quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Convivência com as diferenças



            Este enunciado pressupõe o encontro de pessoas que guardam entre si diferenças expressivas de personalidade, projeto de vida, posses, idade, conhecimento e classe social. Isso implica no confronto de comportamentos regidos por códigos e padrões culturais dessemelhantes, o que dificulta a convivência. Ao lidar com as diferenças  antes especificadas, as pessoas envolvidas conduzem as situações conflitantes de acordo com os dons, o caráter e o controle ou maturidade emocional de cada uma. Nesta dissertação entendemos como controle emocional a capacidade de o homem lidar com relações sociais conflituosas, mantendo o equilíbrio comportamental. Na esteira dessa postura de auto domínio, mobilizam-se as potencialidades racional e volitiva dos indivíduos inter agentes tendo em vista a elaboração e prática de atitudes inteligentes e equilibradas diante de situações litigiosas. Este comportamento inerente à maturidade pessoal se confunde com a sabedoria definida pelo ajuste harmônico da razão, do sentimento e da vontade nas escolhas e decisões problemáticas. Os diferentes níveis de controle emocional e sabedoria de cada um dos atores de um encontro assimétrico delineiam comportamentos diversos. Obviamente, nestas relações ninguém alcança a perfeição, é sempre possível ser um pouco melhor.  Quanto mais amadurecidos como pessoas, maior é a capacidade de os indivíduos lidarem com as “diferenças” que os afastam uns dos outros. No relacionamento assimétrico o mais sábio se distingue por ser mais disciplinado e criativo ao lidar com a diversidade. E na elaboração da resposta final, isso implica ser capaz de atender, ao mesmo tempo, a uma visão ampla do conflito contextualizado no seu universo, à intenção firme e imparcial de fazer valer a verdade, e à determinação de agir construtivamente sem ferir os brios do outro. No diálogo que envolve diferenças, o comportamento inseguro e tendencioso do interlocutor imaturo é o maior desafio à prática do bom senso. Em geral, num conflito de ideias e comportamentos entre indivíduos maduros, cada um firmado em razões que considera válidas tenta argumentar com o máximo de isenção emocional possível, fundamentando seu raciocínio em bases lógicas sólidas. Isso faz toda diferença em relação ao comportamento do imaturo que está sempre emocionalmente comprometido, e cujos argumentos se distanciam da objetividade racional exigida. Em geral, o imaturo prejudica a transparência e eficácia dos seus argumentos deixando que o raciocínio seja influenciado pela emoção; e dessa forma perde-se em considerações prolixas, precipitadas e desconexas. O problema é mais complicado quando os atores do conflito são pessoas do mesmo grupo familiar, ou que trabalham no mesmo ambiente, forçadas a uma proximidade inevitável. O imaturo geralmente apoiado em sentimentos confusos, predominantemente contestatórios, é levado a insistir em falsos argumentos tentando dar coerência racional a uma conduta cujo fundamento é emocional. O pior é que no desdobramento do seu comportamento dissimulado, o imaturo ambicioso e inconformado com sua própria carência lança mão de teses equivocadas e tenta passar uma falsa imagem pessoal de veracidade, e independência impregnada de agressividade mal contida. Para vencer a disputa desigual o imaturo, na sua pior caracterização, esquece os escrúpulos. Para ele o mais importante é vencer o debate a qualquer custo, numa tentativa de auto afirmar-se. Daí porque a autenticidade que o imaturo se atribui não passa de autopropaganda enganosa, para ocultar sua própria incapacidade nem sempre por ele mesmo entendida inteiramente. Guardadas as devidas proporções, pode-se comparar a relação assimétrica entre adultos, com a relação do adulto com uma criança. O adulto educador natural, contrariando o desejo da criança desperta nela uma reação que pode escorregar para a agressividade se as mentirinhas forjadas pela ingenuidade infantil não forem suficientes para garantir a satisfação do desejo contrariado. Revoltada com a vulnerabilidade e dependência próprias da idade, a criança chora e sente-se desamparada. Mutatis mutandis, guardadas as devidas proporções, o adulto imaturo enredado em seus problemas reconhece, mas não confessa a própria inabilidade e despreparo diante da vida. Conflita intimamente na comparação da própria carência com a objetividade e capacidade resolutiva de outro, adulto capacitado, e sofre duplamente, tentando superar a dificuldade de elaborar condutas eficazes, e de conseguir impor-se diante de quantos não reconhecem sua autoridade mal definida em posturas inseguras, mas presunçosas. Os