terça-feira, 9 de outubro de 2012

Aconselhamento Filosófico I



     O Filósofo propõe-se conhecer a realidade, desenvolvendo a razão dialética em busca da Verdade, da Justiça, e da Beleza nas relações humanas ambientais e sociais. O autoconhecimento profundo dos seres humanos acaba mobilizando um sentimento de aproximação entre eles. Aliás, este é o caminho a ser trilhado por todos os homens.  A Maior virtude do Filósofo é a disposição de refletir, isenta de preconceitos, sobre a realidade mais íntima do sujeito pensante tendo em vista alcançar uma maneira funcional e apropriada de lidar com as dificuldades do vir a ser existencial. Na sua origem a Filosofia constituiu-se num conhecimento para ser aplicado na experiência humana quotidiana. Sua aplicação na vida prática precede, pois, a institucionalização como disciplina acadêmica. Reforçando a vocação original da Filosofia, o Aconselhamento Filosófico destina-se a ajudar as pessoas a encontrar um estilo de vida que lhe garanta a melhor realização pessoal e paz interior. Isto implica no bom uso das funções psíquicas superiores[1]. A missão do Conselheiro Filosófico (CF) é ajudar o cliente a compreender melhor a natureza humana. Neste sentido é fundamental induzi-lo a pensar por si mesmo, ajudando-o a identificar sua própria visão de mundo[2].
Aprendendo a distanciar-se subjetivamente do seu problema, o cliente consegue analisa-lo com objetividade. Este olhar filosófico permite-lhe definir as situações aflitivas com realismo e serenidade; oportunidade de aprender que “a vida é tensa e complicada, mas não é inevitável que o leve à angústia e à confusão”. O CF leva o cliente a reconhecer a analogia do seu problema com temas já explorados intelectualmente pelos Filósofos. Repassando-lhe as doutrinas destes Pensadores sobre as questões inerentes ao valor, ao significado e à ética, o Conselheiro ajudá-lo-á a encontrar uma resposta pessoal para seus conflitos. 
Iniciado por Gerd Achenbach na Alemanha, nos anos oitenta do último século, a prática do “Aconselhamento Filosófico” migrou para a América do Norte na década seguinte, granjeando ampla aceitação. O livro de Lou Marinoff intitulado “Mais Platão, menos Prosac” foi meu primeiro contato com esta aplicação da Filosofia. A partir da leitura que fiz deste livro tentarei resumir neste e nos próximos textos os aspectos mais importantes do tema em questão.
  Para o Conselheiro Filosófico deve estar bastante claro que o foco do aconselhamento é o “agora”; e o diálogo, a troca de ideias é que é terapêutica. Lembrando sempre que se o problema tem uma causa conhecida, suprimi-la quando possível é a primeira  providência. No caso de ser difícil remover o motivo do desconforto psíquico, ajudará muito discutir as razões que dificultam a remoção do obstáculo à paz interior do consulente.
      O CF assume a premissa que o ser consciente é responsável, em boa medida, pelo próprio devir, e as anormalidades de conduta frequentemente são forjadas pela impropriedade ou desarticulação do seu pensar, querer e agir. Estes desvios estão ligados a desejos e necessidades mal dimensionados, e à desorientação das funções psíquicas superiores. O Aconselhamento Filosófico aposta na possibilidade de o próprio indivíduo reorientá-las, na medida em que entende o funcionamento do seu psiquismo.
Todos estamos mais ou menos condicionados aos pacotes culturais que encerram soluções formais, destinadas a resolver os problemas corriqueiros de convivência. A inércia cultural exclui, ou pelo menos retarda as mudanças comportamentais que se fazem necessárias em razão do fluxo evolutivo humano e social. Adotar uma postura nova implica sempre um risco, e isto assusta as pessoas prejudicando, muitas vezes, sua determinação voluntária heroica para empreender a mudança desejada.
