segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Aventura humana IV






Após a transição da sociedade teocêntrica, baseada em dogmas, para a sociedade antropocêntrica fundamentada na razão, o homem passou a viver a era das incertezas. Ora, a duvida afeta o sucesso do processo evolutivo que agora depende das escolhas humanas conscientes livres e responsáveis ditas existenciais. Para escolher consciente e responsavelmente o homem precisa, então, de referenciais confiáveis – os valores. Já sabemos que a existência[1] autêntica se constrói em torno de valores. Mas na ausência do suporte dogmático não se podem definir valores sem uma visão abrangente da realidade dentro da qual eles se contextualizem. Esta mundividência difere entre espiritualistas e materialistas; os últimos a fundamentam no absoluto simbolizado num corte conceitual da realidade apreensível, enquanto os primeiros a fundamentam num absoluto transcendental objeto de especulação metafísica. Nestes termos, uma vez assumidos, os valores garantem um arremate coerente da “existência” como parte do “todo” considerado. Dentro de uma visão holística, em ambos os casos a influência do “todo” é determinante na interação de suas partes, na medida em que os valores são assimilados pelos indivíduos. Sendo referenciais do comportamento ético, estes valores devem ser consumados no plano ontológico vivencial de cada um para que possam preencher a sua função construtiva existencial. A principal missão do homem neste processo, em qualquer dos casos é promover a organização social comunitária sem a qual a espécie humana não terá futuro. Para avaliar a veracidade desta afirmação apocalíptica basta levar ao extremo as consequências que podemos prever se forem mantidas as tendências atuais assinaladas pelos indicadores econômicos, sanitários educacionais e políticos, incidentes em mais de dois terços da população mundial.

Como ficou sugerido no primeiro texto desta série, o processo de humanização não é natural, mas, eminentemente cultural. Ele envolve, necessariamente, elaborações que são frutos da livre escolha - liberdade cuja prática se confunde com o ato de existir. Este foi o grande salto na história da Evolução. Daí a responsabilidade inerente ao exercício coerente da consciência[2]. A paz interior nessa caminhada heróica de afirmação existencial é experimentada por cada um na prática do amor à Verdade que é a essência de todas as virtudes morais. Verdade substantiva que ultrapassa os limites da razão temporal, e garante a coerência da realidade evolutiva universal.  

A análise dos indicadores disponíveis do desenvolvimento humano no planeta nos leva hoje a uma perspectiva sombria do futuro da Humanidade. Há pequenas ilhas de excelência tecnológica e humanística, mas são paupérrimos os resultados do esforço de universalização das oportunidades de participação desta excelência por todos os homens. Cabe-nos, porém, fazer uma profissão de fé no homem, em substituição à fé depositada na ciência, que caracterizou o cientificismo contemporâneo do Movimento Renascentista. O que está por trás deste novo ato de fé é uma expectativa otimista de confiança na fidelidade humana ao exercício responsável da consciência livre, nas escolhas inerentes ao processo evolutivo que se prolonga nas relações sociais e ecológicas. Se a Evolução, guiada pelas assim chamadas Leis Naturais (determinismos inconscientes) alcançou a complexidade que podemos constatar, hoje, é razoável pensar que o "ser consciente", marco privilegiado da Evolução há de concluir, com sucesso, a obra iniciada. Destinado a realizar o objetivo maior deste processo evolutivo, o homem, finalmente, saberá usar o livre arbítrio na condução das suas manifestações psicossociais, compatibilizando-as com os valores que convergem para a organização de uma humanidade solidária. O grande obstáculo a vencer é o de alcançar o compromisso de todos os homens na participação do mutirão em prol da organização comunitária da Humanidade.

O arremate da Aventura humana será, necessariamente, um movimento coletivo livre, consciente e responsável que mobilize a humanidade inteira na construção da comunidade universal. Diante da descrença que esta afirmação pode suscitar, permitam-me uma divagação analógica arrojada. Não obstante sejam fabulosas as situações confrontadas na analogia que proponho agora, o grau de verossimilhança da unanimidade dos homens no sentido de realizarem uma só comunidade seria o mesmo inerente à avaliação de um observador hipotético do big bang a quem fosse anunciado que a “poeira cósmica” se organizaria, um dia, em vida consciente!  Todavia damos testemunho, neste instante mesmo, com a concepção deste texto, de que o que parecia impossível aconteceu. Diante desta constatação, seria razoável eliminar, hoje, sob a alegação de ser absurda, a possibilidade do consenso de todos os homens no sentido da realização da comunidade humana? Com esta indagação deixamos no ar a ideia de um Absoluto atuando sob a forma de "imponderáveis" na complexa realidade palpável conhecida através dos sentidos!

Everaldo Lopes







  [1] Exercício responsável da liberdade consciente.


 [2] Consciência – Atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo (e
 posteriormente em relação aos chamados estados interiores, subjetivos)
 aquela distância  em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração. 
Aurélio sec XXI

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