adultos bem formados conscientes do próprio potencial podem até conseguir conter o revide ante a agressividade e frivolidade argumentativa do imaturo, mas isso lhe custa uma vivência desagradável de desamparo ao ser desafiado pela desinformação do outro incapaz de um diálogo razoável. Diante da falta de objetividade e arrogância do imaturo, o adulto racional, disciplinado, sente algo parecido (com todo respeito) com a ira que um mosquito insistente é capaz de provocar na sua vítima eventual, mediante o zumbido desagradável e a picada imprevisível; além do fato de escapar, sempre, às tentativas de suprimi-lo (o mosquito) levadas a efeito pelo infeliz cujo sangue é objeto de “desejo” do inseto impertinente. O melhor que se pode fazer para eliminar o estresse em ambos os momentos dessa analogia é ignorar o mosquito e o imaturo confuso, perdido em sua própria turbulência interior. Esta postura exige grande controle emocional. Mas, enquanto no caso do mosquito o fator estressante é a impotência constrangedora para eliminar um agressor tão insignificante, mas esquivo; no caso da relação humana assimétrica o que estressa é a necessidade imposta pelo  dever de respeitar no “agressor” a dignidade humana de um semelhante despreparado, embora este não saiba corresponder ao respeito que lhe é conferido. Dificilmente, alguém está tão bem resolvido do ponto de vista psíquico afetivo que passe incólume pela experiência social de lidar com a imaturidade arrogante do outro ao qual falta a flexibilidade para aceitar as próprias limitações; pior ainda quando, identificando-as ele busca esconde-las, tentando impingir uma fraude da qual não é inteiramente  consciente. Em face das dificuldades inerentes a cada caso, no primeiro o melhor a fazer é aguardar com paciência o momento oportuno de eliminar o mosquito; e no segundo, por um imperativo ético, a conduta mais sábia é praticar a tolerância esclarecida, encarando o teste de resistência contra a teimosia inconsequente do imaturo, sem abrir mão da  verdade que o outro não quer aceitar. Lamentavelmente todos somos imperfeitos e o exercício do comportamento construtivo por ocasião de um conflito do tipo que estamos focalizando exige grande esforço dirigido que é no mínimo cansativo e ansiogênico. E nem sempre se tira todo proveito deste esforço, porque a mobilização de energia pessoal exigida excede por vezes as reservas de paciência e indulgência de quem se propõe interagir com o imaturo de forma prática e criativa. A única esperança de uma relação construtiva é que o imaturo evolua e alcance o nível desejável de madureza. Mas isso depende exclusivamente dele. A mudança de comportamento deve acontecer por  iniciativa e esforço pessoais do próprio. Mas quando ele se fecha nas suas limitações não se tem como induzi-lo a mudar seus hábitos comportamentais. Obviamente, se a diferença interindividual for irredutível, a relação assimétrica se resolverá num distanciamento psíquico afetivo marcado por pesado silêncio; ou resvalará para o mero assistencialismo em relação ao imaturo, em certo sentido semelhante ao cuidado benevolente de alguém para com um portador de deficiência cognitiva e emocional. Isto representa uma sobrecarga incalculável para o interlocutor mais sensato que, todavia, busca parceria apesar dos  predicados negativos pessoais do outro. Obviamente, a prática assistencial neste nível aborta qualquer tentativa de desenvolver um companheirismo saudável. Quando a desesperança ensombrece o relacionamento assimétrico sem expectativas, os seus participantes desmotivados fenecem. Suas existências ficam truncadas, privadas de fruir plenamente as possibilidades excelsas da condição humana. Os adultos amadurecidos que têm o infortúnio de viver a experiência de um relacionamento assimétrico sabem quanto é pequena a probabilidade de o interlocutor imaturo autodeterminar-se a mobilizar suas potencialidades intelectivas e volitivas no sentido de corrigir as deficiências pessoais, abrindo espaço para um encontro existencialmente rico. E esse detalhe é mais estressante ainda se por algum motivo, geralmente de ordem ética ou religiosa, a relação é mantida sem esperança  de uma interação adulta satisfatória.
            É fundamental para o futuro da própria humanidade, que o homem aprenda a lidar com as diferenças dado que elas são universais.  Embora muitas não cheguem a ser problemáticas vale a pena lembrar que elas constituem sempre um obstáculo maior ou menor a ser vencido em todas as relações interpessoais. Precisamos, pois, encará-las todas, responsável e sabiamente, para garantir o êxito final da história humana, centrado na solidariedade.                    
Everaldo Lopes