No
discurso informal os vocábulos fantasia e realidade referem-se,
respectivamente, ao imaginário e ao concreto. Todavia contextualizadas na
experiência humana, fantasia e realidade se fundem, numa vivência singular.
Mergulhando na intimidade subjetiva descobrimos que
existir não é simplesmente sobreviver, mas viver por algo que transcende o vir
a ser aqui-e-agora. A sobrevivência apoia-se em recursos biológicos automáticos
e reflexos primários; mas existir implica na elaboração e construção de projetos estético-artísticos e
ético-comunitários que ultrapassam o simples ato de viver e o justificam
mediante a consagração de valores estéticos, morais e sociais. Nestes projetos
a criatividade se traduz em atitudes e atos impregnados de um sentido social
responsavelmente assumido.
A realidade
humana dispõe de dois focos, um racional
e outro afetivo intuitivo. No primeiro
destaca-se a objetividade limitada ao espaço-tempo cósmico; no segundo
projeta-se a sensibilidade que se prolonga na magia da intuição e da imaginação. Por sua condição de ser consciente e
responsável ávido de um sentido definitivo para sua existência, o homem se utiliza dos recursos que convergem
nestes dois focos para contextualizar-se num todo absoluto significativo. Nesse dinamismo existencial, fantasia e
realidade são entidades justapostas na atividade
psicobiológica do vir a ser humano. No
plano cósmico a realidade se enclausura num mundo suicida que caminha conforme a 2ª lei da termodinâmica para a completa
desordem de todos os sistemas físicos, desordem dimensionada pela entropia[1].
No campo da sensibilidade manifesta-se a criatividade humana capaz de
transformar a Natureza. Não há como
compatibilizar a criatividade humana com a limitação dos determinismos
físico-químicos biológicos para os quais
se espera um desfecho entrópico[2].
Se a realidade universal se reduzisse à perspectiva da “morte térmica”, não
haveria como justificar o arremate coerente
da ordem evolutiva na organização da matéria desde o big-bang até a
consciência reflexiva. Essa coerência sugere a interveniência de um anti-acaso,
tão grande é o acúmulo de coincidências bem sucedidas durante todo o processo
evolutivo! A simultaneidade destas coincidências em prol da complexidade crescente
levanta a expectativa de um desfecho diferente, mais criativo e grandioso para
o processo evolutivo. A especulação sobre a complexidade crescente da Evolução
revela uma intenção que por sua vez faz supor uma consciência universal cuja
natureza transcendental ultrapassa os
limites de qualquer demonstração. Tudo isso conduz à certeza de que o paradigma
racional não comporta a realidade toda.
Esta é muito mais ampla e se
reflete pujante na intuição de um todo significativo absoluto que não
exclui o racional, mas vai além do
puramente sensível. Se o destino do homem é superar-se sempre, transcendendo-se
pelo exercício da consciência reflexiva
pode-se inferir que seu último fim é compatível com um absoluto
inalcançável pela razão, mas absolutamente necessário para consumar o fenômeno
humano. Este absoluto intangível afirmado por um ato de fé ganha o status de
realidade na medida em que inspira o ser consciente a abraçar a transcendência
absoluta na qual logra um sentido definitivo. Precisamos criar o que não vemos[3],
para superar a insuportável limitação
racional que deixa de fora grande parte da nossa própria realidade humana. E a
força desta crença alimenta a dimensão transcendental do homem.
Os sentidos auxiliam no conhecimento
da realidade palpável da Natureza. Mas a capacidade criativa da imaginação é
que confere um sentido a esta mesma realidade. Nessa perspectiva será imprópria
a alternativa: fantasia ou realidade! De fato, à luz da análise fenomenológica
da existência, fantasia e realidade são dimensões de um mesmo processo no qual
ambas se integram completando-se misteriosa e mutuamente.
A tentativa de insistir em projetar a existência
pessoal no plano puramente lógico,
racional e objetivo leva inevitavelmente ao fosso do absurdo vivencial, ou
seja, ao desespero sem retorno de ser para nada. Aflição que é temporariamente
camuflada por metas provisórias urgentes impostas como exigência mínima de
sobrevivência. O esforço para sobreviver
absorve o homem na conquista do que é fundamental para manutenção da vida,
envolvendo-o em questões práticas que exigem pronta solução. Não é à toa
que o maior índice de suicídios ocorre
exatamente nos países mais desenvolvidos onde os problemas materiais imediatos[4]
de manutenção da vida foram resolvidos. Com a sobrevivência confortável garantida
se torna mais premente a aspiração de superar a finitude, celebrando valores
transcendentais em busca de um sentido definitivo para a “existência” pessoal.
É maior então a exigência para a construção da humanidade. Quando falha a
conquista do primeiro objetivo, a fome física maltrata e pode até matar, mas
quando o homem não alcança o segundo objetivo a fome de sentido mata o desejo
de viver, o que transforma a existência numa tarefa tão desesperadora que a
própria morte se torna para a consciência inquieta e abandonada à sorte
entrópica, uma maneira equivocada de o homem posicionar-se diante do aparente
sem sentido de tudo. Obviamente, essa decisão desesperada não coincide com o
objetivo a que se propõe a Evolução! Diante desse conflito existencial vale a
pena lembrar que a tarefa magna do ser
consciente é harmonizar na existência pessoal as dimensões material e
espiritual da condição humana, integrando a “realidade” e a “fantasia”,
ao consolidar a afirmação criativa de fé num Absoluto significativo que dignifica
a existência pessoal e dá sustentação à solidariedade universal.
Everaldo
Lopes