Depois
de longa ausência dois amigos de infância encontraram-se na sala de espera de
um aeroporto, e após os cumprimentos de praxe
logo reataram a antiga intimidade. Ambos inteligentes, mas completamente
diferentes. Quarentões profissionalmente bem sucedidos, um era Pessimista (P) e
o outro Realista Crítico (RC). Enquanto esperavam a chamada para embarque sentaram
lado a lado na grande sala climatizada do aeroporto. Sabiam que a espera seria
longa e começaram a conversar sobre os mais variados assuntos. Inteiraram-se
sumariamente dos caminhos percorridos por cada um até aquele momento. Sentiam-se
emocionalmente muito próximos ao reviverem uma amizade de infância e pela
expectativa comum de mais uma aventura aérea. Sim, pois em verdade, por mais
seguras que sejam as aeronaves, voar é sempre uma aventura na avaliação secreta
da maioria dos homens! Obviamente, o Pessimista era o mais tenso dos dois e, num
dado momento do bate-papo desabafou.
P
– Não sei como você se sente, mas fico inquieto quando tenho de viajar de avião.
Por mínimo que seja o risco, incomoda-me saber-me sobrevoando a superfície do
nosso planeta a 12.000 metros de altura, inteiramente à mercê de uma máquina e
da habilidade dos pilotos. Se já me sinto ansioso no meu dia a dia, só de
saber-me vulnerável, incapaz de controlar inteiramente os eventos do momento
seguinte, pior fico ao sair da rotina tendo que enfrentar novos desafios.
RC-
Pensando bem, acho que a intranquilidade que você acaba de relatar, com maior
ou menor intensidade é uma vivência comum a todos nós seres conscientes da própria contingência.
Quem não sente a fragilidade da vida? Somos felizes quando conseguimos viver a vulnerabilidade
aos males do corpo e da mente com espírito crítico capaz de distinguir as
possibilidades, das probabilidades. No campo das possibilidades tudo pode
acontecer, mas somente os eventos mais prováveis ocorrerão de fato. A imensa
maioria dos acontecimentos possíveis só muito raramente se confirma. Porém, não
raro o medo pode criar fantasias catastróficas envolvendo possibilidades
remotas. Para evitar o pânico é
fundamental administrar as operações subjetivas, interpondo certa distância
entre o eu cognoscente e as previsões fantasiosas que ampliam a insegurança
pessoal. Esse distanciamento torna possível analisar a situação, e avaliar o
que nestas previsões há de real, e de imaginário.
P
– Confesso que tenho dificuldade para fazer esse controle. O menor indício do
inesperado indesejável, invariavelmente, me provoca uma reação de alarme como
se estivesse diante de uma situação real concreta ameaçadora. Gostaria de
livrar-me disso, mas é difícil consegui-lo!
RC
– Sem dúvida sua confissão evidencia uma forma sofrida de encarar a realidade. Permanentemente
sob o peso das incertezas você convive mal com a finitude e a insegurança
implícitas no simples ato de existir, vivenciando permanentemente a angústia
existencial. Eu costumo utilizar mecanismos racionais de controle para amenizar
o mal-estar das incertezas ameaçadoras.
P
– A dificuldade que sinto de exercer esse controle me faz pensar que minha predisposição
pessimista está associada a uma experiência negativa durante o processo de
individuação. Esse tropeço evolutivo explicaria a tendência que me aflige de
encarar tudo pelo lado negativo.
RC-
Certo. E nos casos mais graves do transtorno comportamental inerente à formação
da personalidade a libertação do medo ligado à expectativa do pior implica numa
verdadeira superação pessoal. O que muitas vezes levanta a necessidade de ajuda
especializada. Entre os pessimistas, o medo escapa ao controle consciente,
desestabilizando-os emocionalmente. O sujeito consciente normal e lúcido sabe
racionalmente que de momento a momento o perigo de adoecer e morrer é real como
possibilidade, mas como probabilidade tem muito pouca chance de acontecer no
instante em que desponta o temor. E ao avaliar cada situação procura enfatizar
os aspectos positivos mais prováveis, sem se envolver em preocupações inúteis.
