No diálogo terapêutico é indispensável
que o Conselheiro e o Cliente encarem os fatos em discussão sem qualquer
julgamento de valor. Durante o exame do seu problema o cliente analisa as
emoções despertadas, e identifica possíveis associações com experiências anteriores.
Reconhecendo-as poderá contornar influências estranhas à conjuntura atual. Neste
processo se denunciam os parâmetros comportamentais já incorporados
culturalmente. Todavia, para responder com pertinência às situações novas, o Cliente
deverá deter-se, examinando-as e avaliando as alternativas de resposta
responsável.
No Aconselhamento Filosófico é
fundamental o compromisso do Conselheiro e do Cliente com a autenticidade. Disposição
que ajudará o consulente a reorientar-se livre e objetivamente. Neste clima de
liberdade se tornará mais fácil para ele manifestar espontaneamente suas ideias
e seus sentimentos, permitindo-se reconhecer os próprios deslizes. Dessa forma
reunirá condições para elaborar a resposta pessoal às demandas existenciais. Quando não ocorrer espontaneamente, o
conselheiro estimulará o Cliente a descobrir no seu comportamento as intenções não
reconhecidas, de ganhos secundários. Esta é a oportunidade de o Conselheiro examinar com o consulente as premissas filosóficas
desenvolvidas na obra de um filósofo conhecido que trate de questões afins às dificuldades
do cliente, e descobrir a sua orientação filosófica. Reconhecendo sua própria
postura diante da realidade, o cliente poderá reorienta-la, se for o caso, motivado
pela coerência pessoal. A tendência filosófica do aconselhado pode ser, por
exemplo, a de agravar (dramatizando) as situações conflitantes, esperando com
isso ganhar atenções, um ganho secundário ainda não reconhecido explicitamente.
E, descobrindo essa disposição, o cliente percebe o engodo que sua conduta
encerra. A partir desta descoberta é possível que mude o próprio modo de agir,
atendendo ao desejo de valorização pessoal. Igualmente, quando o cliente
consegue integrar numa nova visão de mundo o problema que o aflige, alivia muitas
tensões psíquicas aflitivas. Reconhecendo algo essencial sobre si mesmo, compreende
a essência do conflito evocado na sessão
terapêutica. O problema pode estar associado à confusão de conceitos
erroneamente interpretados como sinônimos, que implicam, porém, em posturas existenciais
diferentes. É o caso, por exemplo, da diferença conceitual nem sempre percebida
claramente entre os vocábulos indivíduo
e pessoa, dano e ofensa. No
primeiro exemplo, indivíduo é apenas
a unidade taxinômica de uma espécie qualquer, enquanto a pessoa é cada ser humano considerado pelas qualidades psíquicas
superiores que se atribuem exclusivamente á espécie Homo Sapiens sapiens[1], e abrem espaço para relações interindividuais
peculiares. Na prática social, a confusão entre estes conceitos deixa margem
para avaliações distorcidas da dignidade humana com repercussão no
comportamento. Esta falta de clareza conceitual atropela o caráter dialógico do
“eu”[2] a
cuja constituição está atrelado o fundamento da solidariedade. A percepção de
que a pessoa é um indivíduo especial com características ímpares faz toda
diferença. Mesmo reduzido a privações morais e físicas, o homem, como pessoa, é
credor de um tratamento especial. No segundo exemplo, na prática, a indistinção
entre dano e ofensa pode gerar sofrimento desnecessário. Ora, enquanto o dano é
unilateral, a ofensa é bilateral. Ou seja, não haverá ofensa sem que alguém se
sinta ofendido e o sentir-se ofendido não é uma postura essencial, pode ser
modificada por opção pessoal esclarecida. Já o dano não depende do objeto
danificado. Por exemplo, uma martelada no dedo causa um dano que independe da
reação do indivíduo lesado, isto é, o dano tem um valor absoluto. Diferente da
ofensa que tem a dimensão conferida pelo ofendido. Um apelido só pega se o
apelidado reagir irado. A ofensa depende da reação do ofendido, não tem,
portanto, valor absoluto. Não distinguindo existencialmente o dano, da ofensa o cliente poderá sofrer desnecessariamente como danos,
ofensas que só se consolidarão com o seu consentimento. Ao assimilar
intelectual e emocionalmente a distinção conceitual entre indivíduo e pessoa, e entre
dano e ofensa, o Cliente impedir-se-á,
respectivamente, de praticar ações ofensivas ao outro, e de sofrer aflições
desnecessárias.
