segunda-feira, 25 de abril de 2011

Os temores humanos


            Só o presente é real. O passado e o futuro são lembranças e expectativas, respectivamente, de eventos acontecidos e por acontecer que não correspondem à realidade do presente que flui... portanto, não passam de ilusões. 
O medo quando não suscitado por um perigo atual, real, se caracteriza pela expectativa ansiosa de um acontecimento futuro, assustador. Emoção que antecipa no imaginário uma situação que, bom número de vezes não chega a tornar-se realidade.  Em verdade, os medos humanos estão frequentemente associados a ilusões. Com os elementos da expectativa pessimista ou culposa o imaginário cria fantasmas perturbadores que, dominando a cena subjetiva, produzem tortura psicológica naqueles que lhes dão trela.           Nestas condições o temor prenuncia um perigo ilusório, e na maioria dos casos não existiria se a sua vítima pudesse prever o futuro, com certeza. Pois, por maior que seja a probabilidade de acontecer o imaginado, não há certeza de que ocorra, e frequentemente não se confirma. Não obstante, o temor  ilusório tortura os que se deixam atormentar por fantasias catastróficas. Obviamente, quando o fato desencadeante do medo é real, atual, o temor é bem-vindo porque estimula o improviso e implementação das defesas contra o risco iminente.
Então, os temores correspondem ora a ameaças ilusórias, ora a riscos reais contra a segurança pessoal. Em ambos os casos reforçam o sentimento de precariedade da vida. Mas, normalmente, só os riscos “reais” deveriam suscitar o temor estimulante de respostas defensivas essenciais à salvaguarda pessoal. Os riscos apenas presumidos não abalam o equilíbrio existencial de uma pessoa normal. Para tipificar o comportamento anormal tomemos o exemplo de um hipocondríaco. Ele gostaria de viver quinze anos mais, porém, ainda que seja possível ou mesmo provável que se cumpra esta expectativa de vida, teme, sem uma razão objetiva, não alcançar a longevidade desejada. E pode até, excepcionalmente, morrer a qualquer momento por motivos variados sobre os quais não tem controle.  Mas, ao alimentar o temor de meras possibilidades que contrariam a sua expectativa de longevidade o hipocondríaco vive minuto a minuto o medo da interrupção de uma sobrevida que desejara longa... mas o tempo passa e nada acontece. Portanto é insano avaliar a própria sobrevida tomando por base as exceções. No caso do hipocondríaco seria como assumir a experiência ridícula da contradição de viver cada momento para experimentar o medo de que o próximo (momento) não aconteça. Viveria assim, uma “quase” vida!... O ser consciente empolgado pelo temor de uma possibilidade indefinida, não escolhe, não decide e não age... fica bloqueado... frustrando-se a vitalidade do seu agora. O “agora” passa em branco, ou apenas nele se esboçam intenções, mas não é vivido plenamente. E na sucessão das vivências de temores que não se confirmam, o tempo corre, e a capacidade de realização de qualquer projeto existencial fica prejudicada na sua pujança. Em grau extremo, esta situação leva o indivíduo timorato a não sentir a plenitude do “agora. Assim, o neurótico flutua sobre a própria existência, mas não existe realmente. Por sua timidez obsessiva é um morto vivo, O temor crônico tira-lhe o vigor criativo, reduz sua capacidade de comprometer-se por inteiro com seus projetos... e por isso o mantém sempre à distância de um “quase” do objetivo projetado. Nestes termos, “quase” se saiu bem no negócio; “quase” conseguiu equilibrar as relações familiares; “quase” vomitou algumas verdades na cara daquele sócio cínico... finalmente, ele “quase” vive. Isso foi resumido, emblematicamente, num texto muito divulgado: “Embora quem quase morreu ainda vive, quem quase vive já morreu.”[1]. Os temores não superados levam à paralisação da dinâmica existencial.
Contra o marasmo de uma vida temerosa, a rebeldia disciplinada pelo bom senso é um antídoto poderoso. Todavia há que graduar corretamente estes parâmetros, tendo em vista que o bom senso exagerado, leva à interdição sistemática de toda rebeldia... é uma ducha fria na criatividade humana! Ousar é, portanto, fundamental para manter viva a chama de uma existência criativa que valha a pena viver. Mas é preciso saber ousar... aprendendo a distinguir o que pode e o que não pode ser  mudado, para que a ousadia não destrua o rebelde.
            A perspicácia e a coragem desenvolvidas no íntimo de cada um hão de alcançar a melhor performance com a sabedoria acumulada durante o vir a ser pessoal bem analisado, meditado. Há que aprender a balancear a coragem na medida certa, em contraponto ao temor intimidante, para que a existência flua produtiva em busca de uma meta significativa - conquista responsável na caminhada histórica de cada homem. Este feito é um aprendizado que se concretiza mediante esforço permanente de compreensão da condição humana, autoconhecimento, disciplina emocional e compromisso com valores universais. A disciplina emocional envolve não apenas a capacidade de sustar as respostas impulsivas, porém, igualmente, a de manter sob controle os medos ilusórios. Todos estes ingredientes psicodinâmicos remetem à “coragem de ser”, tema abordado em texto anterior postado neste blog, no qual discutimos “o medo e a covardia”.  
 Everaldo Lopes


[1] De Sarah Westphal, segundo o próprio Luiz Fernando Veríssimo, a quem se tem atribuído a citação