P.
Evidentemente é fundamental separar criteriosamente a realidade e a fantasia na
apreciação da experiência em curso. Mas para isso há que afugentar o pânico, e
ser determinado para concentrar toda atenção apenas no real concreto, corrigindo
os exageros da inclinação pessimista. Essa é a minha grande dificuldade!
RC-
Diante de sua perplexidade sinto-me encorajado a falar da minha experiência
pessoal. Reconheço e assumo que na avaliação das situações que defronto a
imaginação pode urdir divagações pessimistas em torno da realidade objetiva.
Esta representa à luz da consciência a atualização de uma probabilidade real; a
divagação se perde em fantasias
possíveis porém improváveis. Usando o bom senso aposto nos conteúdos racionais objetivos,
mantendo a certa distância ou anulando o medo que acompanha os devaneios pessimistas.
P
– Reconheço que esse seria o comportamento ideal. Porém sabe-lo racionalmente
sem o suporte emocional correspondente não basta para tornar-me menos temeroso.
Sinto-me Intimidado ante a fatalidade de nunca poder livrar-me da incerteza do
que está para acontecer! E a preocupação decorrente desse estado de espírito é torturante.
RC-
Sem dúvida, os riscos continuam presentes, disso não se pode fugir. Mas posso
afiançar-lhe: quando eles são vividos com um pé na realidade ameaçam menos, e
não produzem tanto sofrimento. Como isso funciona? Ora, desde que você não seja
vítima de um conflito inconsciente não resolvido absorverá o resultado da
análise racional da realidade que reduz a participação imaginária dos riscos possíveis,
limitando-os aos prováveis. Assim procedendo, você enfraquece o pânico que é
seu verdadeiro inimigo e dessa forma, automaticamente, aliviará a pressão
interna da ameaça de perigo imediato.
P
- Começo a entender a lógica psicodinâmica do medo!
RC-
Mas isso não é tudo. O inconsciente é ladino e sinuoso, não desiste nunca do
seu intento. É preciso ficar alerta porque, alheia aos conteúdos conscientes do
sujeito psicológico, a raiz inconsciente do medo vai continuar produzindo
“metáforas[1]” e
“metonímias[2]”
para alimentar a ansiedade. Concordo que muitas vezes se faz necessária a
intervenção do Psicanalista. Mas nos casos em que há apenas traços neuróticos
na personalidade, poder-se-á tirar proveito da adesão voluntária a uma conduta
dirigida pela razão. Ou seja, mesmo quando o temor inflaciona os conteúdos
conscientes, ainda é possível que o pessimista selecione, voluntariamente, os
conteúdos positivos conscientemente concebidos, concentrando-se neles. E repetindo
essa operação mental “n” vezes é possível que se criem novas trilhas subjetivas na busca de segurança e completude,
controlando, pelo menos parcialmente, o medo inerente aos conteúdos sinistros de
fantasias inspiradas no inconsciente. É isso que espera alcançar a terapia
comportamental. Acredito em que a proposição voluntária de uma expectativa
otimista pode influir positivamente nos acontecimentos que estão por vir. Uma
das inteligências mais brilhantes da humanidade chegou a afirmar: “A imaginação
é tudo, é a prévia das construções do futuro”.[3]
Dessa forma, um grande Físico reconhecia a força criativa da imaginação,
grandeza abstrata que vai além da própria intuição.
P-
Esta é uma boa dica. Vou tentar.
O
alto falante anunciou a última chamada para o embarque do Realista Crítico. Os
amigos se despediram calorosamente e o Pessimista ficou remoendo as informações
que lhe foram passadas naquele encontro.
Everaldo
Lopes
[1]
Transferência do sentido próprio de uma palavra num contexto determinado, que
se fundamenta numa relação de semelhança
subentendida.
[2]
Designação de um objeto por palavra designativa de outro objeto que tem com a primeira
uma relação de causa e efeito. (Ex.: trabalho por obra)
[3] Albert
Einstein