terça-feira, 16 de abril de 2013

A caminho da sabedoria



A consciência é sempre consciência de algo que a mente registra como um conceito, termo mental do ente percebido pelos sentidos, ou de uma emoção vivenciada. Os conceitos assim originados na subjetividade do ser consciente se arranjam em proposições e estas por sua vez se relacionam de forma silogística induzindo a conclusões lógicas que resumem um conhecimento. Os conceitos são simbolizados por palavras que representam no discurso os entes materiais apreendidos pela consciência, e os estados de ânimo vivenciados. Mediante uma operação mental reflexiva o sujeito da consciência articula as palavras, gramaticalmente, numa linguagem através da qual se comunica com os seus semelhantes. A capacidade de pensar e intuir  é anterior à de verbalizar o pensamento num discurso coerente.
Os princípios da lógica asseguram a consistência do conhecimento racional da realidade e a coerência do discurso. Assim a análise lógica da linguagem ajuda a raciocinar objetivamente. A lógica inerente às leis do pensamento aplicadas com retidão intelectual sobre os dados já conhecidos propicia a geração de novos conhecimentos. Um exemplo disso é a descoberta de Netuno cuja existência foi prevista mediante cálculos matemáticos baseados nas variações da órbita de Urano, e só depois o novo planeta foi visualizado.
A sabedoria Implica na relação funcional entre a capacidade de conhecer a realidade, a sensibilidade para a interlocução racional respeitosa, e a vontade de agir de forma reflexiva, prudente e sensata. Tudo isso associado à humildade para aceitar a realidade com isenção. Disto se conclui que a sabedoria envolve o conhecimento seja erudito ou intuitivo; porém ter conhecimento não implica necessariamente ser sábio. A sabedoria pondera o significado inerente à realidade percebida tendo em vista o seu contexto. Isso implica numa busca de sentido, ou seja, daquilo que as coisas representam contextualizadas num todo significativo. O sentido transcende o puro conhecimento racional; implica numa visão ampla da realidade que permite enxergar a relação de uma parte com o todo no qual ela se inscreve.  Detalhe fundamental uma vez que o “todo” coordena a relação entre suas partes[1].
Na longa cadeia evolutiva, o homem existe para refletir sobre e harmonizar a totalidade em que está contextualizado, gozando o privilégio (liberdade) de reorientar-se para atender às exigências de solidariedade no seu contexto existencial e social. Fazendo parte  de um sistema aberto, como um ser de cultura o homem é a porta de entrada das mudanças que se fazem necessárias para dar continuidade à própria Evolução. Neste esforço  evolutivo se insere a capacidade humana de organizar-se em sociedade, livre e solidariamente. Obviamente esta liberdade para mudar não é absoluta. Esbarra na facticidade, ou seja, o que o homem não pode modificar na sua realidade biopsíquica (hereditariedade, características físicas), e na sua circunstância, inclusive seu habitat natural. É a partir deste nível da sua realidade que o ser consciente elabora um projeto existencial com implicações sociais políticas, econômicas, enfim, culturais. Manipulando os elementos constitutivos da realidade psicossocial, o homem constrói sua existência. Neste sentido, o critério soberano do comportamento humano é a responsabilidade calcada nos valores éticos universais[2] das pessoas unidas por elevados interesses  comuns. Evolutivamente, as mudanças promovidas pelo sujeito consciente devem garantir o futuro do Homo Sapiens sapiens. E para fazê-lo é fundamental a avaliação das implicações éticas das situações problemáticas no devir pessoal, e a disposição voluntária de promover a escolha mais coerente em função do objetivo maior.
O tempo é essencial às mudanças indispensáveis para manter o fluxo evolutivo. O vetor temporal da evolução do homem implica em que suas ações deverão obedecer a um sentido definido, consciente e responsavelmente escolhido, tendo em vista a realização plena da condição humana.
A existência transcorre no tempo do calendário que não é absoluto. Ele representa, antes,  uma ruptura da unidade temporal porque na sucessão dos segundos, minutos, dias, meses e anos intromete-se o “agora” que é um limite difuso, encerrado entre o passado e o futuro imediatos de um presente fugidio que não conseguimos descrever na sua realidade instantânea. Mas é nesse agora que o homem existe cumprindo sua missão no processo evolutivo.
Existir é um vir a ser consciente reflexivo, um constante transcender-se, um projeto que se vai realizando mediante o exercício da liberdade. A consciência e a liberdade são inseparáveis e não podem deixar de sê-lo. No dizer de Sartre “O homem está condenado a ser livre.” A realidade humana do ponto de vista estritamente fenomênico é feita de escolhas nas situações psicossociais criadas no vir a ser pessoal. Ora, escolher implica exercitar a liberdade, ou seja, refletir antes de agir; e as manifestações psíquicas superiores inerentes à reflexão não se explicam como resultado de interações físico-químicas e feedbacks biológicos. Portanto, a existência[3] inclui necessariamente uma dimensão transcendental que se confunde com o exercício da liberdade criativa. E no exercício responsável da liberdade impõe-se ao sujeito do conhecimento usá-lo com sabedoria.  
                                                Everaldo Lopes   




