Este
enunciado pressupõe o encontro de pessoas que guardam entre si diferenças expressivas
de personalidade, projeto de vida, posses, idade, conhecimento e classe social.
Isso implica no confronto de comportamentos regidos por códigos e padrões
culturais dessemelhantes, o que dificulta a convivência. Ao lidar com as
diferenças antes especificadas, as
pessoas envolvidas conduzem as situações conflitantes de acordo com os dons, o caráter
e o controle ou maturidade emocional de cada uma. Nesta dissertação entendemos
como controle emocional a capacidade de o homem lidar com relações sociais conflituosas, mantendo o equilíbrio
comportamental. Na esteira dessa postura de auto domínio, mobilizam-se as
potencialidades racional e volitiva dos indivíduos inter agentes tendo em vista a elaboração e prática de atitudes
inteligentes e equilibradas diante de situações litigiosas. Este comportamento inerente
à maturidade pessoal se confunde com a sabedoria definida pelo ajuste harmônico
da razão, do sentimento e da vontade nas escolhas e decisões problemáticas. Os diferentes
níveis de controle emocional e sabedoria de cada um dos atores de um encontro assimétrico
delineiam comportamentos diversos. Obviamente, nestas relações ninguém alcança
a perfeição, é sempre possível ser um pouco melhor. Quanto mais amadurecidos como pessoas, maior é
a capacidade de os indivíduos lidarem com as “diferenças” que os afastam uns dos
outros. No relacionamento assimétrico o mais sábio se distingue por ser mais
disciplinado e criativo ao lidar com a diversidade. E na elaboração da resposta
final, isso implica ser capaz de atender, ao mesmo tempo, a uma visão ampla do
conflito contextualizado no seu universo, à intenção firme e imparcial de fazer
valer a verdade, e à determinação de agir construtivamente sem ferir os brios
do outro. No diálogo que envolve diferenças, o comportamento inseguro e tendencioso
do interlocutor imaturo é o maior desafio à prática do bom senso. Em geral, num
conflito de ideias e comportamentos entre indivíduos maduros, cada um firmado
em razões que considera válidas tenta argumentar com o máximo de isenção
emocional possível, fundamentando seu raciocínio em bases lógicas sólidas. Isso
faz toda diferença em relação ao comportamento do imaturo que está sempre emocionalmente
comprometido, e cujos argumentos se distanciam da objetividade racional exigida.
Em geral, o imaturo prejudica a transparência e eficácia dos seus argumentos deixando
que o raciocínio seja influenciado pela emoção; e dessa forma perde-se em considerações
prolixas, precipitadas e desconexas. O problema é mais complicado quando os
atores do conflito são pessoas do mesmo grupo familiar, ou que trabalham no
mesmo ambiente, forçadas a uma proximidade inevitável. O imaturo geralmente
apoiado em sentimentos confusos, predominantemente contestatórios, é levado a
insistir em falsos argumentos tentando dar coerência racional a uma conduta cujo
fundamento é emocional. O pior é que no desdobramento do seu comportamento
dissimulado, o imaturo ambicioso e inconformado com sua própria carência lança
mão de teses equivocadas e tenta passar uma falsa imagem pessoal de veracidade,
e independência impregnada de agressividade mal contida. Para vencer a disputa
desigual o imaturo, na sua pior caracterização, esquece os escrúpulos. Para ele
o mais importante é vencer o debate a qualquer custo, numa tentativa de auto afirmar-se.
