizamos os recursos humanos conhecidos e os poderes ainda desconhecidos que hão de se tornar realidades pela fé (confiança absoluta na interveniência imponderável do parceiro divino) no que dizemos e fazemos, integrados em relações intersubjetivas (comunitárias) autênticas. Nessa linha de pensamento entende-se Miguel de Unamuno, grande pensador espanhol, quando afirma que “crer não é acreditar no que não se vê, mas, criar o que não se vê”. A observação empírica da força do pensamento coletivo é uma evidência do poder da fé... sem esquecer que, vivenciada intensamente por um ou mais membros da coletividade a fé é contagiante.
Quando Jesus adverte: “Não dêem aos cães o que é santo, nem atirem pérolas aos porcos; eles poderiam pisá-las com os pés e, virando-se, despedaçar vocês”... é que na sua imensa sabedoria Ele conhece as imperfeições humanas a serem trabalhadas contra os percalços do ego, no processo de humanização. Esta advertência é apenas um lembrete pedagógico: é preciso adubar a terra para depois lançar a semente... a solidariedade fraterna não deve esquecer que é um risco certo propor idéias e condutas para as quais o outro não esteja motivado. Embora saibamos que o verdadeiro filho não se nega à vontade do Pai, mesmo que, aparentemente, ela pareça estar em detrimento da vida do próprio filho. Dando um exemplo emblemático de aceitação incondicional da Vontade suprema do Pai, Cristo se deixou crucificar.
Sobre esta visão humanista, e também mística da relação criatura / Criador cada um de nós dá testemunho da presença de Deus no seu ser temporal, transcendendo-se pela esperança de realização plena intemporal. Apoiados em especulações convincentes projetamos, assim, nossa esperança num ato de fé que nos realiza na unidade absoluta de Deus, cifrado na nossa própria existência. Maléa diz tudo isso e muito mais, nas suas ponderações simples e profundas.
Não obstante toda coerência especulativa que eu pudesse desenvolver, posso afirmar, estribado em minha experiência existencial, que, para além do rigor intelectual argumentativo, o que realmente dá segurança ao homem e suaviza a angústia do vir a ser incerto é um elemento sutil que pelo ato de fé torna efetiva a confiança (entrega) da criatura no Criador... é neste intervalo de confiança que o “dom” da fé ultrapassa ao infinito o conhecimento racional. A verdade é que ninguém consegue fechar a gestalt humana, sem o concurso da fé que redime o homem de sua contingência fatal.
Tua lição de vida minha irmã há de sempre iluminar os nossos caminhos!
Everaldo Lopes