O sentido da vida é viver, disso a Natureza dá conta. Porém o sentido da existência deve ser escolhido por cada um no seu vir a ser, mediante opções livres e responsáveis. Não há respostas naturais para os problemas existenciais, nem satisfaz ao ser consciente simplesmente obedecer à padronização das respostas culturalmente cultivadas. No processo de individuação[3] é preciso que cada um seja suficientemente crítico em relação à moldagem social que a pretexto de salvaguardar a ordem coletiva pode asfixiar a capacidade individual de escolher. Para ser legítimo, o sentido da existência deve evoluir de forma socialmente estruturada e estruturante coerente com o ser pessoal integrado num contexto solidário universal. Obviamente, isto não significa anular o indivíduo, e sim induzi-lo a desenvolver-se como pessoa – membro de uma comunidade. Portanto, é necessário que a socialização do indivíduo respeite o compromisso de uma proposta pessoal compatível com o ideal comunitário. Orientação que exige flexibilidade comportamental responsável. Desta forma consegue-se escapar de um roteiro estandardizado que já não responde às necessidades presentes, criando nova maneira de conviver que garanta a ordem coletiva e seja dignificante para os indivíduos. Ao fazer a própria hora, sabiamente, cada um caminha deliberadamente no sentido da satisfação equilibrada dos seus anseios compatibilizando-os com uma organização social que vise à inclusão igualitária de todos os homens. Fiéis a esta orientação o indivíduo assediado muitas vezes por conflitos entre a razão e o sentimento responde na sua prática à pergunta que todos se fazem a cada momento sobre o sentido da existência. Para manter o equilíbrio existencial faz-se necessário esforço criativo dentro de uma visão de mundo integrada. Nesta mobilização de forças intelectuais e morais o homem esculpe a si mesmo mediante escolhas e decisões pessoais consentâneas com a harmonia solidária alicerçada em valores universais. É preciso usar a força que sustenta a dignidade pessoal para assumir voluntariamente a responsabilidade de uma mudança necessária, mas dolorosa. Toda mudança envolve algum risco, mas é mandatório investir na escolha consciente e responsável, amparada na compreensão do valor da opção de hoje sobre o que acontecerá amanhã. O que de bom ou de mau acontece hoje não é mero acaso, reflete a influência maior ou menor das escolhas de ontem. É claro que, contextualizando as decisões assumidas percebe-se que elas trazem a marca de determinismos limitantes da capacidade pessoal de escolher. Estes determinismos são a facticidade[4] inextrincável da contingência da criatura humana. É preciso que cada um compreenda sua facticidade para sobre ela e apesar dela implementar voluntariamente as escolhas ainda possíveis. Obviamente as opções precisam passar pelo crivo de uma crítica racional que poderá ser enriquecida pela sabedoria dos Filósofos. Neste ponto o Aconselhamento Filosófico é uma ferramenta útil para facilitar a escolha de orientações construtivas. A compreensão da dinâmica psicossocial leva o indivíduo a parar de culpar os outros por seus problemas, e a assumir a responsabilidade que lhe toca. Agir com responsabilidade implica necessariamente em incorporar interdições e criar novas formas de convivência. É necessário eliminar os papéis culturalmente sedimentados que já não satisfazem as necessidades do momento, e criar novos que atendam o ideal comunitário.
É normal ter problemas. E a aflição emocional imediata inerente aos mesmos não é doença. Esta começa com a tendência de alimentar a aflição recusando a realidade, em vez de solucionar o problema ou, quando este for irrevogável, aprender a conviver com ele. E isto implica em contextualizar a existência numa mundividência coerente.
(Continua no próximo texto)
                                  Everaldo Lopes