[1] Esta ideia corresponde ao que preceitua o Holismo - Na filosofia da linguagem, teoria que considera o significado de um termo ou sentença unicamente compreensível se for considerado em sua relação com uma totalidade linguística maior, através da qual adquire sentido. Houaiss3.

[2] Verdade, ação correta, amor, paz, não violência.
[3] Modo de ser próprio do homem

3 comentários:

  1. Painho, meu velho pensador,

    Eis o desafio que está posto a todos nós viventes: usar a liberdade com sabedoria!
    Se todos pudéssemos colocar em prática a liberdade com sabedoria, exercendo as escolhas com responsabilidade, o mundo seria bem diferente deste que presenciamos na contemporaneidade.

    Em que medida nossas decisões cotidianas interferem no processo evolutivo da humanidade?

    Entendo que há decisões e decisões ... algumas repercutem mais que outras. Há, por exemplo, decisões humanas que abalam as estruturas da história humana (atos terroristas, o nazismo, o fascismo, o desencadear de guerras, a contaminação e destruição do meio ambiente, a opção pela lógica da exploração do homem pelo homem e dos movimentos que alimentam a ciranda financeira que produz lucros estratosféricos para os banqueiros etc); essas decisões são fulcrais para os destinos da humanidade. Outras decisões passam despercebidas pela história humana (nossas escolhas pessoais em relação a vida amorosa, em relação ao jeito de vestir, às leituras que fazemos, aos filmes que assistimos, a cerveja que bebemos e outras cositas mais que são decisões tão banais que, apesar de fazerem parte da composição de nossas existências, não alteram percurso da humanidade).

    Não sou adepta de teorias que defendem que somos seres determinados, marionetes das estruturas sociais. Penso que, em maior ou menor escala, produzimos nossas vidas a partir de decisões, de escolhas ... penso que sempre temos uma margem para o exercício da liberdade no nosso agir cotidiano. É verdade que nem sempre essas decisões cotidianas resultam de reflexões e discernimento.

    Penso que alguns movimentos que acontecem no mundo nos transcendem e ultrapassam; mas, como seres de cultura, entendo que somos responsáveis por tudo o que acontece no espaço político e social em onde estamos inseridos; a sociedade que vivemos é uma construção social, portanto, expressa decisões, atitudes e escolhas humanas. Nesses termos é que precisamos compreender (e sentir) que somos responsáveis pelos destinos que a humanidade terá, ou melhor, pelos caminhos que a humanidade está tomando.

    Desenvolver o desejo de produzir um conhecimento responsável, despertar a sensibilidade e o afeto, exercitar a capacidade reflexiva com prudência e sensatez, todas essas decisões podem ser consideradas como estratégias civilizatórias imprescindíveis para a continuidade da humanidade.