Daí porque a autenticidade que o imaturo se atribui não passa de autopropaganda
enganosa, para ocultar sua própria incapacidade nem sempre por
ele mesmo entendida inteiramente. Guardadas as devidas proporções, pode-se comparar
a relação assimétrica entre adultos, com a relação do adulto com uma criança. O
adulto educador natural, contrariando o desejo da criança desperta nela uma
reação que pode escorregar para a agressividade se as mentirinhas forjadas pela
ingenuidade infantil não forem suficientes para garantir a satisfação do desejo
contrariado. Revoltada com a vulnerabilidade e dependência próprias da idade, a
criança chora e sente-se desamparada. Mutatis mutandis, guardadas as devidas
proporções, o adulto imaturo enredado em seus problemas reconhece, mas não
confessa a própria inabilidade e despreparo diante da vida. Conflita
intimamente na comparação da própria carência com a objetividade e capacidade resolutiva de outro,
adulto capacitado, e sofre duplamente, tentando superar a dificuldade de
elaborar condutas eficazes, e de conseguir impor-se diante de quantos não reconhecem
sua autoridade mal definida em posturas inseguras, mas presunçosas. Os adultos bem
formados conscientes do próprio potencial podem até conseguir conter o revide
ante a agressividade e frivolidade argumentativa do imaturo, mas isso lhe custa
uma vivência desagradável de desamparo ao ser desafiado pela desinformação do outro
incapaz de um diálogo razoável. Diante da falta de objetividade e arrogância do
imaturo, o adulto racional, disciplinado, sente algo parecido (com todo
respeito) com a ira que um mosquito insistente é capaz de provocar na sua
vítima eventual, mediante o zumbido desagradável e a picada imprevisível; além
do fato de escapar, sempre, às tentativas de suprimi-lo (o mosquito) levadas a
efeito pelo infeliz cujo sangue é objeto de “desejo” do inseto impertinente. O
melhor que se pode fazer para eliminar o estresse em ambos os momentos dessa
analogia é ignorar o mosquito e o imaturo confuso, perdido em sua própria
turbulência interior. Esta postura exige grande controle emocional. Mas,
enquanto no caso do mosquito o fator estressante é a impotência constrangedora para
eliminar um agressor tão insignificante, mas esquivo; no caso da relação humana
assimétrica o que estressa é a necessidade imposta pelo dever de respeitar no “agressor” a dignidade humana
de um semelhante despreparado, embora este não saiba corresponder ao respeito que
lhe é conferido. Dificilmente, alguém está tão bem resolvido do ponto de vista
psíquico afetivo que passe incólume pela experiência social de lidar com a
imaturidade arrogante do outro ao qual falta a flexibilidade para aceitar as próprias
limitações; pior ainda quando, identificando-as ele busca esconde-las, tentando
impingir uma fraude da qual não é inteiramente
consciente. Em face das dificuldades inerentes a cada caso, no primeiro
o melhor a fazer é aguardar com paciência o momento oportuno de eliminar o
mosquito; e no segundo, por um imperativo ético, a conduta mais sábia é praticar
a tolerância esclarecida, encarando o teste de resistência contra a teimosia
inconsequente do imaturo, sem abrir mão da verdade que o outro não quer aceitar.
Lamentavelmente todos somos imperfeitos e o exercício do comportamento
construtivo por ocasião de um conflito do tipo que estamos focalizando exige grande
esforço dirigido que é no mínimo cansativo e ansiogênico. E nem
sempre se tira todo proveito deste esforço, porque a mobilização de energia
pessoal exigida excede por vezes as reservas de paciência e indulgência de quem
se propõe interagir com o imaturo de forma prática e criativa. A única
esperança de uma relação construtiva é que o imaturo evolua e alcance o nível
desejável de madureza. Mas isso depende exclusivamente dele. A mudança de
comportamento deve acontecer por
iniciativa e esforço pessoais do próprio. Mas quando ele se fecha nas
suas limitações não se tem como induzi-lo a mudar seus hábitos comportamentais.
Obviamente, se a diferença interindividual for irredutível, a relação
assimétrica se resolverá num distanciamento psíquico afetivo marcado por pesado
silêncio; ou resvalará para o mero assistencialismo em relação ao imaturo, em
certo sentido semelhante ao cuidado benevolente de alguém para com um portador
de deficiência cognitiva e emocional. Isto representa uma sobrecarga
incalculável para o interlocutor mais sensato que, todavia, busca parceria apesar dos predicados negativos pessoais do outro.
Obviamente, a prática assistencial neste nível aborta qualquer tentativa de
desenvolver um companheirismo saudável. Quando a desesperança ensombrece o
relacionamento assimétrico sem expectativas, os seus participantes
desmotivados fenecem. Suas existências ficam truncadas, privadas de fruir plenamente
as possibilidades excelsas da condição humana. Os adultos amadurecidos que têm
o infortúnio de viver a experiência de um relacionamento assimétrico sabem quanto
é pequena a probabilidade de o interlocutor imaturo autodeterminar-se a mobilizar
suas potencialidades intelectivas e volitivas no sentido de corrigir as deficiências
pessoais, abrindo espaço para um encontro existencialmente rico. E esse detalhe
é mais estressante ainda se por algum motivo, geralmente de ordem ética ou
religiosa, a relação é mantida sem esperança de uma interação adulta satisfatória.
É
fundamental para o futuro da própria humanidade, que o homem aprenda a lidar
com as diferenças dado que elas são universais. Embora muitas não cheguem a ser problemáticas vale
a pena lembrar que elas constituem sempre um obstáculo maior ou menor a ser
vencido em todas as relações interpessoais. Precisamos, pois, encará-las todas,
responsável e sabiamente, para garantir o êxito final da história humana, centrado na
solidariedade.
Everaldo
Lopes