       [1] Controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização
         ativa,  pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento etc.
        [2] Compreensão geral do Universo e da posição nele ocupada pelo homem, que se expressa por um
         conjunto mais ou menos integrado de representações e que deve determinar, em última instância, a
         vontade e os atos do seu portador (Dic. De Aurélio). 
   
       [3] Processo através do qual uma pessoa se torna consciente de sua individualidade.(Jung)
       [4] Caráter  próprio da condição humana, pela qual cada homem se encontre sempre já comprometido
            com  uma situação não escolhida ( corporal, famíliar, cultural vigente etc.)

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Painho,

    Serei uma leitora assídua da série "Aconselhamento Filosófico". Já gostei do que li hoje. Nossas conversas sempre me estimulam a conhecer mais e mais os caminhos traçados pela filosofia. Conduzir a vida com filosofia é algo que me encanta... seguirei a trajetória de suas construções filosóficas com muito desejo de aprender ...

    Beijo da filha,

    Ruth.

    ResponderExcluir
  3. Painho,

    Algumas palavrinhas em torno do seu texto só para reforçar nosso acordo com o que está expresso no mesmo. Há, de fato, um imperativo no ato de viver que é atribuir um sentido e um significado à existência.

    A disposição para refletir sobre a própria vida, buscando respostas que não estejam inscritas num "roteiro estandartizado" ou "condicionado aos pacotes culturais" é um enorme desafio, e, por que não dizr, uma virtude. Sem desenvolvermos essa virtude, muito dificilmente daremos respostas criativas aos nossos problemas. É preciso explorar nosso potencial criativo e nossoS talentos para resolver nossos problemas, conflitos e impasses existenciais. A disposição de encontrar o novo, ainda que o novo venha acmpanhado de mais riscos e incertezas, é uma alternativa que pode dar certo; ainda que saibamos que a imprevisibilidade e incerteza são condições que nos acompanham desde que fomos concebidos, ainda no útero de nossas mães.

    Nesse processo, o conhecimento e o autoconhecimento são fundamenais na medida em que a condição humana também é marcada pela contigência e inderteminações, ainda que também existam condições objetivas que se impõem a uns e a outros de forma diferenciada. Ao final, no processo de erros e acertos no transcurso da vida, ganharemos um "estilo de vida" ou estilo de viver que será absolutamente singular para cada sujeito.

    A filosofia nos convida a pensar o agora, convoca-nos ao diálogo e nos oferece instrumentos para enfrentar aquilo que nos causa "desconforto" existencial. Essa prática filosófica posta na vida cotidiana não pode "asfixiar a capacidade de escolha" dos sujeitos. Essa é a grande aposta que precisamos fazer e vamos ver o que os "Aconcelhamentos Filosóficos" nos dizem para nos orientarmos no mundo da vida...

    Fiquei a pensar: poderíamos afirmar que a pluraridade e a singularidade dos sujeitos, invariavelmente, resultariam na constituição de múltiplos setidos de verdade, em várias concepções de justiça e de beleza? Ou, mediante o estabelecimento do que seria o "ideal comunitário", não teríamos muita margem para defender caminhos e descaminhos divergentes...

    Se todas as decisões na esfera da vida cotidiana pudessem ser tomadas a partir dos princípios de respeito e responsabilidade com relação a si próprio e ao outro, a margem de erro ficaria bastante reduzida. Mas...

    Beijo da filha,

    Ruth.

    ResponderExcluir
  4. Filha.
    Como você propôs, conversaremos detidamente sobre este e outros tópicos, ao fim da série “Aconselhamento Filosófico”. Mas, antecipando-me já adianto os comentários que se seguem.
    No texto comentado nos referimos ao ideal comunitário universal que prevê a inclusão social de todos os homens, através dos laços de solidariedade. Este conceito de aliança pode ser decomposto em dois elementos fundamentais: 1)vínculo recíproco de interdependência entre todos os indivíduos; 2) vínculo moral, inteligente e esclarecido, de cada indivíduo com os interesses de toda humanidade (o destino da espécie H.Sapiens sapiens). Estes elementos fundadores do ato solidário se delimitam um ao outro, e preenchem a noção da unidade de sentido da Humanidade como um todo. Todavia, nas relações interindividuais baseadas na dignidade da pessoa humana e no ideal comunitário universal, entendidos como valores que se completam, podem configurar-se sentidos particulares que se incluem no sentido universal. Estes princípios reciprocamente interagentes são compatíveis com a coexistência de diferenças que não comprometam o ideal comunitário universal que, por definição é único. Desta forma podemos conciliar a unidade do ideal humano de solidariedade com a diversidade dos detalhes históricos que são circunstanciais e limitados. O desafio para o homem é distinguir em cada caso até onde podem ir as diferenças, sem ferir a unidade universal totalizadora. E dentro deste limite último a divergência de detalhes é sempre circunstancial, não afeta a essência do processo de integração universal de todos os homens. Desde logo fica muito claro que a unidade comunitária é dinâmica (aqui entra a criatividade), capaz de integrar evolutivamente as diferenças num todo unitário. Tudo se resume ao exercício responsável, criativo, da liberdade em prol da dignidade pessoal e do ideal comunitário universal. Sustentar a unidade nas diferenças é o desafio maior, a prova de fogo do processo de humanização que inaugura na Evolução a prática da consciência livre e responsável. Existencialmente este esforço envolve o intelecto, a afetividade, a intuição criativa e a vontade livre.
    Beijo do pai. Everaldo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Painho,

      Satisfeita com a explicação. E vamos em frente com nosso diálogo filosófico e existencial.

      Beijo da filha,

      Ruth.

      Excluir
  5. Reflexão muito interessante. Trabalho em Aconselhamento Filosófico desde 1998.

    ResponderExcluir