O Universo é o conjunto de
tudo quanto existe. Portanto, sendo uma totalidade absoluta nada pode haver
fora dele. Esta totalidade dinâmica, unitária representa um universo complexo
que inclui o ser consciente capaz de influir nas transformações evolutivas da
sociedade, e do mundo físico. Seu
dinamismo criativo manifesta-se na integração harmônica de todas as coisas. Sem
esta harmonia o todo universal se dissiparia sem deixar rastro. Mas a
incapacidade de o observador humano relacionar cada momento com a unidade do
todo universal significativo dificulta sua compreensão da coerência deste todo.
O estreito ângulo de visão do observador finito cria a falsa impressão de
situações segmentadas desarmônicas. E essa aparência desconexa da realidade
suscita dúvida sobre a perfeição unitária da totalidade que ela representa. Exemplificando:
sem o conhecimento dos antecedentes que originaram cada fato, como explicar neste
todo perfeito as injustiças criminosas, os acontecimentos trágicos envolvendo
inocentes, guerras e assassinatos? Estas experiências são incompreensíveis para
a visão limitada do processo, levando o observador a visualizar nelas imperfeições
que são incompatíveis com a total harmonia da unidade do todo absoluto. Dessa
forma, face às limitações cognitivas do homem, a afirmação do arremate final perfeito
da história humana exige fé. De outro modo o observador finito desesperaria da
harmonia deste remate.
O homem existe no
desdobramento dos acontecimentos históricos cuja matéria prima é a relação “eu-tu”
envolvida por circunstâncias específicas. Tendo-se em vista a multiplicidade de
fatores que interagem na evolução do
fenômeno social, é óbvia a complexidade implícita na elaboração intersubjetiva
das manifestações dos indivíduos em sociedade. As diferenças a serem
equacionadas entre mundividências, desejos e projetos dos protagonistas da
realidade social exigem arranjos, acomodações de propósitos e de manifestações
afetivas que variam caso a caso na convivência das pessoas. É impossível para o
homem conhecer tudo que ao longo do tempo direta ou indiretamente tenha
influenciado na emergência de um fato isolado. A falta de clareza no
conhecimento das nuances psicossociais influentes na gênese dos acontecimentos
pontuais limita a inteireza dos julgamentos que fazemos no nosso dia a dia.
Todavia, confirmando o caráter humano das relações interindividuais, os protagonistas
sociais bem estruturados reconhecem os seus interlocutores com suas diferenças,
e confiados na força transformadora do diálogo se disporão a interagir com eles
de forma objetiva e fidedigna. Apesar das dificuldades possíveis de interação
imediata com o seu “tu”, não se anula a predisposição originária no “eu” de estar
diante de um Tu transcendental que é a manifestação subjetiva do “dinamismo
absoluto eternamente criativo” presente na intimidade do ser consciente,
reflexivo. Ser consciente, afinal, é ser capaz de elevar-se acima de si mesmo
(transcender) para criar um distanciamento subjetivo em relação ao mundo,
indispensável à compreensão da realidade. E ao transcender-se o homem se
adverte de sua finitude em contraste com o desejo de ser, o que suscita nele a necessidade
de crer numa transcendência absoluta, espiritual, da qual faz parte e na qual
se realiza numa dimensão transtemporal. Crença que encontra respaldo em
especulações metafísicas, mas será muito mais aquietadora quando, ingenuamente,
não pede explicações.
A deformação das posturas humanas
no processo de socialização pode ameaçar a integridade das relações
interindividuais (eu-tu). Porém, no conjunto do “todo” perfeito por sua
natureza absoluta esta ameaça necessariamente não prevalecerá. O dinamismo
criativo do todo absoluto alcançará sempre o equilíbrio perfeito.
A emergência da consciência
e do livre arbítrio é o elemento crucial na evolução humana. Não se pode
determinar quando e como as reações bioquímicas dos neurônios corticais cerebrais
se transformam em pensamentos, intuições, enfim, vivências espirituais. Analogicamente
essa transformação assemelha-se ao “salto quântico”, conceito que revolucionou
a Física clássica. Todavia, a evolução da matéria mediante complexificação
crescente, desde o big-bang até a vida consciente reflexiva tornou possível no
auge desta complexificação (Sistema Nervoso Central) a manifestação do espírito
ordenador universal que permeia toda Natureza. A ordem que presidiu a evolução
da matéria inerte até os seres vivos e à consciência, pressupõe este ordenador
universal cuja natureza absoluta é incompatível com um desfecho imperfeito da
sua obra.