    Como seria bom se pudéssemos estabelecer como "critério soberano do comportamento humano" a "responsabilidade calcada nos valores éticos universais", onde todos agissem não a partir de interesses pessoais, egoísticos, mas sim, tomando como referência os "elevados interesses comuns" da humanidade. Lamentavelmente, estamos muito distante desse ideal comunitário.

    ...

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  2. ...

    Infelizmente, a mesma inteligência humana que é capaz de construir saberes fabulosos, feitos fantásticos e magníficos, é capaz de produzir a dor, o sofrimento e a destruição. Por isso, é tão importante apostarmos em estratégias sociais que estimulem a adesão de homens e mulheres aos ditames culturais que fortaleçam os vínculos sociais em direção aos laços de solidariedade e ao sentimento de compaixão.

    A sabedoria dessa escolha construtiva, civilizatória, está no fato de sabermos que ou todos optam pela produção da vida com respeito e responsabilidade, distanciando-se das perversidades e crueldades humanas, ou ninguém estará à salvo. A opção pela liberdade com responsabilidade, portanto, seria a atitude mais inteligente e sensata que os humanos poderiam tomar. Como despertar, todos e cada um, para a imprescindibilidade dessa construção civilizatória? Esse é um desafio posto desde que o homem é homem ... e que ainda não encontramos solução ... até que todos se convençam que esse é o único caminho para continuarmos o projeto humano na face da terra.

    Quero acreditar que esse não é um projeto que está fadado ao fracasso. Por isso, faço coro à sua convocação que estimula o exercício da liberdade com sabedoria, responsabilidade e sensatez. Conte comigo para a execução desse projeto!

    Beijo da sua filha,

    Ruth.



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  3. Filha.
    Em tese concordo com suas colocações. Talvez vá um pouco mais longe. Revisitando os textos que já postei neste blog dá pra perceber minha convicção de que todas as decisões humanas interferem no processo evolutivo da Humanidade. As que têm grande repercussão imediata e as que passam despercebidas. Tudo tem a ver com tudo. É assim que vejo a realidade universal sob a ótica da complexidade. Os acontecimentos que aparentemente nos transcendem são vistos assim porque não conseguimos integrá-los na malha da complexidade tecida pela humanidade desde a emergência da consciência até o presente. Todavia, são eventos que nasceram da ação dos homens, conscientes ou não, responsáveis ou não que pesam na construção do todo. Obviamente só os acontecimentos que se alinham aos propósitos da Evolução são construtivos e dignificam a existência.
    Você tem razão em afirmar que não somos seres determinados, do contrário negaríamos o livre arbítrio que se constitui uma exigência da própria Evolução na transição do aperfeiçoamento biológico do indivíduo para a construção livre da sociedade que culmina na comunidade humana. Na verdade a nossa liberdade de criaturas é limitada pela facticidade. Obviamente nem todos os homens fazem sempre escolhas sábias ao delinear as estratégias às quais adere no curso da vida, não raro deformadas ao longo de gerações sucessivas. Estas estratégias não deverão prosperar a longuíssimo prazo uma vez que não obedecem aos critérios evolutivos no sentido da construção livre da comunidade humana. No jogo complexo do contexto histórico psicossocial do projeto evolutivo só as decisões construtivas têm fôlego para sobreviver, malgrado a insânia que macula o comportamento humano. Esta convicção nos leva a apostar na vitória do exercício da consciência livre e responsável, mediante escolhas sábias que hão de pontuar o salto evolutivo do Homo Sapiens sapiens, para o Sapiens eticus. Louvo-me nos estudos de Edward Wilson , considerado o pai da Sociobiologia, que sacudiu a comunidade científica declarando que a “colaboração entre os indivíduos conta pontos positivos na Evolução. Com isto quero salientar que o poder da generosidade tem lugar de destaque na própria Evolução.
    Beijo do pai.
    Everaldo Lopes

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