Arte de “Conviver”
Se tudo é provisório, a proposta existencial mais sensata é viver intensamente cada momento, pois ele é único. Porém a condição humana exige que o instante fugidio seja vivido responsavelmente.
Conviver bem passa a ser, portanto, uma arte, a de viver a paixão do dia, do instante, sem romper a trama do contexto social em que se vive... uma vez que ninguém vive plenamente sem paixão, mas não pode dispensar o convívio social.
Ora, a paixão sobrepõe-se à lucidez, enquanto a convivência exige disciplina, respeito aos cânones culturais vigentes! Duas situações aparentemente incompatíveis! Mas é exatamente neste espaço conflituoso que se pratica a arte de conviver, adequando, criativamente, em cada momento, a paixão que alimenta o desejo de viver, e as normas culturais restritivas de cunho ético social. Arte difícil que exige habilidades e aptidões especiais, além do improviso e da criatividade.
No âmbito das artes convencionais, o artista goza de toda liberdade possível enquanto cria, no recesso do seu ateliê... a crítica repressora que poderia cercear a sua criatividade incide apenas sobre a obra concluída, ou seja, a tela acabada, a escultura, o livro, a produção musical, a coreografia. Por outro lado, a tinta e a tela virgem, o material plástico, as palavras, as notas musicais, o movimento, enfim, a matéria prima a ser trabalhada pelo artista convencional se lhe oferece pacificamente. Os Pintores, Escultores, Literatos, Compositores, Bailarinos se entregam à faina de exprimir suas intuições privilegiadas, manipulando, elementos dóceis às exigências modeladoras da inspiração artística. Mas para construir uma relação inter-subjetiva enriquecedora o “artista da convivência” trabalha a própria subjetividade no momento mesmo da interação com o outro. A matéria prima da “arte de conviver” é a relação inter-pessoal... envolve, necessariamente, a presença do “outro” que é também um ser querente capaz de impor condições. A liberdade compartilhada nesta relação implica, inevitavelmente, em delicados ajustes. Em cada caso os atores da interação precisam preservar a originalidade, sem prejudicar o diálogo. O reconhecimento mútuo da liberdade de cada um dos membros da relação inter-pessoal exige virtudes que não são dadas pela natureza. Custam um aprendizado... mas são indispensáveis, uma vez que a prática do “encontro” requer sempre uma negociação. Nestes termos, o maior rendimento se obtém quando há simetria entre os participantes da relação, no que tange à sensibilidade, ao autoconhecimento, ao equilíbrio emocional, à compassividade e à autodisciplina.
Em resumo, a excelência de uma relação em que prevalece a interdependência resultará de um trabalho a quatro mãos, nunca da ação isolada de uma pessoa. Ninguém pode ser “artista da convivência” sem a colaboração do “outro”.
A verdadeira “arte de conviver” é sutilmente veraz e fidedigna, não se confunde com o caviloso jogo de cintura, irmão do pragmatismo oportunista ao qual se resume para muitos esta arte milenar.
Portanto, o “artista da convivência” não cria sozinho. A sua obra será sempre uma co-criação, elaborada sob pressão, requerendo-se dos co-autores recursos pessoais que excedem os que se exigem dos demais artistas.