O Conselheiro Filosófico ajuda o Cliente
a compreender-se melhor à luz da leitura filosófica das situações existenciais
que vivencia, capacitando-se a assumir atitudes voluntárias, maduras e objetivas.
Para Sócrates, todos nós temos ciência das coisas, apenas precisamos
lembrar o que já está dentro de nós; mas não raro se faz necessária ajuda
externa para trazer à tona esse conhecimento. Para comprovar sua tese Sócrates
fazia uma série de perguntas correlatas para que o interpelado respondendo-as
chegasse por si mesmo à solução definitiva da questão que supunha ignorar. A
Maiêutica[3] e o Aconselhamento
Filosófico embora sejam metodologias distintas contam sempre com a capacidade intelectual
e domínio emocional do par dialogal: respectivamente, o Filósofo e o Discípulo,
o Conselheiro e o Cliente. É preciso confiar na perspicácia do interlocutor, para
conduzi-lo com proveito numa introspecção investigativa. O conselheiro não
oferece verdades acabadas, mas dá orientações para quem esqueceu ou
negligenciou os meios de examinar a si mesmo, a fim de que encontre a resposta
que lhe parecer verdadeira. A evolução deste processo dependerá do nível de
liberdade existencial do Cliente para elaborar respostas originais resolutivas face
aos desafios do vir a ser consciente. O CF pressupõe no orientando a
sensibilidade necessária à percepção de sutilezas do seu conteúdo subjetivo
intelectual e afetivo, e a capacidade de estabelecer analogia entre este
conteúdo e as reflexões filosóficas inseridas nas doutrinas que marcaram a
evolução histórica do pensamento[4].
Exemplificando. Enquanto os Empiristas distinguem o conhecimento teórico do
prático, privilegiando este último, em detrimento do meramente racional, os
Racionalistas enfatizam a razão, e não a experiência prática, como referencial
de valor. Muitos de nós seguimos uma destas duas orientações como diretrizes de
vida e não nos damos conta das suas implicações existenciais. Porém, consciente
de haver adotado uma ou outra destas alternativas, o cliente poderá ter um
insight revelador sobre sua própria orientação existencial, descobrindo um
pouco de si mesmo e, quiçá, o motivo dos seus conflitos. Na verdade, Empiristas
e Racionalistas assumem posições extremas e, todavia, a vivência do equilíbrio
existencial demanda a perfeita coerência integrativa da teoria e da prática. Aí
entra a criatividade do Cliente. É óbvio que estes exemplos simplificados
apenas mostram como funciona o aconselhamento Filosófico. Como dissemos no
texto anterior, “é o diálogo, a troca de ideias que é terapêutica.” Na medida
em que o CF e o cliente debatem impessoalmente as doutrinas filosóficas evocadas,
multiplicam-se as oportunidades de esclarecer questões pontuais relacionadas
com os conflitos do consulente. Nestes debates, só para exemplificar, quanta sabedoria
se descobre na proposta kierkegaardiana de uma transcendência necessária, em
resposta à angústia diante da finitude! Quanto discernimento se revela na
afirmação de Schopenhauer: “estamos sempre tentando dissipar a obscura
perspectiva do nada”. Perspectiva que ameaça a existência de instante para
instante, e que tentamos superar apostando seriamente em crenças que podem não
passar de invenção articulada, com alguma probabilidade de acerto. Situação que
poderia parecer ao mesmo tempo aleatória, patética ou ridícula para pessoas que
se querem solidamente objetivas. Mas que, uma vez assumida e vivida com
entusiasmo mediante um ato de fé é a verdade de cada um. De repente, o que
poderia parecer um simples palpite ingênuo se transforma em referência essencial
ao exercício da consciência crítica!...
Termino lembrando que o saber filosófico
milenar é um recurso poderoso para ajudar o homem a lidar com a realidade. Acredito
em que o “Aconselhamento Filosófico” pode ser um auxiliar valioso da
Psicanálise, fazendo uma ponte entre milênios de sabedoria e o enfrentamento dos
desafios existenciais atuais, ajudando as pessoas a levarem uma “vida examinada”
como preconizava Sócrates.
Everaldo Lopes
Nenhum comentário:
Postar um comentário