Os Filósofos sempre estiveram
envolvidos com questões como a origem e destino do Universo e do homem, o
sentido da vida, o uso responsável da liberdade... A consciência da precariedade
do vir a ser incerto do homem demanda um apoio confiável para sua existência. Urge
embasa-la racional e emocionalmente. Daí a necessidade de responder às
interrogações filosóficas: Como tudo começou? O que somos nós? Como tudo
acabará? A instabilidade existencial se desdobra em conflitos entre a razão e a
emoção, em crises de significado do mundo e da vida, e nas perspectivas de envelhecimento
e morte pessoais, ou dos entes queridos. Destes impasses ninguém escapa. Especulando
metodicamente sobre esses temas os Filósofos chegaram a definir alguns posicionamentos
básicos. Para enfatizar esta preocupação lembro o testemunho de Epicuro que dizia
ser vazio o argumento do Filósofo que não alivia a aflição humana. Sócrates,
por seu turno, afirmava que a vida não analisada não vale a pena ser vivida, e
defendia o auto aprimoramento do homem mediante o conhecimento de si mesmo,
sendo este saber a vocação mais elevada do ser humano em prol de uma vida mais
realizada. Os defensores do Aconselhamento Filosófico admitem como fator de
instabilidade a vivência não esclarecida da desordem dos conceitos filosóficos
que servem de paradigmas ao vir a ser consciente... e apostam em que,
ordenando-os, abre-se o espaço para resgatar o equilíbrio existencial. Neste
sentido é de grande ajuda a contribuição do Aconselhamento Filosófico (AF) na
medida em que põe o Cliente em contato com ideias e doutrinas positivas que
podem contextualizar, corrigindo-o, o desacerto intelectual e afetivo
problemático. A missão do Conselheiro é captar a sabedoria dos Filósofos que
tentaram compreender o fenômeno humano, e apresenta-la ao cliente, aproveitando
o ensejo para situar os seus problemas num todo significativo. O ser consciente
precisa encontrar o verdadeiro sentido de sua existência no Universo
estruturado que reúne o infinitamente pequeno, o infinitamente grande, e o infinitamente
complexo. O Aconselhamento Filosófico oferece orientações gerais para descobrir
o papel do vir a ser consciente no contexto da estrutura evolutiva do Universo.
Não há um método geral de Aconselhamento Filosófico; o Conselheiro apenas apresenta
ao cliente uma visão mais ampla de suas possibilidades de encarar a dificuldade.
Com este objetivo alinham-se os cinco passos do Aconselhamento: 1) definir e
examinar, progressivamente o Problema; 2) sopesar e canalizar
criativamente a Emoção a ele vinculada; 3) ganhar a distância subjetiva
necessária para Análise objetiva da situação e das alternativas de
solução; 4) olhar em perspectiva o processo para a Contemplação do todo;
5) buscar numa totalidade significativa o Equilíbrio da resposta ao
problema focalizado. A paz interior duradoura é o objetivo a ser alcançado... Coincidentemente,
as iniciais das etapas do processo descrito formam a palavra “PEACE”.
Confrontando as conclusões inspiradas
nos sistemas filosóficos afins com o problema que aflige o cliente, o Conselheiro
ajudá-lo-á a alcançar uma posição de equilíbrio fundamentada na compreensão da própria
existência, preparando-o para agir apropriadamente tendo em vista a solução de
sua problemática pessoal.
Diferentes Escolas Filosóficas oferecem
interpretações peculiares da situação existencial do cliente, das quais se
tiram orientações gerais sobre o que fazer. Cabe ao Conselheiro discutir uma
posição filosófica que seja ao mesmo tempo justificável por seus méritos,
coerente com a natureza do problema apresentado pelo cliente e compatível com
suas potencialidades. Depois de o cliente articular o problema, depois de exprimir
suas emoções e assumir uma posição filosófica consentânea, estará mais próximo
de conseguir o equilíbrio psíquico afetivo a que aspira.
As pessoas são auto referentes mas em
geral o homem alienado de sua realidade mais íntima assume o que lhe convêm,
circunstancialmente, e dissocia-se de tudo que compromete sua autoestima,
atribuindo-o a terceiros. Este descompasso interior leva à irresponsabilidade
neurótica que é o cerne de um comportamento de fuga inconsciente, de uma
realidade insuportável. Uma visão panorâmica do problema existencial corretamente
contextualizado pode despertar o homem “alienado” de si mesmo, e abrir caminho
para a recomposição de sua integridade pessoal. A análise filosófica das
situações existenciais conflitantes pode ajudá-lo a compreender a incoerência
de sua alienação. Este passo rumo ao comportamento centrado, objetivo elimina a
ansiedade e amplia a liberdade pessoal, condições indispensáveis à plenitude
existencial .
A evolução das doutrinas filosóficas
através dos tempos mostra os posicionamentos correspondentes a modos peculiares
de explicar, e responder às inquietações do “ser consciente”.
Representado pelo exercício da
consciência responsável, o devir humano é em si mesmo problemático. As
incertezas inerentes à situação humana mobilizam as potencialidades do ser
consciente num esforço heroico para a construção de um apoio no meio de tantas
dúvidas. Esta mobilização de forças, intelectuais e morais, resultou na busca
de um saber universal que é o cerne da Filosofia. E o Aconselhamento Filosófico
pressupõe que este saber pode ajudar na reordenação existencial do cliente.
Faremos na próxima postagem uma breve incursão
na história do pensamento, destacando os desenvolvimentos especulativos mais marcantes
sobre os fundamentos fenomenológicos do exercício da consciência livre e
responsável. É importante o reconhecimento teórico dos fundamentos existenciais.
Todavia, para mudar o rumo da história pessoal é preciso que o conhecimento
profundo mobilize a afetividade, ou melhor, nela se continue insensivelmente, e
ative a vontade para a ação pertinente livremente escolhida pelo sujeito
consciente... Não conheço melhor aplicação para o conceito deuleuziano de
“dobra”[1],
do que a implicação funcional complexa do conhecimento, da afetividade e da vontade no
laboratório subjetivo da existência pessoal.
(Continua no próximo texto) Everaldo
Lopes.
[1] “Dobra”-
caráter coextensivo do dentro e do fora; do pensamento que representa
conceitualmente uma relação específica de conhecimento e a afetividade, indistinguíveis no mundo subjetivo.
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