A Filosofia do encontro entre
as pessoas aborda a constante procura do verdadeiro, dimensionando a
compreensão do sentido da liberdade pessoal na doação recíproca inerente à relação
ideal “eu-tu”. Nesta relação a “existência” se manifesta no homem pelo exercício
consciente da “liberdade de” e da “liberdade para”, elementos indispensáveis à
criatividade humana. Na prática da “liberdade de” o sujeito consciente se
supera vencendo resistências internas a fim de confirmar, voluntária e inteligentemente,
os princípios éticos humanísticos superiores; no exercício da “liberdade para” ele
forja, criativamente, uma conjuntura coerente com estes princípios vencendo
resistências externas psicossociais, políticas e econômicas para criar novas
formas de convivência. No espaço intersubjetivo (interpessoal) é que se instala
a luta para vencer tais resistências. Neste espaço o pensamento de Martim Buber
[1]
abre uma janela para o vislumbre da união paradoxal dos opostos (bem / mal;
unidade / dualidade) na plenitude do encontro humano. A unidade dos contrários
permanece um mistério na intimidade subjetiva do diálogo. A razão conduz apenas
uma parte desse processo, o resto fica por conta da intuição e da fé. A
compreensão da realidade toda exige que a razão e a fé sejam os dois olhos da
alma, enquanto a verdade e a crença abrangem os dois polos do mundo.[2]
Ultrapassando os limites da
lógica linear, a lógica da complexidade deixa entrever a unidade de tudo quanto
existe, o que dá suporte à afirmação de que tudo tem a ver com tudo. Esta
afirmação obscura e inexplicável para o senso crítico impregnado da lógica
linear de causa e efeito é absorvida pelo ser consciente num ato de fé cujas
raízes são intuitivas e místicas.
A incapacidade de crer no
encaixe da existência humana na perfeição evolutiva do cosmos, cria uma
dualidade incompatível com o monismo filosófico[3]
e leva à descrença na perfeição do todo absoluto em face dos deslizes comportamentais
que enodoam a história humana. Contra este descrédito opõe-se a lição da
reprovação de Jesus à conduta impetuosa de Pedro quando tentou defendê-lo dos
soldados romanos que o foram prender no Monte das Oliveiras. Jesus adverte seu discípulo de que “o cálice que Lhe está reservado e
anunciado nas Escrituras seria sorvido completamente até o final.” Com essa intervenção Jesus situa-se
num contexto histórico amplo e significativo comprometido com a salvação do
próprio homem. Dessa forma assume naquele instante a sua missão histórica de
preservar a perfeição do Todo absoluto. Estamos
cada momento participando da construção deste todo perfeito quando decidimos “sorver
até o final” mesmo com algum sofrimento a missão histórica que nos foi confiada
durante nossa peregrinação neste mundo.
As ideias expostas
neste texto não se coadunam com a tese apocalíptica do final dos tempos. Aliás,
no primeiro século da
era cristã, Orígenes de Alexandria[4]
propôs que no fim dos tempos haverá o resgate de todos os seres do universo na
unidade perfeita de Deus. No segundo concílio de Constantinopla, porém, a tese
de Orígenes foi considerada herética pela Igreja católica. Hoje a maioria das
denominações cristãs cultiva a ideia apocalíptica do fim dos tempos que separa
os bons e os maus, destinando os primeiros ao Céu e os segundos à condenação
eterna. Todavia, com todo respeito à autoridade das Igrejas, acho a tese de
Orígenes mais compatível com a misericórdia infinita de Deus. Afinal a perfeição da unidade absoluta é
incompatível com a dualidade apocalíptica.
Na perfeição da realidade unitária
tudo tem sentido. Everaldo Lopes
[3] Doutrina
filosófica segundo a qual o conjunto das coisas pode ser reduzido à unidade,
quer do ponto de vista de sua substância, quer do ponto de vista das leis pelas
quais o Universo se ordena.
[4] Teólogo e filósofo neoplatônico, um dos padres da
Igreja grega. Foi um prolífico escritor cristão de grande erudição.
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