Vamos pensar juntos sem
mascarar a realidade e sem pieguice. Por mais que se tente doirar a pílula, a idade
avançada será sempre um estado peculiar biológico e psicossocial que gravita a proximidade
da morte. De acordo com a ordem natural das coisas, teoricamente, a morte está
mais perto dos idosos!
Ao envelhecer, as pessoas
sentem dificuldade de elaborar a consciência incômoda das perdas físicas
progressivas ao longo dos anos que caracterizam o declínio da vida, anunciando
o fechamento do ciclo biológico. A inevitabilidade e irreversibilidade destas
perdas sinalizam a finitude que atormenta o homem! Não podendo ignorar as
marcas do tempo, a atitude mais racional e objetiva diante deste conhecimento será
valorizar o que ainda ficou e não o que se foi com a enxurrada dos anos vividos.
Obviamente, para a concretização deste comportamento não basta pensar
corretamente, é fundamental aderir emocionalmente à valorização do que restou
para viver. Mas, convenhamos, neste quesito todos estamos em débito. Não é
fácil ver-se privado dos bens naturais desfrutados na juventude e na maturidade.
Contudo não há outro caminho; do nascimento à morte, as mudanças indesejadas também
fazem parte do ciclo biológico!
O idoso em pleno gozo de
suas aptidões intelectuais, saudável, cônscio das limitações físicas próprias
da idade vai, sabiamente, retirando-se com discrição das atividades para as
quais lhe falte a disposição de antes, ou que lhe exijam esforço excessivo. Perspicazes,
os papais e vovôs entrados em anos percebem que seus descendentes e
circunstantes mais jovens reconhecem-lhes as limitações, mas não as comentam. Talvez
experimentem inexplicável ansiedade ante a figura fisicamente decadente o seu
ente querido[1].
O que torna delicada e menos espontânea a relação entre gerações muito distantes
uma da outra. Para evitar conflitos desagradáveis, o velho prudente deverá ser
o menos exigente possível no seu convívio com a juventude. É o pudor do idoso
consciente de sua condição biológica e psicossocial que vê sem ressentimentos o
isolamento imposto pela idade. Ele sabe que será procurado para aconselhar ou
dirimir conflitos se houver despertado alguma admiração no espírito dos seus
descendentes. Então, este será o momento pedagógico de passar sua mensagem de
verdade, justiça e solidariedade. Fora disso, o idoso pé no chão, consciente de
sua realidade não estranha o comportamento menos espontâneo, e delicadamente distante
dos mais jovens, nos encontros fortuitos.
Ele reconhece a dificuldade de anular a diferença de hábitos e costumes construídos
durante as décadas vividas em circunstâncias diferentes por ele mesmo e seus descendentes.
Cada um de nós à medida que envelhece vai se
adaptando á sua nova posição no seio da sociedade. Reconhecendo suas limitações
naturais, o idoso será feliz se conseguir aceita-las, mesmo com alguma
nostalgia do passado. Neste ponto distinguem-se os idosos que conservam a
autocrítica, e os que a perderam parcial ou totalmente. Os primeiros aprendem a
ser humildes, e procuram depender no mínimo possível dos seus filhos e netos. Os
outros se tornam inconvenientes e por vezes arrogantes; um bom número perde mesmo
o discernimento e fica incapaz de gerir a própria existência. Estes se tornam
uma sobrecarga imensa para os familiares ou cuidadores, porém disso não se
advertem e, portanto, não sofrem.
O cuidado a ser
dispensado aos idosos constitui um problema muito atual. É uma questão aberta
para a sociedade que de repente envelheceu. O número de idosos cresceu
exponencialmente e nem as famílias nem o Estado estão preparados para atender
às suas necessidades. Os parentes que se tornam cuidadores enfrentam dificuldades
diferentes de acordo com o nível econômico da família e a disponibilidade de
tempo e recursos humanos auxiliares que possam contratar. Ao Estado faltam
políticas sociais adequadas para acolher o idoso dependente.
O idoso
lúcido vive o desafio heroico de abraçar a velhice com dignidade. Ainda que consiga
apenas fazê-la a menos complicada possível. É feliz quando desfruta boa
qualidade de vida e tem a manutenção garantida por aposentadoria merecida. Mais
feliz ainda quando conserva a memória, a criatividade e o equilíbrio emocional
para viver com certa autonomia.
De uma forma ou de
outra, a doença e a morte têm uma feição diferente quando atingem os idosos. São
esperadas e não surpreendem ninguém. Embora seja sincero e profundo, o luto das
pessoas que ficam acompanha-se da convicção de que chegara o momento de fechar
aquele ciclo biológico. A morte resulta de um determinismo natural que vale
para todos! A generalização desta realidade alivia o luto! Uma peculiaridade
ocorre com as pessoas da mesma idade do morto, amigos, sobretudo, que carregam
a dor de assistir ao esfacelamento de sua própria geração. Já não conto nos dedos os meus coetâneos que
se foram desta para melhor!
É
simples assim!
Nada
há para lamentar dentro da progressão e irreversibilidade do tempo vivido
durante o qual construímos nossas existências. Não há escapatória. O limite temporal de uma
vida é irrevogável. Embora óbvia esta realidade precisa ser lembrada porque tendemos
a viver como se fôssemos eternos! Todavia, a morte não tem hora marcada. Se
ocorrer cedo suprimirá possibilidades
de experiências inéditas; se vier tarde exporá à invalidez e à alienação que
amesquinham a existência; mas o desfecho biológico é fatal.
Os
acontecimentos que afetam a vida são influenciados por circunstâncias
biopsíquicas e sociais peculiares que nunca são as mesmas para todas as
pessoas. Mas em qualquer situação pode-se trabalhar a realidade pessoal com
objetividade e determinação, cultivando na medida do possível a capacidade
criativa para viver mais confortavelmente os percalços da existência em
qualquer idade. Isso faz toda diferença. Com esta disposição, preservadas as
funções psíquicas e na ausência de intercorrências patológicas graves, a
velhice se torna menos vexatória. O pior a fazer é resistir inconformado às
transformações que acompanham o curso implacável do tempo. Ajuda não pensar
muito no além do agora, e alimentar sempre a esperança de poder acrescentar
vida aos anos que estão por vir. Enquanto há lucidez não há porque desistir de
multiplicar os vínculos criativos com a realidade.
É
saudável não dar atenção demasiada a si mesmo. Porque quando moço, pensando a própria
vida o indivíduo perde a oportunidade de vivê-la; e para o velho este hábito
multiplica as ocasiões de vivenciar as marcas deixadas pelo tempo; isso também o
impede viver plenamente o que ainda é possível.
É
simples assim!
Afinal,
viver e morrer são as duas faces de uma mesma realidade - a vida. Cada instante vivido é riscado do calendário
biológico para sempre, encurtando o porvir. Vive-se morrendo! Momento a
momento, vai se dissipando, inevitavelmente, o tempo limitado que se tem para
viver. Este é o preço da própria vida. E
só há duas posições a assumir diante desta realidade: viver ruminando a expectativa da morte, ou cultivando a atitude construtiva de quem decide priorizar a vida.
Não padece dúvida ser esta última a decisão mais sábia.
Oxalá
possamos todos dar suporte, com engenho e arte, a uma atitude realista madura
diante da velhice e da morte. Sem descartar as possibilidades infinitas,
transtemporais, do “espírito” que no homem se manifesta timidamente nas funções
psíquicas superiores, mediante um servomecanismo psicobiológico complexo.
Everaldo
Lopes
[1] Por associações
inconscientes a figura do idoso pode antecipar na imaginação do jovem a visão
do seu amanhã!